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1.1. A condição efêmera da sociedade contemporânea

1.1.1. O contexto de São Paulo:

Todas as propostas refletem sobre a importância do destino aberto do projeto urbano, em que o espaço físico está pensado de forma a criar oportunidades, por meio de suportes indefinidos, para que as pessoas que deveriam ser a finalidade do todo e qualquer projeto, sejam as responsáveis pelo seu destino. O compromisso do arquiteto se junta ao da sociedade no intuito de promover a transformação do lugar. (FONTES, 2013, p.102)

As cidades contemporâneas, principalmente as grandes metrópoles como a cidade de São Paulo, revelam diversos aspectos das construções urbanas e das relações estabelecidas entre os sujeitos com o espaço em sua dimensão material, bem como das próprias relações entre as pessoas neste espaço. Um dos aspectos gerados pelo capitalismo globalizado é a espetacularização urbana, co- locando a cidade como espécie de “cenário”. E a ideia de cenário traz duas questões: o consenso como ferramenta para homogeneização da vida, e assim, o controle social e, do outro, a percepção anestesiada, apenas contemplativa, diante de uma cidade espetacularizada.

Assim, é possível pensar a experiência artística como possibilidade questionadora de consensos estabelecidos ou ainda como fomentadora de outras formas de dissenso, ou seja, na arte como uma forma de ação dissensual que possibilita a explicitação dos conflitos escondidos, do campo de força que está por trás da cidade logotipo-imagem-espetacular. (JACQUES, 2010)

Como afirma Paola Berenstein Jacques (2014), ainda vivemos uma crise na noção de cidade quanto à ideia de pertencimento, diminuindo o espaço da experiência, da alteridade na cidade. Ainda segundo a pesquisadora, podemos pensar as cidades atuais como cidade parque-temático ou cidade da patrimonialização, agregando os processos de gentrificação e as construções dos grandes condomínios privados. Diante deste contexto, há uma diminuição da participação popular e da própria experiência física urbana enquanto prática cotidiana.

Em uma época em que a cidade, a esfera pública, é ocupada por agentes que calculam tecnica- mente suas decisões e organizam tecnoburocraticamente o atendimento às demandas, segundo critérios de rentabilidade e eficiência, a subjetividade polêmica, ou simplesmente a subjetividade, recolhe-se ao âmbito privado. O mercado reorganiza o mundo público como palco do consumo e dramatização dos signos de status. As ruas tornam-se saturadas de carros, de pessoas apres- sadas para cumprir obrigações profissionais ou para desfrutar uma diversão programada, quase sempre conforme a renda econômica. (CANCLINI, 1997, p. 02)

No contexto da cidade de São Paulo, observam-se ainda as heranças do urbanismo moderno com a mobilidade pensada para os automóveis e a segregação urbana/territorial que estabe- lece a dualidade centro e periferia, reforçando as desigualdades por meio da concentração de recursos culturais, econômicos e de transporte nas regiões centrais em detrimento das regiões periféricas, que, por sua vez, funcionam como “depósitos” de mão de obra para o trabalho no centro. A esta situação soma-se o crescimento do capital imobiliário, que expande suas fronteiras “revitalizando” áreas já ocupadas, afastando territorialmente os antigos moradores, e o advento do artefato urbano dos grandes condomínios privados, que garantem conforto e segurança para seus moradores, copiando modelos internacionais. Assim, observa-se a construção de grandes

complexos habitacionais enclausurados6, além dos shoppings centers como promessas de um espaço de socialização “segura”.

Se a mobilidade é um atributo do modo de vida urbano, o seu correlato é o fechamento. De facto, existe uma tendência para a segregação residencial como estratégia de fuga à conglomeração multicultural, pois a cidade é um território polifônico que acolhe a complexidade, o hibridismo, a diversidade. Não é por acaso que há cada vez mais condomínios privados cujos muros indu- zem à incomunicabilidade. Os vidros duplos e outros sistemas de insonorização criam cidades silenciadas dentro da cidade. A vida pública condicionada. (PAIS, 2010, p. 54, grifo do autor)

