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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PÂMELLA MOCHIUTE CRUZ. PRÁTICAS DO DISSENSO. Intervenções artísticas nos espaços públicos.

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(3) UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PÂMELLA MOCHIUTE CRUZ. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. São Paulo 2017.

(4) C955p. Cruz, Pâmella Mochiute Práticas do dissenso: intervenções artísticas nos espaços públicos / Pâmella Mochiute Cruz. – 2017. 158 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017. Bibliografia: f. 151-158. Orientadora: Maria Isabel Villac. 1. Espaço público. 2. Intervenções artísticas. 3. Apropriações. 4. Errâncias urbanas. I. Título. CDD 790.013.

(5) PÂMELLA MOCHIUTE CRUZ. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.. ORIENTADORA: Profª Drª Maria Isabel Villac. São Paulo 2017.

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(9) À cidade de São Paulo que me impulsiona a criar, pensar e fazer dela um espaço cada vez mais habitável: o exercício da alteridade e a partilha do sensível..

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(11) GRUPO DE PESQUISA. Este trabalho está vinculado ao projeto de pesquisa: Culturas e Cidade: Teorias e Projeto, coordenado pela Professora Doutora Maria Isabel Villac, financiado pelo MackPesquisa e CNPq – do qual integro desde 2016..

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(13) AGRADECIMENTOS. Aos encontros que a vida possibilita, permitindo minha aproximação com a Professora Volia Regina Costa Kato e as frutíferas produções que me fizeram chegar ao Mestrado na FAU – Mackenzie. A minha família e amigos pelo apoio e generosidade. A trajetória artística no Coletivo PI e atualmente no grupo O Clube, criando e realizando intervenções artísticas pelas cidades. Aos meus companheiros de trabalho que partilho inquietações e descobertas. Um agradecimento especial a minha irmã, Talita Mochiute, que tanto me incentiva no universo da pesquisa. À orientadora Maria Isabel Villac, por partilhar com tanta responsabilidade e generosidade essa trajetória. A todos, minha sincera gratidão..

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(15) A arte não reproduz o visível, faz visibilidades. Paul Klee.

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(17) RESUMO. A pesquisa do Mestrado pretende refletir sobre as apropriações dos espaços públicos por meio de intervenções artísticas realizadas por coletivos e artistas da cidade de São Paulo, com atuações na região do Centro e Barra Funda, a partir de 1994. Adota-se como marco temporal o projeto Arte/ Cidade de Nelson Brissac, bem como suas ressonâncias: a experiência no Coletivo PI, de 2009 a 2016, e a participação na pesquisa “Culturas e Cidade: Teorias e Projeto”, a partir de 2015. Para isso, foi feito um mapeamento dos trabalhos com práticas de errâncias urbanas, empregando aqui a conceituação de Paola Berenstein Jacques (2014). Desta maneira, o estudo discute a relevância das relações entre práticas formais e ocorrências informais na compreensão das dinâmicas do território, contribuindo para uma observação e atuação crítica e sensível nas construções e redefinições dos espaços públicos da cidade. Palavras-chave: espaço público; intervenções artísticas; apropriações; errâncias urbanas..

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(19) ABSTRACT. The present research aims to reflect on the appropriation of public spaces through artistic interventions carried out by art collectives and artists from the city of São Paulo, with activities in the region of Centro and Barra Funda, from 1994. The Nelson Brissac’s Art/City project is adopted as period, as well as its resonances: the experience in Collective Pi, from 2009 to 2016, and participation in the research “Cultures and City: Theories and Project”, from 2015 onwards. For this purpose, we developed a mapping of works with urban wandering practices, using the conceptualization of Paola Berenstein Jacques (2014). Therefore, the study discusses the relevance of the relations between formal practices and informal occurrences in the understanding of territorial dynamics, contributing to an observation and a critical and sensitive action in the constructions and redefinitions of the public spaces of the city. Keywords: public space; artistic interventions; appropriations; urban wanderings..

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(21) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO O espaço de um relato: conexões entre prática artística e acadêmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1. Experiência refletida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 1.1. A condição efêmera da sociedade contemporânea. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 1.1.1. O contexto de São Paulo:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 1.2. Errâncias Urbanas: um caminho pelas flanâncias, deambulações e derivas. . . . . . . . . . . . . . . 40 1.3. Corpo e território: paisagem urbana é paisagem humana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2. Cartografia afetiva: narrativas do cotidiano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 2.1. Antecedentes, Arte/Cidade e Ocupação Prestes Maia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 2.2. Intervenções artísticas: recorte conceitual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 2.3. Cidade Apropriada: mapa das intervenções artísticas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 2.3.1. Contexto Centro – Barra Funda:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 2.3.2. Coletivos e suas ações: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 2.4. Situações de Visibilidade: resistências ao discurso hegemônico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 2.5. Por uma percepção lúdica: novas extensões do espaço vivido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 3. Arte Urbana: consolidação do espaço coletivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 3.1. Uma estética relacional: partilhando o sensível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 3.2. Ativando a amabilidade urbana: exercício de alteridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tudo junto e misturado: arquitetura da (co)existência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 Referências Bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153.

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(23) Introdução O espaço de um relato: conexões entre prática artística e acadêmica.

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(25) INTRODUÇÃO. O. interesse da presente pesquisa surge da minha prática artística, principalmente pelas experiências com o Coletivo PI, núcleo de pesquisa e criação em performance e intervenção urbana, com o qual realizei trabalhos artísticos nos espaços públicos da cidade entre 2009 e 2016. Das vivências, a partir das criações com o Coletivo PI, emerge o interesse em pesquisar como as intervenções artísticas realizadas por coletivos de arte podem apontar problemáticas e reflexões sobre os espaços públicos, não apenas nas questões da materialidade (suporte físico) dos espaços, mas nas relações de convivência e apropriação dos territórios. Tais intervenções trazem, assim, uma relevante contribuição sobre as formas de viver nas grandes metrópoles, atravessando a ideia de quais são os imaginários urbanos presentes na sociedade contemporânea, diante de uma nova imagem do mundo e de cidades que se travestem do transitório, de um traço que se faz e desaparece e de novas formas de se relacionar a partir do mundo virtual. Portanto, a pesquisa amplia as contribuições do olhar do arquiteto-urbanista, e de todos que buscam pensar a cidade na árdua tarefa de recozer o tecido urbano. Diante dessas inquietações se configura o recorte espacial da presente pesquisa, a região Centro-Barra Funda da cidade de São Paulo, visto que trabalhei em residências artísticas durante os sete anos do Coletivo nessas regiões, tendo assim proximidade com o território e suas dinâmicas. O recorte temporal será a partir de 1994, considerando o marco do projeto Arte/Cidade em São Paulo, coordenado por Nelson Brissac Peixoto. Pois o projeto foi uma sistematização dos conhecimentos sobre o território da cidade, diante de problemas colocados pelo sistema urbano, a partir do trabalho conjunto entre arquitetos/urbanistas e artistas. O outro critério relevante à escolha da espacialidade em questão é que estes são territórios híbridos, que nos últimos anos são alvos de investimentos do mercado imobiliário e do próprio Estado, passando por um processo de gentrificação e transformação do seu tecido urbano. Isso acarreta consequências na presença de trabalhos artísticos que justamente dão visibilidade a estas questões e dialogam com moradores e poder público sobre as problemáticas das regiões. Um exemplo nítido desse processo é o Elevado Presidente João Goulart, antigo Elevado Costa e Silva, conhecido como Minhocão, e o largo debate sobre seu futuro – permanência, demolição ou transformação em parque. O cruzamento com a experiência do Arte e Cidade mostra no trabalho a possibilidade de expandir as reflexões sobre as apropriações dos espaços públicos para além dos seus desenhos formais. Assim considerando a condição urbana contemporânea: as questões do efêmero; o imaginário urbano configurado pelo mundo virtual; o enfraquecimento do papel integrador do Estado como agente das necessidades públicas e as novas formas de comunicação que alteram a relação corpo-espaço, pois, em um polo há o virtual (infinito) com a formação das redes, alterando a necessidade de uma relação corpo-corpo-espaço e no outro polo, há o real (limitado), caracterizado por uma experiência corporal nas grandes metrópoles, marcada pela introspecção e desconfiança.. 25.

