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CONTEXTUALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA

Promoção do Direito Social à Saúde

CENTRADO NAS CIDADES PORTUGUESAS

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA

Nas últimas décadas emergiram um conjunto de fatores que têm contri- buído para um progresso na conquista dos direitos da cidadania e da inclusão social das pessoas com deficiência, nomeadamente, o avanço das ciências e da saúde, os movimentos de renovação e de inovação, como sejam a desinstitu- cionalização e a educação inclusiva, bem como os avanços sociais, no que se refere ao reconhecimento dos direitos e às novas oportunidades de participa- ção na sociedade.

Essa evolução foi criando condições para a emergência do conceito mais amplo de sociedade inclusiva, reconhecendo-se que não basta haver uma boa inclusão na escola, ou na família, sendo necessário que toda a sociedade se possa ajustar às necessidades das pessoas que a compõe. Numa conferência realizada em Lisboa, de 26 a 29 de Julho de 2015, sobre o tema “Equidade e Inclusão na Educação”, Mel Ainscow chamava a atenção para o facto de que a inclusão na escola ser muito importante, pela simples razão de que se tem de começar por algum lado no sentido de um maior respeito pelos direitos das pessoas com deficiência e no desenvolvimento de um processo, em que se alcance um lugar social de maior equidade nas sociedades contemporâneas para as pessoas com necessidades especiais. Neste quadro interessa, por todos os meios, procurar os caminhos para uma sociedade inclusiva, uma sociedade para todos, independentemente do sexo, da religião, da idade, da origem étnica, da orientação sexual, das capacidades ou incapacidades, uma sociedade que estimula a participação de todos, uma sociedade que acolhe, e valoriza a diversidade da experiência humana, uma sociedade que responde às necessida- des de realização do ser humano conforme o seu potencial. No entanto, é bom recordar que as estratégias para a construção de uma sociedade mais inclusiva serão semelhantes para os grupos considerados marginalizados e que qualquer política inclusiva, podendo ter um enfoque mais global ou mais específico, pode ter vantagens para o conjunto das pessoas excluídas.

Por via das mudanças históricas e sociais constata-se que se foi evoluindo, na análise desta problemática, de modelos que culpabilizavam os indivíduos pelos seus próprios problemas, dizendo-se que não seriam “normais”, logo não poderiam ter os mesmos acessos sociais, necessitando de condições espe- ciais, para modelos que consideram as variáveis do envolvimento humano, físico e social com determinantes no processo de sociabilidade. Foram décadas de luta pelos direitos sociais que estão hoje consagrados nas principais Car- tas Constitucionais e na legislação e que reconhecem que, independente das características específicas das pessoas, que não devem ser escamoteadas, é às sociedades que cabe promover as mudanças, os ajustamentos e as adaptações que permitam a igualdade de oportunidades e a participação de todos na vida coletiva aos mais diversos níveis.

Em 2003, a propósito da proclamação do ano Europeu das Pessoas com Deficiência, organiza-se, em Madrid, o Congresso Europeu sobre Deficiência, com a participação de 600 congressistas dos vários países da União Europeia, representantes ao nível nacional, regional e local. Na Declaração Final assumia- -se que havia uma visão antiga e uma visão nova desta problemática. A visão mais antiga associava a deficiência à caridade, à falta de autonomia das pes- soas, à sua dependência e à segregação. A nova visão implica olhar para as pessoas com deficiência como pessoas de plenos direitos, com necessidade de maior autonomia e maior cidadania, a promoção de ambientes acessíveis, a sua inserção na sociedade e o desenvolvimento de políticas, aos vários níveis da governação, que viabilizem esta nova visão.

Esta nova abordagem ficou bem patente aquando da aprovação, pela Assembleia das Nações Unidades, em 13 de Dezembro de 2006, da Con- venção Sobre Os Direitos Das Pessoas Com Deficiência. Este documento foi subscrito por 164 países que se comprometeram com a sua implementação. Vários aspetos deste documento ajudam a clarificar o problema do estudo, na medida em que definem metas e objetivos que devem estar subjacentes às políticas seguidas, às medidas adotadas e às ações que as concretizem. Logo, no artigo 3.º, são definidos um conjunto de Princípios Gerais, como sejam: o respeito pela dignidade inerente à autonomia individual, a não discriminação, a participação e inclusão plena e efetiva na sociedade, o respeito pela diferença, a igualdade de oportunidades e a acessibilidade. Os Estados obrigam-se, con- forme o artigo 4.º, a promover o pleno exercício de todos os direitos huma- nos e liberdades fundamentais, a revogar leis, normas, costumes e práticas que constituam discriminação, além de tomar todas as medidas e políticas

necessárias à aplicação da Convenção, envolvendo ativamente as pessoas com deficiência e as suas organizações representativas.

