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4. RESULTADOS

4.5. Contextos ritual e social

Este eixo temático, assim como o anterior, é formado por apenas um tema: Influência

do contexto ritual e social. De forma semelhante ao tema anterior, tendo em vista que os

enfoques norteados pelos objetivos da pesquisa privilegiaram outros temas, acreditamos que os assuntos presentes neste eixo temático podem ser alvos de investigações mais aprofundadas em estudos futuros.

4.5.1. Tema: Influência do contexto ritual e social

O tema que constitui o eixo temático foi criado a partir de relatos referentes à influência do ritual, com seus elementos e dinâmicas, sobre a experiência subjetiva dos efeitos

da ayahuasca, e a influência do contexto social, que concerne à importância do apoio social que a comunidade ayahuasqueira proporcionou à situação de adoecimento. Assim, este tema foi subdividido nos subtemas: a) ritual como norteador; e b) senso de comunidade e apoio

social.

a) Ritual como norteador

Neste subtema, destacamos, primeiramente, que foi recorrente entre os participantes exposições descrevendo que os elementos presentes no ritual – tais como elementos ambientais (por exemplo, “em volta do fogo”), musicais (“cantos”, “hinos”), devocionais (“rezas”), a forma como esses elementos rituais são manipulados/aplicados, e a própria presença das pessoas no local – influenciam a dinâmica do ritual e, consequentemente, a dinâmica psíquica da experiência subjetiva.

A ritualística é muito importante. A força que você vai chamar... o espírito que você vai chamar. Onde você está consagrando essa medicina. Com quais pessoas você está consagrando essa medicina. (...) A ritualística é essencial. Eu acho que se não tiver a ritualística.... sei lá, eu acho que ela [a ayahuasca] pode até fazer um efeito, mas eu não sei se o espírito viria conversar se você não abrir o trabalho, não chamar o espírito, não fizer a reza certa... Pra cada coisa tem um canto, os índios. Tem um canto que é pra estimular a limpeza... tem um canto que, se você está limpando muito, pra amenizar... tem um canto que é, por exemplo, que chama a força do urubu, de limpeza... tem um canto que chama força da arara, que é uma força pra elevar, pra trazer alegria... (Rosa, 32)

Como eu te falei, os hinos, eles vão te dando um... uma direção. É como plaquinha no caminho, entendeu? “Vira aqui. Pode seguir. Cuidado, curva”. É meio assim. O ritual é muito bom. (Maria, 61) Eu acho que [o ritual] é importante sim, eu acho que há uma egrégora... muitas pessoas, com pensamentos positivos... (...) esse coletivo de pessoas, pensando coisas boas, pensando em se melhorar como ser humano... Eu acho que esse ambiente, ele é bacana, né.

(Thiago, 39)

Foi destacado também a importância e a influência da forma como o ritual está sendo conduzido pela pessoa responsável por conduzi-lo.

Porque eu acho que, na verdade, o aspecto é mais de você ter uma condução. (...) eu acho que depende também de quem está conduzindo, de como ele está vendo. (...) você vê uma pessoa, às vezes, entrar num processo de desespero, ali... uma coisa qualquer, e

o mestre fazer uma chamada e... acaba aquilo. Aquilo se extingue com uma chamada. Então... condução: “Eu tenho o que está acontecendo aqui sob controle”. Que é uma coisa que talvez se você tivesse num contexto que não é um contexto controlado, você não teria isso.

(Davi, 60)

(...) eu acho que [o ritual] é metade do trabalho, sabe, é a ancora... ancorar a energia das pessoas, de quem está conduzindo, firmar mesmo a questão energética do local. (Vera, 42)

E o modo como cada pessoa vai se identificar mais ou menos com um contexto específico.

(...) xamânico... já era um trabalho que eu me identificava mais, então eu gostei muito. Com as canções... em volta do fogo. Eu tinha liberdade, se eu quisesse me retirar e ficar só no meu processo... Eu me senti mais à vontade também. Isso ajudou muito. (Rosa, 32) Eu já participei de alguns rituais, uns diferentes dos outros, aonde a gente chega, senta, recebe o copo, toma, e começou a vivência. E tudo bem, foi legal, já participei de rituais assim... mas eu acho importante que as pessoas se harmonizem antes de começar uma vivência, de alinhar mesmo as intenções, sabe, não sei explicar pra você, mas eu sinto falta, quando eu participo de uma vivência sem um contexto ritualístico, né, porque é muito sério, é tudo muito sério, a ayahuasca é uma medicina muito séria... então eu acho importante iniciar, sim, um trabalho com um ritual, de chamar mesmo as energias de proteção. (Vera, 42)

b) Senso de comunidade e apoio social

Os participantes enfatizaram a importância da sensação de pertencimento a uma comunidade e os laços de amizade/afetivos que ali se formam.

Mas a gente olha para a hoasca, nesse aspecto, que quando você está ali, num estado de união, de um monte de irmão, ali... em que você está sempre convidado, o tempo todo, a permanecer em união. (...) E ali todo mundo trabalha junto, ninguém ganha nada pra fazer as coisas. Então, independentemente de qualquer coisa, é o que eu vejo de mais importante dentro da União do Vegetal, é isso. (Davi, 60) Lá todos nós nos tratamos como família, porque, de fato, a gente acaba virando uma grande família. Porque você começa a perceber... ainda mais porque você está consagrando com aquelas pessoas, está entrando na força com aquelas pessoas, você está vivenciando muita coisa com aquelas pessoas... você acaba tendo uma ligação muito forte. (Amanda, 28)

(...) ali, como eu te falei, eu encontrei uma família maravilhosa. Eu tenho pessoa em quem eu confio, com quem eu posso contar... que eu

tenho aquele carinho, aquele amor para... para o que precisar, sabe?

(Maria, 61)

Nesse sentido, o contexto social foi destacado pelos participantes como um importante núcleo de apoio durante o período de adoecimento, promovendo sentimentos de amparo e auxiliando o processo de aceitação e enfrentamento da doença.

Se você não aceita a experiência [do adoecimento] a que você está submetido, é a primeira coisa que já atrapalha você sair daquela.... sair dessa situação. Quando a gente chega já e não aceita aquilo, aí fica mais difícil. Então eu acho que dentro da União do Vegetal, a gente tem outras pessoas que estão ao seu redor ali que podem estar auxiliando nessa aceitação. É um momento meio assim de dificuldade, que a pessoa pode contar com o outro. (Davi, 60)

As pessoas me orientaram... tem um enfermeiro e tem um doutor aqui na irmandade, que fazem trabalho voluntário também. Eles já atenderam outra pessoa com câncer. Eles têm alguns estudos também, relacionados a isso. Então eles dão... davam apoio também. Eles também me orientaram... com isso da alimentação e tal. (Rosa, 32) E a gente tem uns trabalhos de cura lá, com doenças graves, né. Que são trabalhos que a gente faz especialmente com os pacientes e tudo (...) Tinham me falado: “Quando você ver que o negócio tá pegando, fala aí... a gente faz um [trabalho de] cura e tal”. (...) Então eu me senti muito amparada. (Maria, 61)

(...) eu acho que o fato dos meus acompanhantes do meu trabalho de tratamento serem pessoas que também estavam tomando medicina e também estavam na mesma frequência, isso ajudou muito o campo a minha volta. Só isso que eu acho uma coisa bem interessante também, dos cuidadores estarem nesse mesmo movimento, pra mim fez muita diferença. (Adriana, 48)