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4. RESULTADOS

4.2. Efeitos psicoterapêuticos

4.2.1. Tópico: Melhora na saúde mental

4.2.1.2. Tema: Ayahuasca como facilitadora

O núcleo de sentido que constitui este tema diz respeito às atribuições que os participantes dão à ayahuasca no tocante ao o seu modo de ação. Termos como [a ayahuasca] “facilita”, “viabiliza”, “potencializa” foram utilizados de forma recorrente para descrever essa ação. Desse modo, foi atribuído à ayahuasca o sentido de “facilitadora”, algo que facilita processos psicoemocionais e de aprendizado.

A ayahuasca, ela é um... facilitador muito grande, muito forte. Se eu dependesse de meditação, se eu dependesse só da força do meu pensamento para eu chegar nesse nível que eu estou aqui... ou no nível que eu cheguei em um dia de trabalho, eu ia demorar muito. Eu não sei se meu corpo aguentaria, eu chegar nesse padrão. Então a ayahuasca ela... puff, ela... faz você dar um salto. Ela te traz a realidade... do material e do espiritual... de uma forma muito clara, assim. A ayahuasca ela taca na sua cara. O negócio vem e você vê, você se liga, você percebe. (...) Eu vejo ela como um facilitador muito potente. (...) Aí fica mais fácil da gente enxergar, do que se eu tivesse que enxergar só por mim mesmo. Um... facilitador. (Rosa, 32)

Diferentes participantes relataram que o uso ritual da ayahuasca catalisou o processo terapêutico relacionado à doença.

Eu acredito que fazendo terapia, fazendo tudo, tomando remédio, tomando não sei o quê e tal, tudo isso atrelado à doença, talvez um dia, lá para os meus 50 anos eu teria a mesma bagagem que eu tenho hoje, com 28 anos. Então, eu atribuo realmente à ayahuasca muitos méritos nisso, porque... eu acho que ela ensina muita coisa para a gente. Talvez a gente até aprenderia sem ela, mas com muito custo e com muito tempo. Não acho que é uma coisa que eu aprenderia tão rápido. (Amanda, 28)

(...) eu tenho plena consciência mesmo do meu estado de... assim, o caminho que eu ainda preciso trilhar, sabe. Independentemente, com ayahuasca, ou sem ayahuasca, mas que bom que existe ayahuasca, que permite cortar atalhos [sic], porque eu poderia ter chegado nesse ponto que eu cheguei hoje com 80 anos, já tendo sofrido bastante, comendo o pão que o diabo amassou mesmo. (Emanuel, 39)

(...) então houve um resgate, uma busca, assim, aí já falando mesmo num processo terapêutico que a ayahuasca te dá, te proporciona, muito forte, que eu acho que nenhuma terapia eu conseguiria fazer o que eu tenho feito com a ayahuasca. (Emanuel, 39)

Outro ponto que chamou a atenção entre os relatos foi o fato de diferentes participantes mencionarem que, apesar da ayahuasca facilitar certos processos, a ação em si – seja aprofundar a reflexão sobre aquele determinado processo ou uma mudança de atitude

propriamente dita – depende da vontade de cada um. Ou seja, a mudança não aconteceria de forma espontânea pela ação da ayahuasca, mas por meio da ação do indivíduo a partir da experiência com ayahuasca, atribuindo-lhe, assim, um sentido de “instrumento”, como uma “chave” que “abre portas”. Porém, adentrar essas portas e explorar esses novos espaços, na vida cotidiana (após o ritual), dependeria de cada pessoa.

(...) por isso que eu estou atribuindo à ayahuasca. Na verdade, eu acho que ela foi uma forma de viabilizar isso para mim. (...) eu não digo assim que foi ela que fez sozinha, por conta própria e tudo mais. Tinha eu por trás, tinha os meus pensamentos por trás, tinha a concepção por trás, tinha várias outras coisas, e ela viabilizou para que isso acontecesse de uma forma (...) como se ela fosse um instrumento que faz você chegar lá, onde você quer, o que você precisa. (Diego, 24)

(...) na verdade, sou eu comigo mesmo, né? Acho que a ayahuasca só abre as portas, o resto, o processo todo é com você. (Emanuel, 39) Me deu uma impressão de que a instrução vem para nós quando a gente está na força da ayahuasca e cabe a você no dia seguinte implantar ela ou não. Precisa de uma força para agir em direção a essa luz que vem. (Adriana, 48)