(26) 26. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. Dessa maneira, presenciamos um novo fenômeno de produção de espaço. Espaços que admitem dobras1 (tempo/espaço), nas quais o espaço se torna lugar à medida que é apropriado. O arquiteto-urbanista é peça desse processo em reatar uma relação entre público e privado para além de um desenho vanguardista ou de uma defesa autocentrada na proximidade. Necessita dessa reflexão da articulação política, social e subjetiva dos espaços, já que a lógica da construção material não é suficiente para definir um lugar. Da mesma forma, o artista que cria, a partir dos espaços públicos e das inquietações dessa nova urbe, também é protagonista desse quebra-cabeça, pois ele é um repórter inquieto, um flâneur contemporâneo, um ativista urbano. O artista está atento ao que as ruas contam e calam, aos seus segredos e memórias. E assim, pode compartilhar e narrar essa dinâmica. A Arte pode ser entendida como uma lupa que traz visibilidade às articulações: cria uma narrativa dos lugares, mostra suas histórias, memórias, valores e relações. Dessa maneira, as intervenções artísticas aqui analisadas, por meio da experiência corporal, se configuram como um vetor informal de apropriações dos espaços públicos, evidenciando identidades e potencialidades das áreas ocupadas. Além de criar novos significados aos territórios, a arte provoca ecos, cria um movimento de expansão.. 1 O conceito de dobra é retirado de Deleuze e se trata de pensar os territórios como campos de subjetivação. “O conceito deleuziano de dobra é uma importante ferramenta teórica para se pensar a experiência subjetiva contemporânea. A dobra exprime tanto um território subjetivo quanto o processo de produção desse território, ou seja, ela exprime o próprio caráter coextensivo do dentro e do fora. A dobra constitui assim tanto a subjetividade, enquanto território existencial, quanto a subjetivação, entendida aqui como o processo pelo qual se produzem determinados territórios existenciais em uma formação histórica específica.” (SILVA, 2014, p.56 ).

(27) 1.. Experiência refletida.

(28) Faça uma ação com poder (...) Permita que todos participem da arte. Jogue os dados e avance até o infinito. Eduardo Srur (2012).

(29) EXPERIÊNCIA REFLETIDA. N. a metrópole, o modo de vida contemporâneo suscita diversas discussões nos mais diversos campos de estudo quanto à forma em que são estabelecidas as relações entre os sujeitos, a cidade e a vida cotidiana. No campo das artes, diversas são as formas de explicitar e questionar o mundo atual e, cada vez, mais, se apagam as fronteiras entre as linguagens artísticas e mesclam-se os campos de conhecimento, seguindo na contramão de uma visão de mundo fragmentada e homogênea. A intervenção urbana surge, no campo das artes, como uma maneira de trazer à tona aspectos e questionamentos referentes ao modo como sujeito, arte e ambiente urbano se relacionam, utilizando, para tanto, as mais diversas linguagens e técnicas artísticas. Desta forma, considera-se aqui a intervenção urbana como uma ferramenta artística, seja ela realizada no campo das artes visuais, da dança, do teatro, da música ou em mais de um deles simultaneamente. As práticas intervencionistas embaralham a ordem vigente e as práticas usuais nas ruas, criando rupturas nas lógicas repetitivas e protocolares do cotidiano e são capazes de ressignificar as relações sensíveis entre sujeito e o espaço público, provocando fissuras nos modelos comportamentais e proporcionando a construção de um saber relacional, que se faz no ato da experiência e que não pode ser dissociado da memória pessoal e da afetividade.. Os eventos artísticos efêmeros, ao se interporem nas rotinas e cadências do cotidiano na cidade, trazendo incômodo, estranhamento e surpresa, possuem um potencial transgressor que incita os indivíduos a olhar o que é vivido como banal de outra perspectiva e a colocar em pauta valores de senso comum que se apresentam naturalizados em suas relações sociais. Em cada realização, esses eventos mobilizam um conjunto de elementos temporais e espaciais, configurando em si mesmo um contexto social onde atores-artistas interpelam os indivíduos que transitam nos espaços públicos da cidade. (KATO; CRUZ; VIANNA, 2015, p. 87.). As intervenções artísticas propõem ao público uma postura menos passiva e contemplativa, oferecendo a oportunidade de se vivenciar determinado espaço e não apenas passar por ele. É neste sentido que vão além do campo artístico, abrangendo o campo cultural, da experiência cotidiana2. A ideia de espaço, desta forma, é redimensionada como uma manifestação ambiental que,. 2 Pensar a partir do conceito de campo é pensar de forma relacional. É conceber o objeto ou fenômeno em constante relação e movimento. O campo também pressupõe confronto, tomada de posição, luta, tensão, poder, já que, de acordo com Bourdieu, todo campo “é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças” (BOURDIEU, 2004, p. 22-23). Os campos são formados por agentes, que podem ser indivíduos ou instituições, os quais criam os espaços e os fazem existir pelas relações que aí estabelecem. Um dos princípios dos campos, à medida que determina o que os agentes podem ou não fazer, é a “estrutura das relações objetivas entre os diferentes agentes” (BOURDIEU, 2004, p. 23). Assim, é o lugar que os agentes ocupam nessa estrutura que indica suas tomadas de posição.. 29.