Rasteiro (2017) levantou essas questões. Será que se está a construir esse caminho? Quais são as formas possíveis de o concretizar, ao nível das cidades e das suas políticas? Sem se tratar de um estudo extensivo, procurar-se-á, com o trabalho ora presente, definir as categorias e as temáticas que, posteriormente, poderão ser observadas em trabalhos mais quantitativos.

Interessa, passada que foi uma década da aprovação da Convenção, e de avanços significativos, ao nível da educação inclusiva, nos últimos anos, com variados exemplos de boas práticas nas escolas, que se possa abrir caminho, ao nível de outros sistemas, como são as comunidades locais, no sentido de se entender que o exercício pleno dos direitos e dos deveres não podem ficar cir- cunscritos às famílias e às escolas, mas têm de ganhar dimensões mais globais, no sentido de uma sociedade inclusiva. Só deste modo, através do respeito pelos direitos humanos, da participação na sociedade e do acesso às diferentes oportu- nidades sociais, se poderá falar de igualdade de direitos e oportunidades.

Hunter (2000), define a exclusão social como sendo o resultado de um conjunto de múltiplas privações. Proença (2005) e Subirats (2006), acrescen- tam que essa situação afeta as pessoas a diferentes níveis, de várias formas e com intensidades diversas, que conduzem à sua marginalização face aos gru- pos sociais. Quando se trata de pessoas com necessidades especiais, que na Europa serão perto de 80 milhões de pessoas e que, segundo vários estudos (Foessa, 2008 e Consulting, Antares 2006), os problemas mais candentes que enfrentam são a pobreza, a precariedade social, as dificuldades de acesso à educação, à habitação, à saúde e aos bens comuns, o que faz deste grupo um dos que sofre de um alto nível de exclusão. Este é um quadro que define uma grande fragilidade social e um isolamento na sociedade, gerando um cenário de menores direitos, de menor igualdade de oportunidades e de marginaliza- ção pela diferença.

Os problemas que se colocam na atualidade não são, como em tempos anteriores, o de carecerem de uma ação terapêutica, reabilitativa, assistencial centrada nos indivíduos. 0 que está em causa, hoje, é uma abordagem mais global que olhe para as pessoas no seu todo e no seu contexto social, familiar e económico. Sassaki (2003), chama a atenção, quando refere que a inclusão social implica um caminho de respeito pelos direitos humanos, de solidarie- dade, de melhoria da qualidade de vida, de equidade e de igualdade de oportu- nidades. É sabido que no continente europeu cerca de 80 milhões de pessoas são discriminadas pelas suas necessidades especiais, pelas suas características

específicas, sendo que dois terços não têm acesso a uma oportunidade laboral, a taxa de desemprego é três vezes superior à população em geral, estão afasta- dos dos bens que a comunidade disponibiliza por questões económicas e de acessibilidade, o seu nível de participação social e de exercício da cidadania é muito restrito.

Para que se possa alterar este estado de coisas, Lorenzo (2005), faz apelo às referências e às potencialidades da inclusão social que poderão contribuir para um maior protagonismo das pessoas nas decisões sobre a sua própria vida, a necessidade de, por essa via, terem uma maior visibilidade social, as vantagens da coresponsabilização da sociedade e das suas instituições nesse processo, na possibilidade dos processos de inclusão poderem gerar, na mobilização de novos recursos públicos, privados e associativos, processos de mudança e nas condições que possam vir a criar-se para a acessibilidade global aos bens comu- nitários comuns e a uma vida com mais dignidade.

