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3. MÉTODOS

3.1. Metodologia de pesquisa qualitativa

Segundo Minayo (2014: 57), “o método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam”. Nesse sentido, a pesquisa qualitativa no campo sociológico tem como uma de suas bases a concepção de que as experiências podem ser definidas em dois níveis: o nível da experiência “concreta”, aquela que pode ser expressa em números; e o nível da experiência “das camadas mais profundas”, relacionada ao mundo dos símbolos, significados, subjetividade e intencionalidade (Gurvitch, 1955). As abordagens qualitativas têm como objeto de estudo justamente esse nível mais profundo, que engloba motivações, aspirações, atitudes, crenças e valores expressos por meio da linguagem e do comportamento humano (Minayo e Sanches, 1993).

O reconhecimento da subjetividade e do simbólico como partes integrantes da realidade social constitui um ponto em comum entre as diversas correntes de pensamento humanistas nas quais funda-se a pesquisa qualitativa. Segundo Minayo (2014: 60), “todas [as abordagens qualitativas] trazem para o interior das análises o indissociável imbricamento entre subjetivo e objetivo, entre atores sociais e investigadores, entre fatos e significados, entre estruturas e representações”. Os métodos qualitativos são aqueles “capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais” (Minayo, 1999: 10).

A natureza dos métodos qualitativos possibilita estudar fenômenos ou processos sociais ainda pouco conhecidos, investigar grupos particulares (como pessoas afetadas por uma determinada doença) e histórias sociais sob a ótica dos atores, construir novas abordagens e conceitos, elaborar novas hipóteses e indicadores qualitativos, entre outras aplicações (Minayo, 2014). Por meio de métodos qualitativos é possível “acompanhar e aprofundar algum problema levantado por estudos quantitativos ou, por outro lado, abrir perspectivas e variáveis a serem posteriormente utilizadas em levantamentos estatísticos” (Minayo e Sanches, 1993). Conforme mencionado anteriormente, cabe ressaltar que estas características relacionadas à particularidade do fenômeno de interesse e a uma inclinação exploratória dentro de temáticas ainda pouco estudadas justificam o emprego do método qualitativo no presente trabalho.

No entanto, desenvolver métodos de pesquisa que propiciem investigações capazes de abranger a questão da subjetividade e trabalhar com um grau de sistematicidade apresenta

uma série de desafios. Nesse sentido, as abordagens qualitativas trabalham com a ideia de

objetivação, a qual se difere da ideia de objetividade característica das pesquisas

quantitativas. Segundo Minayo (2014: 62):

“(...) a objetivação, isto é, o processo de investigação que reconhece a complexidade do objeto das ciências sociais, teoriza, revê criticamente o conhecimento acumulado sobre o tema em pauta, estabelece conceitos e categorias, usa técnicas adequadas e realiza análises ao mesmo tempo específicas e contextualizadas. A objetivação leva a repudiar o discurso ingênuo ou malicioso da neutralidade, mas exige buscar formas de reduzir a incursão excessiva dos juízos de valor na pesquisa. Os métodos e técnicas de preparação do objeto de estudo, de coleta e de tratamento dos dados ajudam o pesquisador, de um lado, a ter uma visão crítica de seu trabalho e, de outro, agir com instrumentos que lhe indicam elaborações mais objetivadas.” O problema epistemológico da objetividade e da subjetividade levanta a discussão sobre os distanciamentos e as aproximações entre os métodos quantitativos e qualitativos24.

Os métodos quanti possibilitam investigar a nível populacional perguntas específicas e limitadas, o que facilita a comparação estatística dos dados e permite gerar resultados concisos, parcimoniosos e generalizáveis. Já os métodos quali possibilitam investigar questões em profundidade e gerar informações detalhadas a partir de um conjunto relativamente pequeno de indivíduos, o que propicia um maior entendimento sobre a questão sob estudo, mas reduz o poder de generalização (Patton, 2015).

Embora muitas vezes essa discussão seja abordada de modo a enfatizar uma oposição entre métodos quanti e quali, adotamos neste trabalho uma postura semelhante a Minayo (2014: 57), entendendo que “cada um dos dois tipos de método tem seu papel, seu lugar e sua adequação. No entanto, ambos podem conduzir a resultados importantes sobre a realidade social, não havendo sentido em atribuir prioridade de um sobre o outro. Propriedades numéricas e qualidades intrínsecas são atributos de todos os fenômenos (...)”. Ainda segundo essa mesma autora, dialogando com a área da saúde:

“Mais que pares de oposições, os métodos quantitativos e qualitativos traduzem, cada qual à sua maneira, as articulações entre o singular, o individual e o coletivo presentes nos processos de saúde-doença. A interação dialógica entre ambos os aportes (e não por justaposição ou subordinação de um desses campos) constitui avanço inegável para a compreensão dos problemas de saúde.” (Minayo, 2014: 75)

24 O Anexo 2apresenta um quadro teórico comparativo entre métodos quantitativos e qualitativos. Elaborado

pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Pesquisa Clínico-Qualitativa (FCM/UNICAMP), liderado pelo Prof. Dr. Egberto Ribeiro Turato, o quadro foi extraído de Weber (2018), com autorização do autor.

Contudo, cabe aqui a ressalva colocada pela autora no tocante às pesquisas qualitativas desenvolvidas no âmbito das Ciências da Saúde, a qual será tida em conta na realização do presente trabalho:

“Chamo atenção para dois tipos de questionamento que frequentemente têm sido feitos aos cientistas sociais pelos outros profissionais e pesquisadores sobre estudos qualitativos na área de saúde. De um lado, existe uma crítica contundente em relação à baixa potencialidade de aplicação prática dos conhecimentos gerados. Esse questionamento, geralmente, evidencia uma dificuldade de muitos profissionais da área social em ultrapassar o formato das análises de alto nível de abstração teórica, pouco propositivas, distantes de problemas imediatos e ausentes de uma perspectiva de ação que o campo da saúde demanda. Ora, a área da saúde, mesmo proporcionando um campo expressivo para o investimento em pesquisas básicas, clama por uma relação mais comprometida com as prioridades sociais.” (Minayo, 2014: 73)