Então eu acho que depende da abertura da pessoa. Eu acho que só chegar e tomar o chá, mas não acreditar, não vai funcionar, não. Não é uma mágica, não é um chá mágico. (Rosa, 32)

(...) ela mostra o caminho pra você e fala: “Olha, é esse o caminho que você precisa seguir”, e a gente tem o livre arbítrio. (Vera, 42) Os participantes relataram frequentemente aprender durante as experiências com ayahuasca. Expressões como “a ayahuasca me ensinou”, “ensinamentos que ela me trouxe” e “ela mostra” foram utilizadas para descrever a ação da ayahuasca, atribuindo à planta a faculdade de ensinar, mostrar, dar instruções, sendo considerada, deste modo, uma “planta professora”.

Eu acredito de verdade que ela é a planta professora e que ela ajudou muita coisa. (...) hoje eu sei muito bem – e isso eu tenho certeza absoluta que foi a ayahuasca que me ensinou – a respeitar os limites do meu corpo. (Amanda, 28)

(...) o processo da ayahuasca de... de me ensinar... ela que me ensinou a empatia, a ayahuasca que me ensinou o que é empatia. (Jorge, 36) (...) os portais que ela abriu, não se fecham mais. Os ensinamentos que o espírito da ayahuasca me trouxe... estão comigo para sempre, assim. Eu aprendi isso, eu abri essa porta e... eu posso até fechar,

mas eu sei o que tem ali dentro. Então... pra mim... a ayahuasca é uma professora, é uma mestra... Eu sou muito agradecida. (Rosa, 32) A ayahuasca meio que ensina... meio não, ensina isso: “Cara, viva com amor”. (...) entender que a verdadeira cura é o amor, sabe, é se amar, aprender a amar o outro, acho que esse é o maior aprendizado. (...) mas é um aprendizado que é difícil, né, no sentido de que... não adianta a gente querer amar alguém se a gente não se amar, então a ayahuasca ensina muito a ser amar, aprender a se amar, você se tratar com amor e com respeito, com cuidado e tal... então, nesse lugar a ayahuasca é poderosa, sabe. (Caio, 34)

Os “ensinamentos” recebidos podem ser percebidos como vindos a partir de uma “voz”. Essa voz, que não é escutada pelos ouvidos e sim percebida no espaço interno, foi interpretada, na maior parte das vezes, como a voz da própria ayahuasca, de modo que, durante a experiência ritual, sob os efeitos da bebida, poderia se configurar uma espécie de diálogo entre o sujeito e a planta, um fenômeno que já foi discutido em outros estudos (Doyle, 2012; Diament, Gomes e Tófoli, no prelo).

Na verdade, assim, veio como ensinamentos. Eu lembrava da doença porque em parte tinha sentimentos e ensinamentos de “você não vai fazer isso”, “você tem que tomar cuidado com isso”, “isso pode ser ruim para você”. E eu entendo de fato como a ayahuasca falando comigo. (Amanda, 28)

Dependia de cada transe, às vezes, era diretamente por uma entidade, às vezes, era uma voz. (Caio, 34)

E aí a voz que estava falando comigo nesse dia (...) (Bethânia, 28)

Outro participante, Davi, oferece um outro tipo de interpretação:

Olha, de certa forma... é você falando consigo mesmo. É como se fosse duas pessoas: uma parte sua falando uma coisa e a outra parte é a própria consciência, de uma certa forma, uma consciência tua. Mas, assim, é como se fosse uma voz mesmo. Uma voz mesmo, entendeu? (Davi, 60)

Se considerarmos que a experiência psicoterapêutica (autoterapia) vivenciada pelo sujeito seria mediada pela suposta faculdade facilitadora da ayahuasca, ou seja, que a ayahuasca poderia atuar como agente facilitador do processo psicoterapêutico, podemos propor uma relação entre o presente tema e o tema anterior, de modo que os efeitos sobre a saúde mental seriam mediados pela facilitação de processos psicoterapêuticos exercida pela ayahuasca.

A partir de agora, começaremos a explorar mais especificamente a influência do processo psicoterapêutico sobre compreensão da doença pelos participantes.