• Nenhum resultado encontrado

MUDANÇAS TRAZIDAS PELA LEI 13.146 NO CÓDIGO CIVIL

Promoção do Direito Social à Saúde

MUDANÇAS TRAZIDAS PELA LEI 13.146 NO CÓDIGO CIVIL

A lei em comento reconstruiu o Código Civil de 2002, que antes previa, em seus arts. 3.º e 4.º, que os deficientes mentais e aqueles que não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil; e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, eram considerados absolutamente incapazes. E ainda, relativamente incapazes os deficientes men- tais, que tinham discernimento reduzido.

A grande mudança trazida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, é sem dúvida a capacidade civil, esta definida por BEVILAQUA (2007, p. 95), como "medida para a aquisição de direitos". O Estatuto separou a ideia de incapacidade civil com deficiência, ora podemos ter um deficiente plenamente capaz, e por outro lado, há pessoas sem deficiência que estão em situação de incapacidade, a título de exemplo, basta analisarmos uma pessoa internada na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

Hoje é claro que a capacidade, que garante a pessoa exercer os atos da vida civil, é um direito fundamental inerente a pessoa. E nessa mesma linha tem entendido ROSENVALD e col. (2017, p. 52):

Hoje podemos falar não só do direito fundamental à personalidade [...], como também podemos ir além: falar no direito fundamental à capacidade civil. Capa- cidade civil tem a ver com autodeterminação, escolha dos próprios rumos, decisões sobre aspectos existenciais e patrimoniais da própria vida. A capacidade civil sem- pre foi negada, em maior ou menor grau, àqueles que se comportavam de modo diferente do modelo padrão. Qualquer que fosse a terminologia adotada, os "loucos de todo gênero", na dicção famosa do Código Civil de 1916, não tinham lugar na sociedade, sua voz nunca era ouvida.

São relativamente incapazes os que por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. No entanto, temos como regra hoje que os deficientes são plenamente capazes de exercer os atos da vida civil. Como traz o art. 6.º da lei 13.146/2015, abaixo transcrito.

Art. 6.o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I – Casar-se e constituir união estável; II – Exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – Exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – Conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V – Exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI – Exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou

adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Podemos extrair do artigo alhures consubstanciado com o novo artigo 1.783-A do Código Civil, que foi inserido em virtude do Estatuto da Pessoa com Deficiência, e com o art. 84 da lei 13.146/2015, que atualmente a pessoa com deficiência, seja ela física, mental, intelectual ou sensorial, pode exercer os atos da vida civil, em regra sem estar assistido ou até mesmo representado.

A lei em comento, trouxe mudanças ao nosso Código Civil, garantindo para aqueles deficientes que possam expressar sua vontade, leia-se, tem capa- cidade, um novo instrumento jurídico, quer seja a tomada de decisão. Prevê assim, o Código Civil que o deficiente, escolherá duas pessoas de sua con- fiança para lhe dar suporte, apoio nas decisões sobre atos da vida civil, para que assim, possam exercer amplamente os seus atos. A medida tenta trazer a aquele vulnerável uma maior liberdade, realizando assim, pessoalmente seus projetos e ambições de vida.

Nessa mesma linha Cunha14, "não se trata de incapacidade e, por isso,

não são representantes ou assistentes. Apenas um mero apoio para auxi- liar, cooperar, com as atividades cotidianas da pessoa. A tomada de decisão apoiada não se confunde com a curatela, partindo de uma premissa diame- tralmente oposta: inexiste incapacidade, mas mera necessidade de apoio a uma pessoa humana".

Não obstante a isso, o art. 1.767, I do CC e a lei 13.146/2015, prevê de modo extraordinário, quando a pessoa não puder exprimir a sua vontade, a curatela, que será medida a partir da inaptidão do curatelado. Curatela é o instrumento que o Estado tem de proteção, a aqueles que precisam de um cuidado especial. Esta será necessária de acordo com o estado e o desenvolvi- mento mental da pessoa e será restrita a atos patrimoniais e negociais. A própria lei garante a essas pessoas, que a curatela não alcança, nem limita os demais atos e direitos, como por exemplo a sexualidade, o casamento, matrimônio, trabalho, voto, adoção entre outros.

Importante salientar que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi- ciência, deixa claro o caráter "extraordinário" do instrumento da curatela. Ou seja, a lei põe à frente a Tomada de Decisão Apoiada, que é medida na qual a pessoa com deficiência atua na sua vida social, mas em casos onde isso não é possível, a lei reserva a via da curatela.