(30) 30. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. (...) rompendo com uma noção de espaço vazio e neutro - receptáculo das coisas do mundo - se define como um espaço que incorpora, fenomenologicamente, a ação do corpo do espectador: é um espaço com qualidades afetivas, espaços afetos, como diria Félix Guatarri, espaços vivências que se geram a partir da experiência corporal subjetiva. (...) Longe de desenhar espaços e universos idealizados, ele [o artista] torna-se um construtor de espaços-afeto, um construtor de territórios afetivos, de vivências relacionais. (ARANTES, 2007, p. 162). Entendendo que os espaços que são apropriados se constroem a partir de contextos e relações3, as intervenções vêm mostrar uma cidade que se forma muito mais por meio das experiências vividas do que por um espaço construído, um desenho formal. Não é somente as estruturas e os artefatos, a arquitetura construída, que conformam a cidade e seus habitantes, mas, também, as dinâmicas culturais, as relações coletivas que definem o território e configuram os imaginários urbanos. Desta maneira, as intervenções, além de proporcionarem espaços e relações afetivas, também são uma forma de resistência à normatização do comportamento das pessoas no ambiente urbano, possibilitando a reflexão, uma tomada de consciência e de atitude por parte do público.. As práticas artísticas podem criar situações inéditas de visibilidade, apontar ausências notáveis ou resistências à exclusão do domínio público e desestabilizar expectativas e criar novas convivências. Sua potência, que leva as transformações para além do temporário, está em desregular valores cristalizados e abrir novas extensões do espaço vivido. (PALLAMIN, 2002, p. 108). As intervenções artísticas no presente trabalho se encaixam na categoria de intervenções temporárias de Adriana Sansão Fontes (2012), pois são ações de pequena escala, pensadas para lugares específicos. Também carregam consigo um jogo participativo/relacional, potencializando novas percepções e relações entre as pessoas e o lugar, bem como ativando outros vínculos. Ainda que sejam efêmeras, no sentido de uma permanência no tempo, elas causam um efeito de contaminação, deixando rastros de outras formas de convívio e atuação na esfera pública. Assim, segundo Fontes:. Usos e ocupações temporárias são vistos no atual debate, portanto, como ferramentas de potencialização, revelando novas possibilidades dos espaços Atuam na forma de auto-observadores da sociedade, uma vez que, por estarem à margem do planejamento das cidades, ocupam ou se. 3 O espaço deve ser considerado como uma totalidade, a exemplo da própria sociedade que lhe dá vida (...) o espaço deve ser considerado como um conjunto de funções e formas que se apresentam por processos do passado e do presente (...) o espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que se manifestam através de processos e funções (SANTOS, 1978, p. 122)..

(31) EXPERIÊNCIA REFLETIDA. apropriam de áreas vazias. Logo, observam as relações sociais e exploram nichos, apresentando-se muitas vezes como alternativas, como potência e como forma de movimento para a revitalização das áreas residuais e dos espaços ociosos da cidade, movimento inclusive com potencial elástico, que permite o contínuo fazer e desfazer. (FONTES, 2012, p. 34). É esse potencial de agrupamento ágil e sem base específica de operações, característico das intervenções temporárias, que as definem como modelos táticos, descritos por Certeau (2014) como distintos das estratégias (ações totalizadoras vindas de um sujeito/grupo de querer e poder, e que postulam regras circunscritas em um lugar – por exemplo, a nacionalidade política ou econômica foram construídas por esse modelo estratégico). Dessa maneira, as intervenções temporárias como táticas são:. (...) um cálculo que não pode contar com um próprio, nem, portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. Ela aí se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capitalizar os seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência em face das circunstâncias. O “próprio” é uma vitória do lugar sobre o tempo. Ao contrário, pelo fato de seu não lugar, a tática depende do tempo, vigiando para capturar no voo possibilidades de ganho; (CERTEAU, 2014, p. 45). As intervenções são ações que surgem de uma “necessidade” no mundo e estão sempre inseridas na relação sujeito/lugar e corpo individual/corpo coletivo. São táticas que não capitalizam o tempo, que lidam com a ocasião, e instauram uma nova forma de se comunicar, de perceber e de se relacionar, as quais são indissociáveis dos combates e dos prazeres do cotidiano. Por isso, são muitas vezes jogos de oposição na relação de poder guardados pelo próprio lugar ou instituição, o que não permite que sejam incorporadas pelos aparelhos de captura4. Elas surgem, acontecem, deixam um rastro e desaparecem, lidando com o caráter espontâneo e criativo do cotidiano. Muitos destes ativadores possuem certa invisibilidade porque estão inseridos no espaço do cotidiano, do ordinário. Aqui, é possível fazer uma aproximação com as investigações de Michel de Certeau sobre a história do cotidiano e como as práticas Invisíveis, ou de uma “não-história”, como ele mesmo menciona, são capazes de mostrar campos de subjetivação, de resistência ao modelo vigente, encontrando assim espaços de jogo, intervalos de liberdade.. 4 Aparelhos de captura é a denominação dada por Deleuze e Guattari às armas usadas pelo Estado para cristalização da unidade política e controle das relações de poder. Isto é, os aparelhos de captura buscam sempre, na sociedade capitalista, tornar as relações, ações e ideias um produto, o corpo é transformado em mercadoria. Dessa forma, os autores defendem que as máquinas de guerra são como táticas dos nômades, dos errantes urbanos, em oposição ao que é fixo, cristalizado, estratificado.. 31.

(32) 32. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. Escapando às totalizações imaginárias do olhar, existe uma estranheza do cotidiano que não vem à superfície, ou cuja superfície é semente de um limite avançado, um limite que se destaca sobre o visível. Neste conjunto eu gostaria de detectar práticas estranhas ao espaço “geométrico” ou geográfico das construções visuais, panópticas ou teóricas. Essas práticas do espaço remetem a uma forma especifica de “operações” (maneiras de fazer), a “uma outra espacialidade” (uma experiência “antropológica”, poética e mítica do espaço) e a uma mobilidade opaca e cega da cidade habitada. Uma cidade transumante ou metafórica, insinua-se assim no texto claro da cidade planejada e visível. (CERTEAU 1994, p. 159). Ativar a experiência participativa do cidadão frente à cidade constitui uma forma de oposição à contemplação passiva e de anuência à cidade-espetáculo, uma forma de resistir à cultura da sociedade do espetáculo, conforme análise trazida por Guy Debord (1997), partindo para construção de uma sociedade mais lúdica e experimental. Essas ativações são múltiplas, vinda de diferentes áreas, mas todas partem do princípio da dimensão relacional entre os sujeitos e o espaço da cidade, sendo o ato de caminhar o alicerce dessas práticas. Olhando para as ativações cotidianas pelo viés da arte (eixo central deste trabalho) podem-se mapear coletivos artísticos que trabalham com as questões da cidade, propondo derivas e errâncias urbanas com o objetivo de potencializar a capacidade de observação crítica e sensível nas construções e usos do território. E, neste ponto, criar uma ponte com a prática de todos aqueles profissionais que pensam nas construções da cidade. Isso porque, os trabalhos artísticos de intervenções inserem o corpo material e físico como elemento fundamental da experiência, propondo errâncias urbanas, mostrando caminhos alternativos à espetacularização urbana e ao projeto das estruturas das cidade que amparam a vida cotidiana. Segundo Francesco Careri (2013) é preciso que o arquiteto-urbanista tenha a experiência de estar na rua, de caminhar pelas ruas, de conversar com as pessoas, utilizando seu corpo físico no ato do pensar e planejar a cidade. Por fim, é necessário colocar em crise as certezas, explorando possibilidades. E, como diz Careri: “recordar que o espaço é uma fantástica invenção com a qual se pode brincar como as crianças” (CARERI, 2013, p. 171). Assim, para esta pesquisa, adota-se uma cartografia afetiva, isto é, um mapa a partir das intervenções artísticas na região que revelam apropriações do espaço de forma afetiva e simbólica. O conceito de cartografia afetiva está em diálogo com a “cartografia sentimental” de Suely Rolnik, ou seja, não se trata de um desenho, um mapa definindo o território e o local das intervenções, mas sim de uma representação que explicita como as intervenções afetam o território e seus habitantes. A cartografia evidencia como os territórios são ao mesmo tempo realidade material e simbólica, ou seja, como as apropriações desenham e transformam o espaço por meio dos usos, dos desejos daqueles que ali habitam, convivem..