O interesse do presente estudo é cruzar a problemática da inclusão social das pessoas com deficiência com a vida nas cidades, tendo em conta que é no espaço da cidade, dos bairros, do espaço público, dos serviços disponíveis e das oportunidades que, atualmente, se oferecem mais condições para o desenvol- vimento humano. Muito se poderá fazer, ainda, para favorecer maiores níveis de inclusão, facilitando as trocas sociais, a socialização, as experiências cul- turais, laborais de lazer e de cidadania. Segundo Bohigas (2013), as cidades desempenham um conjunto de funções civilizacionais:

La ciudad es un artefacto artificial de ladrillos, cemento, pavimento, árboles, etc. construida para que la gente pueda vivir en ella, para dar facilidades a la convi- vência y a la creación, de interrelaciones entre la colectividad. Es un artefacto abso- lutamente artificial contra natura y a favor de unas actitudes civilizadoras (p. 21).

O nosso mundo é cada vez mais urbano. Prevê-se que, nas próximas três décadas, o número de pessoas a viver nas cidades duplique, aproximando-se dos cinco mil milhões de indivíduos, ou seja, cerca de 3/5 da população mun- dial. A qualidade de vida das pessoas, o desenvolvimento socioeconómico, o conhecimento e de aprendizagem, o exercício dos valores, o exercício da cidadania e da democracia jogam-se muito nas dinâmicas sociais das cidades. Cidades que, por natureza, são espaços da diferença, da complexidade, da contradição de interesses e do exercício de poderes. Desafios que se colocam à cidade como espaço coletivo de cidadania. Segundo Teixeira (2015), todos os

anos 65 milhões de pessoas juntam-se à população urbana mundial, o que sig- nifica uma quantidade de população que equivale a sete cidades do tamanho de Chicago, ou a cinco do tamanho de Londres. Refere, também, que 54% da população mundial vive em áreas urbanas e a média na Europa é de 70%. Assistimos, de facto, a que as pessoas procuram nas cidades a prosperidade, a melhoria de vida, as oportunidades de formação e de emprego, os recursos para o bem-estar na saúde, na assistência social, o lazer, a cultura e a educação. É neste plano que faz sentido falar de cidades inclusivas. O que é uma cidade inclusiva? Segundo Balbo (2003), uma cidade inclusiva é a que promove o crescimento com equidade. É um lugar onde todos, indepen- dentemente dos seus meios económicos, do género, raça, etnia ou religião, está habilitado e capacitado para participar plenamente nas oportunidades sociais, económicas e políticas que as cidades têm para oferecer.

Autores como Glaeser (2011) e Kobrin (1997) referem, mesmo, numa visão muito otimista, os seguintes conceitos: o primeiro autor, que as cidades para além de serem os espaços ideais para a circulação das ideias e para o exer- cício da liberdade, podem tornar as pessoas mais ricas, mais inteligentes, mais saudáveis, mais ecológicas e mais felizes; o segundo, numa perspetiva de uma nova organização social e política, refere que as cidades, pela autonomia face aos governos centrais, estão a fazer um caminho que as aproximará de um modelo de governo local forte em que se decidirá muito da globalização. No entanto, apesar dessas visões mais otimistas, outros autores contrapõem entendimen- tos, porventura, mais realistas e circunstanciais, como é o caso de Wacquant (2013), que fala, numa das suas publicações, “Nos Condenados da Cidade”, onde alude à cidade como o lugar dos conflitos éticos, da pobreza, do desem- prego em massa, dos problemas habitacionais, da violência, da marginalização e da guetização, problemas que, segundo o autor, se têm agravado na medida em que o Estado Social está em crise.

No relatório do programa HABITAT das Nações Unidas, intitulado “Estado das Cidades do Mundo 2010/2011”, publicado em 2012, definem-se um conjunto de ações que se devem implementar, no sentido de diminuir as desigualdades nas cidades, defendendo os autores que as autoridades muni- cipais devem desenvolver políticas de inclusão se querem reduzir as grandes desigualdades sociais, económicas, políticas e culturais, fazendo-se esta reco- mendação, sobretudo, para os países em vias de desenvolvimento.

Caracteriza as cidades inclusivas como sendo lugares em que se propor- cionam oportunidades de apoio e se possibilita o desenvolvimento pleno dos seus residentes, através do acesso aos transportes, à educação, à recreação, à

comunicação e ao emprego, no respeito pelas opções culturais e religiosas de cada grupo da comunidade.