E nessa mesma linha já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais na AC n.º 1.0592.15.000049-1/001, veja:

Apelação cível – ação de interdição – estatuto da pessoa com deficiência (lei n.º 13.146/2015) – limites da curatela – laudo pericial – garantia do interditando – sentença mantida – recurso não provido. 1. Com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015), a curatela passou a constituir medida extraordinária, devendo ser preservados os interesses do curatelado, e afetará tão

14 FARIAS, Cristiano Chaves, CUNHA Rogério Sanches, PINTO Ronaldo Batista. Estatuto da Pessoa com Deficiência comentado. p. 243. 2.ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85 da Lei n.º 13.146/2015). 2. Nos termos do art. 755 do NCPC, a sentença deve fixar os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito, tendo como base o exame pericial, a fim de constatar as necessidades em cada caso concreto, sempre buscando atender aos interesses do curatelado. 3. Concluindo o laudo pericial que o curatelado possui limitações que atingem a manifestação de vontade e a capacidade de gerência de seus bens, não é razoável a restrição da curatela a um único ato (recebimento do benefício previdenciário), sob pena de deixar descobertas outras necessidades. 5. Sentença mantida. 6. Recurso não provido.  (TJMG, AC n.º 1.0592.15.000049-1/001, Relator: Raimundo Messias Júnior, 2.ª CÂMARA CÍVEL, J. 31/10/2017). 

Também não é outro o entendimento do Tribunal de São Paulo no Agravo de Instrumento n.º 2166050-89.2017.8.26.0000. Observe:

INTERDIÇÃO. CURATELA PROVISÓRIA. Insurgência contra decisão que revogou curatela provisória. Decisão reformada. Documentos dos autos demons- tram sumariamente a existência de incapacidade parcial para o agravado praticar sozinho os atos da vida civil, a atrair curatela parcial apenas para os atos de dispo- sição patrimonial, ao menos até a realização de exame pericial que melhor delimite suas potencialidades. Recurso parcialmente provido. (21660508920178260000, Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 20/02/2018, 3.ª Câmara de Direito Privado, TJ-SP).

Nesse mesmo ponto de vista, não há que se falar hoje em "interdição". Nos casos dos relativamente incapazes, o Estatuto em comento tenta preservar o interesse do deficiente e sua própria atuação. Atuando o curador como um mero cooperador, e não como uma atuação substitutiva.

Em acertado resumo, ROSENVALD15 diz que "[...] haverá uma grada-

ção tripartite de intervenção na autonomia: a) pessoas sem deficiência terão capacidade plena; b) pessoas com deficiência se servirão da tomada de decisão apoiada a fim de que exerçam a sua capacidade de exercício em condições de igualdade com os demais; c) pessoas com deficiência qualificada pela curatela em razão da impossibilidade de autogoverno serão submetidas a um regime especial que levará em conta as crenças e vicissitudes do sujeito [...]".

Sem dúvida, outro grande avanço trazido pela lei 13.146/2015 foi em relação ao instituto do casamento. A lei acrescentou o § 2.º no art. 1.550 do

15 ROSENVALD, Nelson. "Estatuto da Pessoa com Deficiência, 11 perguntas e respostas", Disponível em: genjurídico.com.br\2015\10\05\em-11-perguntas-tudo-que-voce-precisa- -para-conhecer-o-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia\. Acesso: 10 de Maio de 2018.

Código Civil16 e, esse artigo combinado com o art. 6.º, I da lei em comento,

fica claro que a pessoa portadora de deficiência pode constituir união estável e até mesmo casamento.

O casamento, não irá ser considerado nulo, como dizia o revogado art. 1.548, I do Código Civil, ao prever que "é nulo o casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil". Deveras acertado a revogação, pois se o objetivo da lei 13.146/2015 é a inclu- são, tal finalidade não poderia ter deixado de fora a vontade das partes em constituir uma comunhão de vida com outrem, pelo simples fato de possu- írem alguma patologia. O que não poderia ser diferente, pois o casamento, tem como o principal desígnio a construção de uma entidade familiar, e é um direito constitucionalmente previsto (art. 226, §§ 1.º e 2.º CF).

Cabe destacar que o critério para demarcação se a pessoa com deficiência é plenamente capaz ou se ela é relativamente incapaz (art. 4.º, III CC), é a mesma para o casamento, assim nas palavras do Ministro Marco Aurélio Belizze17:

[...] encontra-se o indivíduo absolutamente inabilitado para compreender e discer- nir os atos da vida civil, também estará, necessariamente, para vivenciar e entender, em toda a sua extensão, uma relação marital, cujo propósito de constituir família, por tal razão, não pode ser manifestado de modo voluntário e consciente.

Outro grande acréscimo trazido pela lei em comento é o art. 28, § 1.º e o art. 30 da lei apreciada. Hoje, tanto as escolas públicas, como as priva- das devem oferecer uma educação adequada e inclusiva, procurando assim minimizar as relações de vulnerabilidade existente entre os estudantes ditos "normais" com aqueles com algum tipo de deficiência. Ademais, para tanto é vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em duas mensa- lidades, anuidades e matrículas. O que, já foi decidido pelo STF18.

16 Art. 1.550, §2.º do Código Civil: A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador.

17 REsp 1414884\ RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Belizze, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 13/02/2015.

