• Nenhum resultado encontrado

3. MÉTODOS

3.5. Tratamento e análise dos dados

A transcrição das entrevistas foi realizada por duas transcritoras, cada uma tendo transcrito cerca de metade do conjunto de entrevistas, ou seja, de forma não duplicada. As transcritoras possuem formação acadêmica em Letras e Ciências Sociais, e são familiarizadas com o uso ritual da ayahuasca. A íntegra do conteúdo transcrito foi comparada ao áudio original pelo pós-graduando, momento em que foi iniciada a análise dos dados.

Empregou-se o método de Análise Temática, conforme proposto por Braun e Clarke (2006). Este método consiste em identificar, analisar e descrever sistematicamente padrões de resposta e significados em um determinado conjunto de dados. Um ‘tema’ é formado pelo agrupamento de trechos codificados que carregam em si um núcleo de sentido, ou seja, possuem significados em comum. Dessa forma, um tema captura um aspecto importante em relação ao objetivo da pesquisa, de modo que o critério principal que define um tema é a relevância daquele aspecto dentro da pergunta norteadora do trabalho. Considera-se também a frequência de aparição no material, embora não seja o critério mais importante (Braun e Clarke, 2006; Bardin, 2016).

Alguns autores consideram a análise temática como uma ferramenta de pesquisa utilizada dentro de diferentes métodos e tradições analíticas (p. ex., grounded theory ou análise de discurso), ao invés de um método específico (Boyatzis 1998; Ryan e Bernard, 2000). No entanto, Braun e Clarke (2006) argumentam que, embora haja semelhanças, a análise temática propriamente dita se diferencia principalmente por não estar necessariamente ligada a um referencial teórico específico de uma dada tradição analítica. Ela se enquadra em

uma categoria de métodos que são essencialmente independentes e podem ser aplicados em uma variedade de abordagens teóricas e epistemológicas.

Adotamos uma abordagem na qual se assume uma relação simples e unidirecional entre significado, experiência e linguagem – ou seja, que a linguagem reflete e permite articular experiência e significado (Braun e Clarke, 2006). A escolha dessa abordagem se deu a partir do objetivo do estudo, que está centrado em experiências e significados individuais, buscando investigar como o próprio sujeito compreende a experiência vivida. Relaciona-se à abordagem êmica, na Antropologia, que explora a forma particular como os membros de um determinado contexto cultural compreendem os fenômenos de seu cotidiano, com base nos seus próprios referenciais culturais (Berry, 1989, 1999; Rosa e Orey, 2012).

Tendo em mente a abordagem adotada, optou-se por realizar uma análise temática com as seguintes características (Braun & Clarke, 2006; Patton, 2015):

a) exploratória, busca fornecer uma descrição temática do conjunto de dados como um todo, oferecendo uma perspectiva ampla do fenômeno estudado, ao invés de focar-se de forma mais aprofundada em um ou mais temas específicos; trata-se de uma abordagem especialmente útil para temas de pesquisa até então pouco explorados, de modo que as visões dos participantes sobre o fenômeno em questão são pouco conhecidas;

b) semântica, temas identificados a partir dos significados explícitos ou superficiais dos dados, sem que o pesquisador busque sentidos além daquilo que foi dito pelos participantes; envolve uma progressão a partir da descrição (sumarizar e organizar os dados evidenciando padrões no conteúdo semântico) até a interpretação (tentativa de teorizar a relevância dos padrões encontrados e suas implicações mais amplas, frequentemente considerando a literatura anterior)32;

c) temas gerados de forma indutiva, os temas emergiram dos dados, através das interações entre o pesquisador e os dados, sem que um referencial teórico específico tenha sido seguido como forma de nortear a análise33;

d) modelos teóricos gerados de forma dedutiva, uma vez tendo identificado os temas por meio de análise indutiva, os modelos teóricos hipotéticos propostos pelo pesquisador foram gerados em um processo dedutivo34.

32 Em contrate à análise semântica, uma análise latente “vai além do conteúdo semântico dos dados e começa a

identificar ou examinar as ideias, pressupostos e conceituações (e ideologias) subjacentes, que são teorizadas como formadoras ou informadoras do conteúdo semântico dos dados.” (Braun e Clarke, 2006).