Ainda notam-se espaços públicos sendo diluídos em um planejamento urbano que prima pelo privado em detrimento do coletivo, onde há, claramente, um direcionamento para projetos urbanos que privi- legiam uma classe de maior poder aquisitivo e cria recursos para afastar/segregar outros grupos sociais. A cidade de São Paulo cresceu 1900% entre 1930 a 2000, ou seja, passou de 888 mil habitantes em 1930, para 10.406.166 habitantes em 2000. Deixou de ser, em pouco mais de 130 anos, uma cidade colonial, pobre e encarapitada com 19.347 habitantes (no ano de 1.872) na colina histórica entre os Rios Anhangabaú e Tamanduateí, para uma região metropolitana que com outros 38 municípios totalizaram, em 2010, 19.672.582 habitantes. Um crescimento acompanhado, segundo o professor Flávio Villaça, (2011, p.37), pela produção de uma cidade segregada social e economicamente, que concentrou preponderantemente, em todo seu quadrante sudoeste, a classe de alta renda (Mapa 1 - Fonte: Villaça, 2011. p.43). Como afirma o citado professor (2011, p.51) é neste quadrante da cidade que se concentram os “locais de emprego dos mais ricos, seu comércio, suas escolas elementares e secundárias, seus hospitais, seus parques, as áreas de diversão (Vila Madalena e Moema), seus médicos, suas academias de ginástica, até suas igrejas e seus cemitérios”. (ABRAHÃO, 2011, p.78).

Apesar do rolo compressor homogeneizador da cidade-espetáculo, existem multiplicidades no espaço urbano e intervalos de resistência com diversos coletivos e movimentos, revertendo de forma local e temporária este processo e reafirmando a relevância da participação na construção da cidade, das experiências afetivas e de alteridade no espaço comum. Muitos destes ativadores possuem certa invisibilidade porque estão inseridos no espaço do cotidiano, do ordinário. Aqui, é possível fazer uma

6 Nas duas últimas décadas observou-se na região metropolitana de São Paulo o crescimento vertiginoso do número de condomínios

horizontais fechados, um tipo de moradia produzida em um nicho do mercado imobiliário residencial que atende a consumidores de um universo oriundo das camadas de média e alta renda. Promovendo transformações na paisagem existente, principalmente a segmentação da malha urbana convencional através do cercamento por muros, e a constituição de áreas verdes e de lazer exclusivos, estes empreendi- mentos constituem um heterogêneo conjunto de produtos imobiliários rotulados imprecisamente como “Condomínios Fechados”, que envolvem desde pequenos nichos urbanos a enormes bairros nas partes suburbanas da metrópole. (LEMOS; MACEDO, 2007, p.02)

aproximação com as investigações de Michel de Certeau sobre a história do cotidiano e como as práticas invisíveis, ou de uma “não-história”, como ele mesmo menciona. Que são capazes de mos- trar campos de subjetivação, de resistência ao modelo vigente, encontrando assim espaços de jogo, intervalos de liberdade. Ele aponta como, na trama da vida cotidiana, localizamos as ações inventivas.

Nossas categorias de saber ainda são muito rústicas e nossos modelos de análise por demais elaborados para permitir-nos imaginar a incrível abundância inventiva das práticas cotidianas. É lastimável constata-lo: quanto nos falta ainda compreender dos inúmeros artifícios dos “obscuros heróis” do efêmero, andarilhos da cidade, moradores dos bairros, leitores e sonhadores, pessoas obscuras das cozinhas. Como tudo isto é admirável. (CERTEAU, 1996, p. 342)

Ativar e compreender a experiência participativa do cidadão frente à cidade constitui uma forma de oposição à contemplação da cidade-espetáculo, uma forma de resistir à cultura da sociedade do espetáculo, conforme a análise de Guy Debord (2003), partindo para construção de uma sociedade mais lúdica e experimental. Essas ativações são múltiplas, vindas de diferentes áreas, mas todas par- tem do princípio da dimensão relacional entre os sujeitos e o espaço da cidade, inserindo o corpo na dimensão relacional entre pessoas e paisagem.

Olhando para as táticas, apontadas por Certeau, podem-se analisar intervenções temporárias artísti- cas que trabalham com questões da cidade, potencializando a capacidade de atuação e observação crítica/sensível nas construções e redefinições do espaço. Isso porque esses trabalhos artísticos de intervenções urbanas inserem o corpo material físico como elemento fundamental da experiência, propondo errâncias urbanas, mostrando caminhos alternativos à espetacularização e passividade da sociedade do consumo. As intervenções artísticas efêmeras simultaneamente são ferramentas de denúncia e enunciam possibilidades.

Assim, segundo Francesco Careri, é preciso que o arquiteto-urbanista, como também os artistas, tenham a experiência de estar na rua, de caminhar pelas ruas, de conversar com as pessoas, utili- zando seu corpo físico no ato do pensar e planejar a cidade. Por fim, é necessário colocar em crise as certezas, explorando possibilidades, e, como diz Careri, “recordar que o espaço é uma fantástica invenção com a qual se pode brincar como as crianças” (2013, p. 171).