(33) EXPERIÊNCIA REFLETIDA. A prática de um cartógrafo diz respeito, fundamentalmente, às estratégias das formações do desejo no campo social. E pouco importa que setores da vida social ele toma como objeto. O que importa é que ele esteja atento às estratégias do desejo em qualquer fenômeno da existência humana que se propõe perscrutar: desde os movimentos sociais, formalizados ou não, as mutações da sensibilidade coletiva, a violência, a deliqüência... Até os fantasmas, inconscientes e os quadros clínicos de indivíduos, grupos e massas, institucionalizados ou não. (ROLNIK, 1989, p. 65).Portanto, a cartografia diferente do mapa, que é uma representação estática, captura de um único fenômeno, abre campo para a experiência, criação em rede, diálogos livres, inserindo o olhar daquele que observa o território. A cartografia é uma ferramenta, um método que mostra o desejo, o sensível. Ela lida com três camadas: espaço, tempo e processos.. A cartografia quando se trata de processos artísticas permite representar o subjetivo, o sensível, diferente do mapa, que é uma representação estática, captura de um único fenômeno, ela abre campo para a experiência, criação em rede, diálogos livres, inserindo o olhar daquele que observa o território. A cartografia é uma ferramenta, um método que mostra o desejo, o sensível. Ela lida com três camadas: espaço, tempo e processos.. O que define, portanto, o perfil do cartógrafo é exclusivamente um tipo de sensibilidade, que ele se propõe fazer prevalecer, na medida do possível, em seu trabalho. O que ele quer é se colocar, sempre que possível, na adjacência das mutações das cartografias, posição que lhe permite acolher o caráter finito e ilimitado do processo de produção da realidade que é o desejo (...). É que o cartógrafo sabe que não tem jeito: esse desafio permanente é o próprio motor de criação de sentido. Desafio necessário - e, de qualquer modo, insuperável - da coexistência vigilante entre macro e micropolítica, complementares e indissociáveis na produção de realidade psicossocial. (ROLNIK, 1989, p. 80). O propósito da segunda etapa da pesquisa, na elaboração da cartografia, foi criar certos agrupamentos, gerando assim as divisões dos capítulos, para as intervenções por meio de semelhanças e conexões entre elas. Aqui, é de extrema relevância o conceito de amabilidade urbana trazido por Adriana Sansão Fontes em sua pesquisa, associado a amabilidade urbana à qualidade de um espaço/tempo da intervenção.. O conceito de “amabilidade urbana”, enquanto um termo que evoca proximidade e abertura, pode ser considerado como um atributo do espaço amável, que promove ou facilita o afeto e a proximidade, opondo-se ao individualismo, por muitas vezes característico das formas de convívio coletivo contemporâneas. (FONTES, 2013, p. 26). Fontes contribuiu para a pesquisa ao evidenciar como as apropriações feitas pelas intervenções são uma forma de ação exploradora da cidade e de seus espaços físicos, revelando espaços va-. 33.

(34) 34. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. zios e reafirmando a busca por espaços coletivos, por um desenho mais amigável de cidade que possa acolher as convivências, um desenho para (co)existências. A pesquisa ainda reflete como os coletivos demonstram formalizações de iniciativas de baixo para cima que exploram determinado espaço físico, revelando usos diferentes das funções originais para quais ele foi criado. As intervenções apontam, também, o retrabalho criativo de um espaço-tempo, caracterizando os atores do cotidiano como sujeitos da cultura, construtores da cidade e não mais espectadores de uma cidade-cenário.. 1.1. A condição efêmera da sociedade contemporânea. Entendendo que a produção do espaço é imanente à produção da vida e visto que o espaço construído é a extensão da existência imaterial (corpo/matéria), pode-se estabelecer que o espaço apropriado é o lugar das relações coletivas da vida, guardando consigo profundas relações de identidade e memória, e manifestando as condições sociais de determinado grupo representativo de uma situação coletiva contemporânea. Portanto, cidade é a própria produção e constituição da humanidade. Nas cidades contemporâneas a manifestação da condição efêmera é fator fundamental para entender as relações urbanas e a importância dos fluxos materiais e imateriais na organização da cidade. O espaço deixa de ser um produto final ou reflexo de uma cultura e passa a ser entendida como processo, atividade em constante exercício e transformação. Aqui, cabe um paralelo com a arte contemporânea, em que o artista deixa de produzir novas obras/objetos e passa a centrar sua ação no próprio processo de experiência e construção, atribuindo novos usos e significados às pré-existências. Conforme nos diz Canclini (2012, p. 24),. refiro-me ao processo nas últimas décadas no qual aumentam os deslocamentos das práticas artísticas baseadas em objetos a práticas baseadas em contextos até chegar a inserir as obras no meio de comunicação, espaços urbanos, redes digitais e formas de participação social onde parece diluir-se a diferença estética. (grifo do autor). Desta forma, a cidade contemporânea, assim como a prática artística, é contrária às marcas das estruturas da antiga modernidade, como a solidez e a continuidade. Como descreve Bauman (2007), vivemos em tempos líquidos, que constituem aglomerados líquidos, reservando a ideia de fluidez, descontinuidades e fragmentação.. A “sociedade” é cada vez mais vista e tratada como uma “rede” em vez de uma “estrutura” (para não falar em uma “totalidade sólida”): ela é percebida e encarada como uma matriz de conexões e desconexões aleatórias e de um volume essencialmente infinito de permutações possíveis. (BAUMAN, 2007, p. 09).