18 STF. Plenário. ADI 5357 MC-Referendo/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 9/6/2016 (Info 829).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, é certo que ainda é muito recente no nosso ordenamento jurídico. Até mesmo a doutrina e jurisprudência se diverge em vários casos. Há corrente apoiando e acreditando que o Estatuto é bom, na medida do possível e que segue, o que antes já tinha sido ratificado pelo Brasil no Decreto legislativo n.º 186 de 09/07/2008. E em posição diametralmente oposta, existe corrente doutrinária que afirma que o Estatuto da Pessoa com Deficiência fere a segurança jurídica, por comprome- ter institutos como a teoria das incapacidades.

É certo dizer que a teoria ainda está, infelizmente, muito distante da prá- tica, afinal, uma coisa é existir a lei – o que trouxe numerosos avanços, o que não se discute- outra coisa é a colocação dela em prática.

Dificuldades, falta de incentivos econômicos, intimidações, tudo isso está ligada a realidade brasileira, mas tais obstáculos não podem servir de desculpa para a não aplicação da lei, e mais que isso, para a não inclusão dessa minoria que foi por anos negligenciada em nosso país. Nesse sentido, brilhantemente afirma mais uma vez ROSENVALD19:

Tudo isso é verdade, mas esses materiais não podem servir como escusa para aplicar um tratado que tem força de norma constitucional. Se o Brasil internalizou essa convenção de direitos humanos, que se apliquem os recursos necessários para a sua efetivação porque esse é um país onde 25% das pessoas possuem algum grau de defi- ciência e setenta por cento destas pessoas são pessoas pobres, são pessoas excluídas de alguma forma do sistema. Então essas dificuldades que existem no Brasil de gestão de recursos, estas dificuldades históricas, elas têm que ser ultrapassadas em prol da efetivação desta norma.

Muitas vezes o estigma faz com que a lei fosse deixada de lado, como dito anteriormente, as complicações advindas da deficiência não são só de respon- sabilidade do Estado, mas também, e sobretudo, da sociedade. Esta ainda não amadureceu quanto ao assunto.

É louvável que uma lei tente buscar mais que uma inclusão de uma mino- ria, mas a efetivação dos princípios consagrados na nossa Constituição Fede- ral, quer seja a isonomia e especialmente a dignidade da pessoa humana.

19 Ainda são muitas as discussões em torno do Estatuto da Pessoa com Deficiência, sancio- nado há um ano. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/noticias/6051/Ainda+s%- C3%A3o+muitas+as+discuss%C3%B5es+em+torno+do+Estatuto+da+Pessoa+com+Defi- ci%C3%AAncia%2C+sancionado+h%C3%A1+um+ano>. Acesso em 14/02/2018.

BIBLIOGRAFIA

ALARCÓN, L. et al. Constituição e Inclusão Social. Bauru: Edite, 2007. ARAÚJO, L. et al. Direito da Pessoa portadora de Deficiência. Bauru: Edite, 2003. ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Porta- dora de Deficiência, 1994.

BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito. Campinas\ SP: Ed. Servanda, 2007.

FARIAS, Cristiano Chaves, CUNHA Rogério Sanches, PINTO Ronaldo Batista. Estatuto da Pessoa com Deficiência comentado. 2.ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. 1.ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

GAGLIANO, Pablo Stolze. "Estatuto da Pessoa com Deficiência". Entrevista concedida a Revista IBDFAM. Belo Horizonte. v. 24. p. 5-7, dez-2015\ jan-2016.

GAGLIANO, Pablo Stolze. "É o fim da interdição?" Disponível em: <http:// flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/304255875/e-o-fim-da-interdicao-artigo-de- pablo-stolze-gagliano>. Acesso: 05 de maio de 2018.

GUGEL, Maria Aparecida. Pessoa com Deficiência e o Direito ao Concurso Público. Goiânia: Ed. UCG, 2006.

LÔBO, Paulo. "Processo Familiar com Avanços Legais, Pessoas com Deficiência mental não são incapazes". Disponível em: <http:\\www.conjur.com.br\2015-ago-16\ processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-não-sãoincapazes?imprimir=1> Acesso em: 20 de maio de 2018.

MELO, Sandro Nahmias. O Direito ao Trabalho da Pessoa Portadora de Deficiên- cia: o Princípio Constitucional da Igualdade: Ações Afirmativas. São Paulo: LTr, 2004.

ROSENVALD, Nelson. "Estatuto da Pessoa com Deficiência, 11 perguntas e res- postas", Disponível em: <http:genjurídico.com.br\2015\10\05\em-11-perguntas-tu- do-que-voce-precisa-para-conhecer-o-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia\>. Acesso: 10 de maio de 2018.

ROSTELATO, Telma Aparecida. Portadores de Deficiência e Prestação Jurisdicio- nal. Curitiba: Juruá, 2009.

SEREJO, Lourival. "O Estatuto da Pessoa com Deficiência e sua repercussão no Direito de Família". Revista IBDFAM. Belo Horizonte. v. 24. p. 8-11, dez-2015\ jan- 2016.

TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). "Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte I", Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSuces- soes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Es- tatuto+da+Pessoa+com>. Acesso: 14 de maio de 2018.

INTEGRAÇÃO DOS IMIGRANTES EM PORTUGAL: