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4. RESULTADOS

4.4. Efeitos físicos

Este eixo temático, diferente dos anteriores, é formado por apenas um tema, Influência

sobre sintomas físicos. Embora não tenha sido o foco principal do trabalho, este tema emergiu

das entrevistas e se mostrou significativo. Contudo, considerando que os objetivos primários do estudo envolvem os efeitos de natureza psicológica, é possível que o aspecto sobre efeitos físicos tenha sido subinvestigado, de modo que poderia ser explorado mais profundamente. Apesar disso, os achados encontrados, apresentados abaixo, fornecem pistas que podem nortear investigações futuras.

4.4.1. Tema: Influência sobre sintomas físicos

O tema constituinte deste eixo temático abarca diferentes formas como os participantes perceberam influências do uso ritual da ayahuasca sobre sintomas físicos da doença, abrangendo principalmente efeitos colaterais da quimioterapia, impactos sobre a imunidade e efeitos sobre dores crônicas. Dessa maneira, subdividimos este tema em dois

subtemas: (a) tolerabilidade à quimioterapia, imunidade e psicossomática; e (b) dor crônica

e percepção.

a) Tolerabilidade à quimioterapia, imunidade e psicossomática

Participantes que tiveram câncer relataram uma boa tolerabilidade ao tratamento quimioterápico, ausência de efeitos colaterais ou reações adversas significativas, bem como uma estabilidade imunológica ao longo do tratamento – ao que atribuem influência da ayahuasca.

Os sintomas que eu senti foram mínimos, perto das outras pessoas que tomam a quimioterapia. (Rosa, 32)

Olha, eu não tive praticamente nenhum problema de muitos sintomas, assim. (...) a imunidade de quem está tomando quimio fica que nem um recém-nascido, sem imunidade. E minha imunidade não caiu nenhuma vez. Eu não tive febre nenhuma vez. Esses efeitos graves que dá, que são essas feridas na boca... não deu nada assim. Nem gripe, nem nada. (Davi, 60)

(...) todos os dias do meu tratamento eu tive que trabalhar, sabe... eu não adoeci, eu não tive um dia, assim, que eu fiquei de cama, convalescendo, né, aquele arquétipo da pessoa com câncer, frágil, magra, debilitada, eu não passei por isso... eu fiquei careca, emagreci

bastante, mas eu não adoeci, não tive isso, a ayahuasca me dava muita força, muita força mesmo, e eu sei que foi isso que me deixou de pé. (Vera, 42)

Alguns participantes atribuíram a ausência de efeitos colaterais a uma possível ação de “limpeza” da ayahuasca, que estaria otimizando o processo de eliminação de toxinas oriundas dos quimioterápicos. Interessante notar que esse processo de “limpeza” encontra correspondentes dentro dos efeitos psicoterapêuticos (kátharsis) promovidos pela ayahuasca, enfatizando assim uma natureza purgativa da bebida.

Uma coisa que eu me lembrei agora em relação ao aspecto físico... é porque a hoasca trabalha muito esse negócio da limpeza. Então, de certa forma, eu acho que... que sempre à luz da hoasca, nessa eliminação de... dos processos químicos, talvez tenha funcionado bem, porque eu nunca tive problema. Eu vejo que, por exemplo, muitos dos colegas que faziam o mesmo tratamento que eu lá, tinham uns problemas muito grandes de estômago, de... devido ao fato da química. E eu nunca tive isso. Então, talvez, de certa forma, eu sinto hoje essa limpeza com a hoasca. (Davi, 60)

(...) por mais que eu saiba que a quimioterapia é agressiva, e hoje eu sinto na pele isso, eu não tenho argumento nenhum para não fazer a quimioterapia. O que eu vou fazer é lutar para que ela me agrida menos possível. E foi através da ayahuasca que eu consegui que isso fosse minimizado. (Vera, 42)

Uma participante, Maria, associa a sua estabilidade imunológica à limpeza que a ayahuasca promoveria.

Agora... fisicamente eu posso te falar, com toda a certeza, porque como eu te disse, conforme a gente se encontrava, as pessoas às vezes tinham que adiar suas sessões de quimio porque estavam muito mal. E eu não precisei. Eu seguia o tratamento com aqueles índices [imunológicos]... Um pouquinho antes a gente tira o sangue, faz os exames para ver como estão as taxas. Se você estiver muito baixa, você não pode... você não vai aguentar. Eu não tive esse problema e eu atribuo ao Daime, porque na minha opinião foi essa... como eu te falei, eu acho que ele limpava... ele tirava esses restos. Eu tive pouquíssimos efeitos colaterais, comparado com o grupo de pessoas com quem eu me relacionei durante esse período. (Maria, 61)

Efeitos positivos sobre a imunidade também foram relatados por participantes com diagnóstico soropositivo para o HIV.

(...) eu fiquei um ano sem tomar a medicação [antiretroviral], porque a minha carga viral era baixa e a minha imunidade era alta. E o Daime mantinha a minha imunidade alta, porque na verdade a imunidade está ligada ao seu grau de felicidade, você está triste, você

baixa a energia e você adoece... então o Daime mantinha num grau de... elevado de vibração, seria isso, nesse sentido, entendeu? Só que aí, ele mantém a imunidade, mantém a carga viral, então quando a carga viral começou a crescer, aí eu entrei com a medicação. (Caio,

34)

(...) aos poucos eu fui realmente apresentando essa melhora da minha saúde psicológica, principalmente, e da minha saúde [física] também. Eu fui deixando de ter tanto... pegar tanta virose, sabe? Essas coisas assim de estar sempre resfriado... Porque eu acredito que isso era muito reflexo também do meu estado emocional, meu psicológico.

(Daniel, 28)

Nesse ponto, como pode ser observado nos relatos acima, apresenta-se uma questão sobre a possível natureza psicossomática dos benefícios físicos observados pelos participantes. A estabilidade imunológica foi relacionada à saúde mental preservada, que seria favorecida pelo uso ritual da ayahuasca. Abaixo, apresentamos relatos de outros dois participantes que tiveram outras enfermidades.

Porque a imunidade é muito importante dentro do tratamento da doença que eu estou [câncer]. Porque você está com aquelas drogas, cai a tua imunidade e quanto mais estressado você está, mais a tua imunidade cai. E como a hoasca tira o stress, atua sobre o stress, acalmando e tal, eu acho que também é um fator... importante. (Davi,

60)

(...) depois dessa experiência [com ayahuasca], a minha perna já ficou muito melhor. Alguns meses depois ela ficava só em lugares espaçados, já tinha pele, já estava mais estabilizado. (...) A próxima experiência, que foi muito forte pra mim, foi quando ela me explicou sobre o sentido das pernas sem a pele. (...) Foi nesse dia, quando eu entendi isso, (...) foi aí, passou, sumiu a psoríase... foi nesse encontro que ela nunca mais apareceu. Ela tem aparecido de uma maneira muito leve, mas nas pernas nunca mais apareceu. (Jorge, 36)

b) Dor crônica e percepção

Três participantes que apresentam dor crônica devido à doença – Amanda (esclerose múltipla), Bethânia (artrite reumatoide) e Emanuel (espondilose cervical degenerativa) – expuseram benefícios da ayahuasca na diminuição da dor. Essa diminuição foi observada durante os rituais, ou seja, durante os efeitos agudos da substância, mas também após os rituais.

Às vezes eu tenho, inclusive ultimamente eu tenho tido bastante, que é a dor na coluna... nas vértebras onde a esclerose... está atacando,

principalmente. Mas, assim, a dor que eu tenho hoje não é nem parecida com a dor que eu tinha antes. Tanto que, assim, eu costumo dizer que a dor, numa escala de zero a dez, era... dez. Depois da ayahuasca, quando ela está muito atacada... ela chega a seis. Geralmente o que eu falo é isso. (Amanda, 28)

(...) meu corpo também parecia que... eu tinha a impressão que a maneira certa de eu me expressar era como eu estava me expressando naquele dia, com ayahuasca. E era completamente diferente, eu me mexia de outra maneira. E aí eu tinha impressão de: “nossa, esse é o jeito certo” (risos), ou é o jeito mais natural. (...) E eu não sentia dores. Geralmente acontece isso. Quando eu bebo [ayahuasca]... parece que um peso vai embora, assim. Parece que tem umas coisas que eu não carrego no meu corpo. E aí... parece que eu caminho sem problemas. (Bethânia, 28)

Paradoxalmente, Amanda relata ainda que nas primeiras vezes que participou de rituais e ingeriu a bebida sentiu muita dor durante os efeitos, para o que ela atribui um sentido de “limpeza”.