(35) EXPERIÊNCIA REFLETIDA. Essa relação de tempo-espaço que reserva fluidez e descontinuidades na vida contemporânea é distinta do projeto de modernidade pautado em grandes estruturas e lógicas totalizantes de organização da vida coletiva. A cidade, enquanto construção, ainda carrega essa herança de estratificação e um planejamento ordenador, dentro de uma ideia de verticalidade, isto é, um grupo determina e configura o espaço enquanto outro se adequa e vive no território. As atuais discussões apontam para novas formas de perceber e compor o espaço fora de uma lógica de ordenar. Cada vez mais ações em redes e não verticalizadas revelam outras maneiras de atuar no redesenho da vida urbana, inclusive pela compreensão da condição efêmera e transitória da sociedade contemporânea.. (...) o colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo, e o desaparecimento ou enfraquecimento das estruturas sociais nas quais estes poderiam ser traçados com antecedência, leva a um desmembramento da história política e das vidas individuais numa série de projetos e episódios de curto prazo, que são, em princípio, infinitos e não combinam com os tipos de sequências aos quais conceitos como “desenvolvimento”, “maturação”, “carreira” ou “progresso” (todos sugerindo uma ordem de sucessão pré-ordenada) poderiam ser significativamente aplicados. Uma vida assim fragmentada estimula orientações “laterais” mais do que “verticais”. (BAUMAN, 2007, p. 09). Essa condição efêmera, segundo Fontes (2013), implicará em dois aspectos presentes na dinâmica urbana atual: a aceleração da vida contemporânea e as novas formas de engajamento dos indivíduos na cidade. E aqui, completando com os estudos de Armando Silva (2014), essas mudanças criam novos imaginários urbanos, ou seja, imagens públicas que os cidadãos fazem da cidade, a relação estética entre cidadãos e cidade, marcada por urna memória individual e pública que leva a ação. Pensando nos espaços públicos das grandes cidades como São Paulo – diante dessa aceleração da vida e da globalização como desintermediação das relações na vida atual, é possível traçar a condição do perigo e do fenômeno do medo como imaginários coletivos relacionados ao espaço público. Isso acarreta um aspecto negativo ao convívio coletivo, marcado pela constante sensação de hostilidade e caracterizado pelo individualismo em relações superficiais. No entanto, segundo Silva (2014), os imaginários urbanos5 fazem parte da relação estética (atravessa a experiência corporal) entre cidadãos e a cidade. O imaginário é entendido como memória individual e pública que leva à ação, ou seja, o imaginário é o conjunto das formas de ver, viver, habitar e desabitar o mundo. “Imaginários são assim: verdades sociais não científicas, da sua proximidade com a dimensão estética da vida coletiva” (SILVA, 2014, p.35).. 5 Segundo o autor, “os imaginários, como espaço público, se apoiam, pois na construção de símbolos compartilhados por meio de um domínio social comum, e por isso, são uma força reguladora da vida coletiva, ao representar uma adesão a um sistema de valores, que por sua vez, leva às ações” (SILVA, 2014. p. 28). 35.

(36) 36. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. O homem contemporâneo, pela experiência da velocidade do mundo virtual, sofre de um enfraquecimento da experiência corporal, ele se torna um “corpo passivo” e insensível ao mundo real, acarretando o medo do contato e da permanência. O homem contemporâneo é um homem que se desloca em estado de anestesia pelas ruas da cidade, segue dormente carregando suas desconfianças entre um ponto e outro, acelerado, exausto e solitário.. Podemos dizer que agora as fontes de perigo se mudaram quase totalmente para as áreas urbanas e lá se estabeleceram. Amigos - mas também inimigos, ou acima de tudo esquivos misteriosos estrangeiros que vagueiam ameaçadoramente entre dois extremos- agora se misturam e caminham lado a lado nas ruas das cidades- A guerra contra a insegurança, e particularmente contra os perigos e os riscos à segurança pessoal, agora é travada dentro da cidade, onde se estabelecem nos campos de batalha urbanos e se traçam as linhas de frente Trincheiras fortemente armadas (acessos intransponíveis) e bunkers (prédios ou complexos fortificados e rigorosamente vigiados) destinados a separar, manter a distância e impedir a entrada de estranhos estão se tomando um dos aspectos mais visíveis das cidades contemporâneas. (BAUMAN, 2007, p. 78). Diante dessa configuração das dinâmicas urbanas, das heranças de um urbanismo moderno, somado às segregações territoriais de uma sociedade capitalista, em que o espaço é valor de mercado, e o imaginário urbano do medo nas áreas públicas, nota-se na cidade de São Paulo duas constantes: de um lado o crescimento das áreas muradas e do isolamento e do outro o desejo de transformar áreas públicas em espaços amáveis e acolhedores. Então, o espaço público vai se convertendo no lugar onde se manifestam esses vetores, de um lado o medo e o isolamento e, do outro lado, o desejo da afetividade, do encontro. Mas esse encontro é uma novidade, é uma abertura ao desconhecido diante de uma sociedade em que os laços sociais estão sendo descontruídos e reinventados. Safatle em seu livro Circuito dos Afetos (2015) contribui para a reflexão sobre o sentimento do medo que é imperativo nas relações sociais atuais e como esse afeto é usado também como forma de controle e gestão política. Por outro lado, ele aponta como, dessa constante do medo, emerge a necessidade do encontro do outro. Abaixo trecho de uma entrevista do filósofo sobre a questão:. Acho que, na verdade, não é que os laços sociais estejam se dissolvendo. A questão é o tipo de afeto que constrói os laços sociais hoje. Quais são os afetos que realmente definem a natureza dos nossos laços sociais. Por exemplo, eu poderia afirmar que o medo é um afeto fundamental na construção de laços sociais. Seja do ponto de vista das relações introspectivas, seja do ponto de vista mais amplo das relações políticas. Ou seja, a ideia de que você entra em um vínculo social para poder dar conta ou para resolver um medo que lhe aparece como um elemento de base fundamental. Da mesma maneira, eu poderia dizer que a esperança pode aparecer como um afeto fundamental de construção de laços sociais, só que essas duas ideias são bastante clássicas. Eu quis explorar uma terceira ideia, a de que era possível afirmar que o desamparo constitui um laço social. Não porque.

(37) EXPERIÊNCIA REFLETIDA. as pessoas constituem laços procurando amparo. Essa seria a leitura inicial. É possível você utilizar uma saída mais freudiana para falar que as pessoas entram em relações sociais para firmar seus desamparos. Firmar seu desamparo quer dizer que você entra nas relações sabendo que não vai encontrar no outro aquilo que o ampara. Eu vou encontrar no outro aquilo que me despossui, que me desampara. Mas é um desamparo formador. De certa forma, significa uma capacidade que eu vou desenvolver de me abrir àquilo que eu não controlo no outro. (SAFATLE, 2015). A questão dos afetos comuns, isto é, os medos e desejos coletivos são importantes elementos observados e contemplados nas intervenções artísticas para se pensar qual cidade temos, quais estratégias de urbanização são traçadas, quais laços sociais e valores estéticos são compartilhados. Por fim, insere o direito à cidade como prática cotidiana, que, conforme afirma Harvey (2012) é um dos direitos humanos mais negligenciados na atualidade.. A questão de que tipo de cidade queremos não pode ser divorciada do tipo de laços sociais, relação com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos desejamos. O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade. Além disso, é um direito comum antes de individual já que esta transformação depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo de moldar o processo de urbanização. A liberdade de construir e reconstruir a cidade e a nós mesmos é, como procuro argumentar, um dos mais preciosos e negligenciados direitos humanos. (HARVEY, 2012, p.74). Assim, as análises das intervenções temporárias artísticas, que se apropriam de espaços públicos por meio de táticas colaborativas e informais, tanto revelam a predominância do discurso do “medo”, como também são disparadoras de relações lúdicas e relacionais – o anseio, dentro do imaginário urbano, de uma ressignificação territorial, em novas formas de convivência, de coletividade.. O público se revela como a instância para impulsionar projetos coletivos e daí que arte chamada pública atue hoje como emergência estética, a partir da qual como veremos adiante se planejam ações de promessas de um novo mundo, uma nova vida para indivíduos e sociedades, justamente por meio da estratégia de impactar publicamente. (SILVA, 2014, p.23). 1.1.1. O contexto de São Paulo: Todas as propostas refletem sobre a importância do destino aberto do projeto urbano, em que o espaço físico está pensado de forma a criar oportunidades, por meio de suportes indefinidos, para que as pessoas que deveriam ser a finalidade do todo e qualquer projeto, sejam as responsáveis pelo seu destino. O compromisso do arquiteto se junta ao da sociedade no intuito de promover a transformação do lugar. (FONTES, 2013, p.102). 37.

(38) 38. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. As cidades contemporâneas, principalmente as grandes metrópoles como a cidade de São Paulo, revelam diversos aspectos das construções urbanas e das relações estabelecidas entre os sujeitos com o espaço em sua dimensão material, bem como das próprias relações entre as pessoas neste espaço. Um dos aspectos gerados pelo capitalismo globalizado é a espetacularização urbana, colocando a cidade como espécie de “cenário”. E a ideia de cenário traz duas questões: o consenso como ferramenta para homogeneização da vida, e assim, o controle social e, do outro, a percepção anestesiada, apenas contemplativa, diante de uma cidade espetacularizada.. Assim, é possível pensar a experiência artística como possibilidade questionadora de consensos estabelecidos ou ainda como fomentadora de outras formas de dissenso, ou seja, na arte como uma forma de ação dissensual que possibilita a explicitação dos conflitos escondidos, do campo de força que está por trás da cidade logotipo-imagem-espetacular. (JACQUES, 2010). Como afirma Paola Berenstein Jacques (2014), ainda vivemos uma crise na noção de cidade quanto à ideia de pertencimento, diminuindo o espaço da experiência, da alteridade na cidade. Ainda segundo a pesquisadora, podemos pensar as cidades atuais como cidade parque-temático ou cidade da patrimonialização, agregando os processos de gentrificação e as construções dos grandes condomínios privados. Diante deste contexto, há uma diminuição da participação popular e da própria experiência física urbana enquanto prática cotidiana.. Em uma época em que a cidade, a esfera pública, é ocupada por agentes que calculam tecnicamente suas decisões e organizam tecnoburocraticamente o atendimento às demandas, segundo critérios de rentabilidade e eficiência, a subjetividade polêmica, ou simplesmente a subjetividade, recolhe-se ao âmbito privado. O mercado reorganiza o mundo público como palco do consumo e dramatização dos signos de status. As ruas tornam-se saturadas de carros, de pessoas apressadas para cumprir obrigações profissionais ou para desfrutar uma diversão programada, quase sempre conforme a renda econômica. (CANCLINI, 1997, p. 02). No contexto da cidade de São Paulo, observam-se ainda as heranças do urbanismo moderno com a mobilidade pensada para os automóveis e a segregação urbana/territorial que estabelece a dualidade centro e periferia, reforçando as desigualdades por meio da concentração de recursos culturais, econômicos e de transporte nas regiões centrais em detrimento das regiões periféricas, que, por sua vez, funcionam como “depósitos” de mão de obra para o trabalho no centro. A esta situação soma-se o crescimento do capital imobiliário, que expande suas fronteiras “revitalizando” áreas já ocupadas, afastando territorialmente os antigos moradores, e o advento do artefato urbano dos grandes condomínios privados, que garantem conforto e segurança para seus moradores, copiando modelos internacionais. Assim, observa-se a construção de grandes.

(39) EXPERIÊNCIA REFLETIDA. complexos habitacionais enclausurados6, além dos shoppings centers como promessas de um espaço de socialização “segura”.. Se a mobilidade é um atributo do modo de vida urbano, o seu correlato é o fechamento. De facto, existe uma tendência para a segregação residencial como estratégia de fuga à conglomeração multicultural, pois a cidade é um território polifônico que acolhe a complexidade, o hibridismo, a diversidade. Não é por acaso que há cada vez mais condomínios privados cujos muros induzem à incomunicabilidade. Os vidros duplos e outros sistemas de insonorização criam cidades silenciadas dentro da cidade. A vida pública condicionada. (PAIS, 2010, p. 54, grifo do autor). Ainda notam-se espaços públicos sendo diluídos em um planejamento urbano que prima pelo privado em detrimento do coletivo, onde há, claramente, um direcionamento para projetos urbanos que privilegiam uma classe de maior poder aquisitivo e cria recursos para afastar/segregar outros grupos sociais.. A cidade de São Paulo cresceu 1900% entre 1930 a 2000, ou seja, passou de 888 mil habitantes em 1930, para 10.406.166 habitantes em 2000. Deixou de ser, em pouco mais de 130 anos, uma cidade colonial, pobre e encarapitada com 19.347 habitantes (no ano de 1.872) na colina histórica entre os Rios Anhangabaú e Tamanduateí, para uma região metropolitana que com outros 38 municípios totalizaram, em 2010, 19.672.582 habitantes. Um crescimento acompanhado, segundo o professor Flávio Villaça, (2011, p.37), pela produção de uma cidade segregada social e economicamente, que concentrou preponderantemente, em todo seu quadrante sudoeste, a classe de alta renda (Mapa 1 - Fonte: Villaça, 2011. p.43). Como afirma o citado professor (2011, p.51) é neste quadrante da cidade que se concentram os “locais de emprego dos mais ricos, seu comércio, suas escolas elementares e secundárias, seus hospitais, seus parques, as áreas de diversão (Vila Madalena e Moema), seus médicos, suas academias de ginástica, até suas igrejas e seus cemitérios”. (ABRAHÃO, 2011, p.78).. Apesar do rolo compressor homogeneizador da cidade-espetáculo, existem multiplicidades no espaço urbano e intervalos de resistência com diversos coletivos e movimentos, revertendo de forma local e temporária este processo e reafirmando a relevância da participação na construção da cidade, das experiências afetivas e de alteridade no espaço comum. Muitos destes ativadores possuem certa invisibilidade porque estão inseridos no espaço do cotidiano, do ordinário. Aqui, é possível fazer uma. 6 Nas duas últimas décadas observou-se na região metropolitana de São Paulo o crescimento vertiginoso do número de condomínios horizontais fechados, um tipo de moradia produzida em um nicho do mercado imobiliário residencial que atende a consumidores de um universo oriundo das camadas de média e alta renda. Promovendo transformações na paisagem existente, principalmente a segmentação da malha urbana convencional através do cercamento por muros, e a constituição de áreas verdes e de lazer exclusivos, estes empreendimentos constituem um heterogêneo conjunto de produtos imobiliários rotulados imprecisamente como “Condomínios Fechados”, que envolvem desde pequenos nichos urbanos a enormes bairros nas partes suburbanas da metrópole. (LEMOS; MACEDO, 2007, p.02). 39.