33 No entanto, é importante ter em mente que o pesquisador não pode estar totalmente livre de seus arcabouços

teóricos e epistemológicos, de forma que sempre há algum grau de influência do pesquisador durante os processos de identificar os temas, selecionar os temas de maior interesse e reportá-los ao leitor (Braun e Clarke, 2006).

34 De acordo com Strauss e Corbin (1998), o processo de gerar hipóteses a partir dos dados, uma vez que envolve

interpretação, é considerado um processo dedutivo. Segundo estes mesmos autores, o método grounded

A análise foi conduzida por etapas, com base na proposta de Braun e Clarke (2006): 1) Familiarizando-se com os dados: revisão da transcrição (leitura do conteúdo transcrito

acompanhada da audição do áudio gravado), marcação de trechos especialmente relevantes, anotação de ideias iniciais e códigos35 preliminares;

2) Codificando o conjunto de dados: revisão/refinamento dos códigos preliminares, releitura do banco de dados codificando de forma sistemática os trechos destacados, e agrupamento dos códigos em temas potenciais;

3) Construindo o sistema de saturação teórica: à medida que as entrevistas foram sendo codificadas, o surgimento de novos códigos e temas potenciais foi sendo monitorado com o objetivo de constatar-se a saturação teórica (Fontanella et al., 2011);

4) Construindo o mapa temático preliminar: seleção dos códigos relevantes ao objetivo do estudo, aglutinação de códigos correspondentes, refinamento dos temas potenciais formando temas preliminares, e construção do mapa temático preliminar (não apresentado);

5) Revisando os temas: os trechos correspondentes a cada código foram agrupados a fim de possibilitar uma análise comparativa entre os trechos dentro de cada código e entre os diferentes códigos, o que possibilitou a avaliação da homogeneidade interna e heterogeneidade externa36 de cada tema preliminar – como resultados, alguns temas foram mesclados e outros foram desmembrados em subtemas ou temas distintos;

6) Definindo e renomeando os temas: com o intuito de elaborar uma definição clara e concisa que capturasse a essência de cada tema, foi feita uma releitura dos trechos codificados dentro cada tema, buscando captar as informações chaves contidas em cada trecho e organizá-los de modo que pudessem transmitir de forma coerente o que cada tema representa dentro do propósito do estudo como um todo; na prática, esse processo funcionou como uma nova revisão dos temas; 7) Reconstruindo o mapa temático: com base na revisão dos temas, o mapa temático preliminar foi

revisto e reformulado, gerando o mapa temático final (Figura 3, pág. 59);

8) Redigindo os resultados: etapa final da análise, quando foram selecionados trechos especialmente ilustrativos a respeito da “história” que os dados transmitem, acompanhados de uma narrativa analítica que vai do nível descritivo ao interpretativo, relacionando os resultados à pergunta principal do estudo e discutindo-os à luz da literatura.

interação entre indução (derivar dos dados os conceitos, suas propriedades e dimensões) e dedução (hipotetizar acerca da relação entre os conceitos)” (citado por Patton, 2002, p. 453, tradução livre).

35 De acordo com Braun e Clarke (2006), os códigos identificam uma característica dos dados que parece

interessante para o analista e se referem ao “segmento ou elemento mais básico dos dados brutos que podem ser avaliados em relação ao fenômeno estudado” (Boyatzis, 1998). Os códigos diferem-se dos temas, os quais geralmente são mais amplos e envolvem uma análise interpretativa. A codificação dependerá da escolha de como os temas serão gerados, ou seja, de forma indutiva (emergindo dos dados) ou dedutiva (com base em um referencial teórico específico).

36 De acordo com Patton (2015), homogeneidade interna “diz respeito ao grau em que os dados de uma

determinada categoria (ou tema) se mantêm unidos ou ‘se encaixam’ de maneira significativa”; enquanto

homogeneidade externa “se refere a até que ponto as diferenças entre as categorias (temas) são fortes e