Porque, assim, no primeiro ano a minha limpeza principal, que na verdade acho que era a única, foi dor. Eu senti uma dor... uma dor... na coluna. No mesmo lugar que eu sinto dor normalmente, eu senti uma dor dilacerante, mas, assim, uma dor de não conseguir me mexer durante o trabalho. De tanta dor que eu sentia. (Amanda, 28)65

Já Emanuel, atribui a diminuição da dor a um efeito da ayahuasca sobre a percepção da dor, como se a sensibilidade à dor fosse alterada, reduzindo a sensação de dor, durante os efeitos da ayahuasca ou durante outro estado de consciência não-ordinário induzido sem a utilização de psicoativos, como a meditação, por exemplo. Essa compreensão gera uma mudança na sua relação com a dor, no modo de lidar com a dor, e com as limitações geradas pela doença.

(...) percepção da dor hoje é isso: a dor ela existe aqui, no meu corpo físico, mas eu vejo... por exemplo, se eu estou lá [sob os efeitos da ayahuasca], quando eu estou com a minha consciência expandida eu não tenho dor, eu não tenho dor, sabe... quando eu medito, que eu faço uma meditação muito profunda também, independentemente de usar um enteógeno, eu não tenho dor, então a dor é só percepção, também. Então, pra mim, mesmo a dor é subjetiva.

65 A seguir, ela conta que durante um ano sentiu dores durante os rituais que participava, até que em um ritual

futuro, um retiro de dois dias, mais intenso, “que eu escutei que: ‘O seu sofrimento de dor, essa fase do seu

sofrimento de dor, vai acabar’”. Ela descreve que neste ritual teve uma intensidade elevada de dor, mas

continuava escutando que aquilo iria acabar. “E, de fato, foi o último trabalho de dor que eu tive. Nunca mais

eu tive trabalho de dor”. E daí em diante a dor no dia a dia reduziu também: “E, de fato, diminuiu. (...) eu falei da escala de zero a dez que eu tinha onze de dor... agora não passa de seis quando está muito forte. Mas foi um ano consagrando e gemendo de dor o trabalho inteiro”.

Então, eu acho que só pelo fato de chegar nesse ponto de compreensão que eu tenho chegado já é uma cura... inclusive, reflete no aspecto físico, eu vejo que eu sinto as mesmas dores, mas a minha percepção, como eu lido com essa dor... tem dia que eu acordo e de um lado está... vou trabalhar e não consigo mexer no mouse e tal... mas eu não reclamo mais, sabe, eu me alongo ali, eu dou um jeito, não quero mais ficar de licença, sabe.

(...) tomei muitos remédios, durante muitos anos eu tomei muitos comprimidos por dia, (...) de morfina e tudo (...) hoje o que tenho pra dizer é isso, que... não uso nenhum remédio, nenhum medicamento mais, não uso medicamentos para dor, não uso medicamentos para depressão, que nem eu já usei, remédios fortíssimos que eu já usei, que me davam um choque, literalmente, eu ficava com um choque.

(Emanuel, 39)

Por fim, Bethânia, também levanta a possibilidade de uma possível ação da ayahuasca sobre a percepção da dor.

Eu já me perguntei muito sobre isso... eu não sei se é só o sentir que é diferente, tipo assim, o problema ainda existe, mas... algo me engana, como se não existisse... entende? Como se o problema ainda existe, mas como eu não sinto, porque, sei lá, existe um grande analgésico (risos) que me faz eu me iludir de mim mesma, e eu não percebo, ou tem alguma coisa mesmo que vai embora, sabe? Se de fato tem alguma transformação aí, alguma chave, que se coloca, pelo menos por um tempo, algum relaxamento... Porque eu sinto um relaxamento mesmo, eu sinto como se eu deixasse de segurar coisas, sabe? Algo se relaxa... e aí, bom, e aí eu uso o meu corpo como ele é (risos).

(Bethânia, 28)