(40) 40. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. aproximação com as investigações de Michel de Certeau sobre a história do cotidiano e como as práticas invisíveis, ou de uma “não-história”, como ele mesmo menciona. Que são capazes de mostrar campos de subjetivação, de resistência ao modelo vigente, encontrando assim espaços de jogo, intervalos de liberdade. Ele aponta como, na trama da vida cotidiana, localizamos as ações inventivas.. Nossas categorias de saber ainda são muito rústicas e nossos modelos de análise por demais elaborados para permitir-nos imaginar a incrível abundância inventiva das práticas cotidianas. É lastimável constata-lo: quanto nos falta ainda compreender dos inúmeros artifícios dos “obscuros heróis” do efêmero, andarilhos da cidade, moradores dos bairros, leitores e sonhadores, pessoas obscuras das cozinhas. Como tudo isto é admirável. (CERTEAU, 1996, p. 342). Ativar e compreender a experiência participativa do cidadão frente à cidade constitui uma forma de oposição à contemplação da cidade-espetáculo, uma forma de resistir à cultura da sociedade do espetáculo, conforme a análise de Guy Debord (2003), partindo para construção de uma sociedade mais lúdica e experimental. Essas ativações são múltiplas, vindas de diferentes áreas, mas todas partem do princípio da dimensão relacional entre os sujeitos e o espaço da cidade, inserindo o corpo na dimensão relacional entre pessoas e paisagem. Olhando para as táticas, apontadas por Certeau, podem-se analisar intervenções temporárias artísticas que trabalham com questões da cidade, potencializando a capacidade de atuação e observação crítica/sensível nas construções e redefinições do espaço. Isso porque esses trabalhos artísticos de intervenções urbanas inserem o corpo material físico como elemento fundamental da experiência, propondo errâncias urbanas, mostrando caminhos alternativos à espetacularização e passividade da sociedade do consumo. As intervenções artísticas efêmeras simultaneamente são ferramentas de denúncia e enunciam possibilidades. Assim, segundo Francesco Careri, é preciso que o arquiteto-urbanista, como também os artistas, tenham a experiência de estar na rua, de caminhar pelas ruas, de conversar com as pessoas, utilizando seu corpo físico no ato do pensar e planejar a cidade. Por fim, é necessário colocar em crise as certezas, explorando possibilidades, e, como diz Careri, “recordar que o espaço é uma fantástica invenção com a qual se pode brincar como as crianças” (2013, p. 171).. 1.2. Errâncias Urbanas: um caminho pelas flanâncias, deambulações e derivas. A história das humanidades é a história do caminhar. Assim, segundo Francesco Careri em Walkscapes (2013), o ato de atravessar o espaço nasce da necessidade natural de mover-se para procurar alimentos e informações. Mas, uma vez sanada as exigências primárias, o caminhar transformou-se numa forma simbólica que tem permitido o homem habitar o mundo. Modificando os significados dos espaços atravessados, o percurso foi a primeira ação estética que penetrou o território do caos, construindo aí uma nova ordem sobre a qual se tem desenvolvido a arquitetura dos objetos situados..

(41) EXPERIÊNCIA REFLETIDA. Foi a partir do ato de caminhar que o homem travou as mais importantes relações com o território, observando paisagens e construindo novas. Careri defende que andar pelas cidades é uma das maneiras mais poderosas de ativar experiências físicas com o espaço construído, novas formas de percepção e, assim com Paola Bereinstein Jacques (2014), QUE aponta como as ações de derivas, as deambulações, as práticas do nomadismo e as errâncias urbanas são poderosas ferramentas para investigar as cidades e seus modelos de arquitetura/urbanismo, redefinindo territórios, questionando o urbanismo hegemônico e servindo de instrumento para experiências de alteridade. Em Elogio aos errantes (2014), Jacques mostra como a experiência errática, pensada como ferramenta, é um exercício de afastamento voluntário do lugar mais familiar e cotidiano em busca de uma condição de estranhamento, em busca de uma alteridade radical. Desta maneira, tanto Careri como Jacques revelam pontos críticos dos processos de urbanização das grandes metrópoles. Por fim, e não menos importante, há o discurso do medo, o perigo de estar na rua, o abandono do espaço público visto como terra de ninguém, a crescente violência e a visão do outro (estranho que caminha pelas ruas) sempre como um inimigo em potencial.. Na América do Sul, caminhar significa enfrentar muitos medos: medo da cidade, medo do espaço público, medo de infringir as regras, medo de apropriar-se do espaço, medo de ultrapassar barreiras muitas vezes inexistentes e medo dos outros cidadãos quase sempre percebidos como inimigos potenciais. Simplesmente, o caminhar dá medo e, por isso, não se caminha mais; quem caminha é um sem-teto, um mendigo, um marginal. (...) Percebi que, nas faculdades de arquitetura, os estudantes – ou seja, a futura classe dirigente – sabem de tudo de teoria urbana e de filósofos franceses, acham-se especialistas em cidade e espaço público, mas na verdade, nunca tiveram a experiência de jogar bola na rua, de encontrar-se com os amigos na praça (...) Que tipo de cidade poderão produzir essas pessoas que têm medo de caminhar? (CARERI, 2013, p. 170). A cidade de São Paulo abre a possibilidade de pensar as configurações do urbanismo hegemônico, apesar das peculiaridades de cada território. Compreendendo o contexto, pode-se definir três relevantes práticas, em tempos distintos, que se apoiam nas errâncias pela cidade, criando espaços de aproximação, afetividade e intervenção nas cidades. As três práticas de errâncias são as flanâncias, as deambulações e as derivas. Todas partem da ideia do nomadismo, como aponta Careri (2013) e Berenstein (2014) ao recuperarem conceitos trazidos por Deleuze e Guattari (1996) quanto à nomadologia, isto é, o relato das práticas nômades, organização da história do nomadismo que é simultânea à história das cidades. Deleuze e Guattari (1996) resgatam o entendimento clássico sobre a relação do homem com o território em dois grandes grupos: os nômades e os sedentários. Os sedentários produziram a permanência no espaço, a modificação do território (arquitetura), as fronteiras entre uma terra e outra. Assim, nascendo o conceito de polos, de cidade. Já os nômades são os habitantes dos espaços vazios, dos desertos, sendo experimentadores aventureiros.. 41.

(42) 42. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. Segundo os autores, o traço nômade, por sua vez, segue pistas ou itinerários rituais, mas não tem a função do percurso sedentário que consiste em distribuir aos homens um espaço fechado, atribuindo a cada um a própria parte, e a partir daí regulando a comunicação entre as partes. O traçado nômade faz exatamente o contrário, distribui homens e animais num espaço, aberto, indefinido. Outro conceito importante trazido por Deleuze e Guattari é a imagem da cidade urbana (sedentária) como um espaço estriado, fazendo alusão à ideia das fronteiras, limites, divisões dos mapas, enquanto o espaço dos nômades é o espaço liso (deserto, estepe, mar). Apesar de parecerem antagônicas as imagens de espaço estriado (sedentário) e espaço liso (nômade), a proposta é compreendê-los como processos coexistentes, revelando os errantes urbanos que cavam espaços lisos nos espaços estriados das cidades, apontando os espaços lisos residuais, criando errâncias dentro da própria metrópole. Os errantes, assumindo a lógica nômade (bandos, margens, movimento), caminham pelo labirinto das próprias cidades. Entre os errantes urbanos encontramos vários artistas, escritores, arquitetos, pensadores que praticaram e praticam errâncias urbanas voluntárias. Partindo destes pontos centrais, temos as três práticas errantes como importantes referências de uma errantologia. No primeiro momento, as flanâncias do final do século XIX, acompanhando o processo de modernização das cidades da Europa, principalmente Paris. O termo é originário da figura do flâneur de Baudelaire – esse errante era o que observava as grandes cidades se modernizando, aumentando a velocidade das produções, do tempo dos sujeitos na cidade. Porém, o flâneur reage ao fascínio da modernização. Ele traz a questão do ócio e da lentidão em contraponto à velocidade e ao trabalho exacerbado. É um protesto contra a divisão do trabalho que transforma as pessoas em especialistas, que retira o tempo da convivência e substitui pelo tempo das máquinas. Walter Benjamin (1991) tratou da figura do flâneur como aquele que busca e encara o “estado de choque” vindo das transformações de uma idade antiga e a emergência da metrópole moderna. O flâneur é como uma tartaruga que caminha lentamente pela multidão, ele vai ao seu encontro e se deixa levar pelos passos lentos, pelo anonimato, mas sempre observando com criticidade a arquitetura, o ritmo acelerado, o tempo do outro e as relações dos homens entre si nessa nova configuração de cidade.. Fugindo de uma normatividade marcada pela polarização do homem e do cidadão, resistindo à divisão esquizofrenizante do espaço moderno, Baudelaire veste a máscara do flâneur: ele é ator e espectador ao mesmo tempo, como a prostituta, “que em hipostática união é vendedora e mercadoria” (Benjamin, 1991, p.40). O flâneur não existe sem a multidão, mas não se confunde com ela. Perfeitamente à vontade no espaço público, o flâneur caminha no meio da multidão “como se fosse uma personalidade” (ibidem, p.81), desafiando a divisão do trabalho, negando a operosidade e a eficiência do especialista. Submetido ao ritmo de seu próprio devaneio, ele sobrepõe o ócio ao “lazer” e resiste ao tempo matematizado da indústria. A versatilidade e mobilidade do flâneur no interior da cidade dão a ele um sentimento de poder e a ilusão de estar isento de condicionamentos históricos e sociais. (D’ANGELO, 2006, p. 242).

(43) EXPERIÊNCIA REFLETIDA. Como segunda prática errática temos as deambulações, que surgem com os movimentos artísticos de vanguarda. Estas experiências erráticas eram realizadas pelos artistas do Dadaísmo e Surrealismo em excursões coletivas pelas ruas das cidades, sem um mapa prévio, caminhando de forma espontânea, explorando locais desconhecidos, criando rupturas na postura/comportamento automatizado quando se está nas ruas. Os artistas, sobretudo, questionavam o presente e buscavam outras visões para Arte, defendendo a ideia de que a Arte deve estar no espaço da vida, deixar de ser institucionalizada, aproximando as práticas artísticas do espaço ordinário. Dessa forma, as deambulações eram andanças voluntárias e provocativas, de caráter fugaz, que imprimiam estranhamente as automatizações e sistemas do pensamento moderno. Segundo Jacques (2014), os surrealistas inverteram a etnografia mais clássica, fazendo uma etnologia às avessas, ou seja, buscando o estranho no banal cotidiano da cidade moderna em transformação, tornando estranho e incompreensível o que é familiar no seu próprio cotidiano urbano. Nesse momento, no Brasil, artistas também realizavam errâncias urbanas diante das ambiguidades da modernidade brasileira: de um lado um internacionalismo modernizador e de outro um nacionalismo, ou nativismo. A arquitetura e o urbanismo revelavam as ambiguidades do projeto moderno em algumas cidades do Brasil. Pode-se argumentar que o urbanismo, assim como fábricas, redes de transportes e arranha-céus, assumiu uma natureza marcadamente simbólica. O projeto do urbanismo no Brasil procurou criar espaços para uma sociedade moderna que ainda não existia, terminando por reduzir-se às imagens fragmentadas de modernidade. Esse foi um período complexo no qual muitos temas se entrecruzavam: engenheiros e arquitetos disputando o mercado, um novo campo disciplinar (urbanismo) emergindo entre essas duas profissões e uma discussão mais complexa sobre a identidade da sociedade brasileira tomando corpo. Diante desse contexto, um dos importantes representantes das errâncias urbanas é o artista Flávio de Carvalho. Com suas ações nas ruas, ele questionava os padrões, as automatizações, os costumes, provocando as multidões e relatando em seus livros as experiências erráticas, revelando os aspectos relacionais entre o homem, a cidade e as normas sociais.. Em 1956, o artista Flávio de Carvalho foi às ruas do centro de São Paulo/SP com um traje concebido para o homem dos trópicos – o Traje de Verão ou New Look. A vestimenta era resultado de uma longa reflexão sobre a moda que o artista vinha desenvolvendo em seus artigos publicados no jornal Diário de São Paulo. Sua caminhada pelas ruas do centro foi seguida por uma multidão de pessoas, formada majoritariamente por homens vestindo terno e gravata sob o sol da tarde, escandalizada, principalmente, pelo fato de Flávio de Carvalho ter incorporado uma saia a uma vestimenta masculina. Traje de Verão exemplifica como as ações efêmeras em espaços públicos são capazes de provocar fissuras nas normas comportamentais e instaura momentos de reflexão sobre as próprias dinâmicas sociais adotadas no cotidiano. (KATO, CRUZ, VIANNA, 2015, p.90). 43.

(44) 44. PRÁTICAS DO DISSENSO: Intervenções artísticas nos espaços públicos. Figura 1: New Look ou Traje de Verão. Flávio de Carvalho, São Paulo, 1956. Fonte: http://salailustrada.com.br/BlogFO/Details/17. Posterior ao estranhamento e fugacidade das deambulações das vanguardas artísticas, a Internacional Situacionista, liderada por Guy Debord e com diversos pensadores, arquitetos, escritores e artistas nas décadas de 60/70, reinventa as deambulações, nomeando a ação como derivas, valorizando a experiência de andar na cidade como instrumento de combate à sociedade do espetáculo, colocada por Debord. Assim, os situacionistas lutavam contra a cultura espetacular, a cidade-espetáculo, a passividade da sociedade. A melhor arma seria então a participação, a efetiva participação que interrompe a contemplação anestésica. Por esse motivo o meio urbano foi tão estudado, pois ele é o terreno das ações, das novas formas de produção. Então, as derivas são propostas de não-espetacularização, criando situações de jogo que, como tal, pede a relação, a participação. As derivas são experiências sensíveis/corporais/lúdicas, aproximando totalmente a arte do campo da vida, propondo uma arte coletiva, mais aberta, em que o público (jogador) possa, também, criar a sua “obra”. Um dos artistas brasileiros que comungou dos ideais situacionistas, criando derivas, foi Hélio Oiticica, ao explorar o potencial lúdico de ações como Parangolé, escrever sobre seus deliriuns ambulatoriuns e poetizar a vida urbana. As três experiências erráticas, conforme aponta Jacques (2014), compartilham dos interesses em vivenciar a cidade, atuando com criticidade na construção da sociedade. As flanâncias trazem a questão do homem lento, do ócio em oposição ao tempo acelerado das linhas de produção; as deambulações encaram as multidões, provocam desordens dentro da fugacidade, incitam estranhamentos. Já as.

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