• Nenhum resultado encontrado

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Promoção do Direito Social à Saúde

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

O presente estudo tem sérias implicações para a prática dos interventores sociais no âmbito do tratamento e da (re) inserção social de consumidores de substâncias psicoactivas. Conceber as dependências como um fenómeno biop- sicossocial significa adoptar o ponto de vista que entende este fenómeno como uma doença do cérebro em estreita articulação com o meio social. Os sujeitos estudados apresentam elevadas taxas de desemprego e índices de escolaridade e qualificação profissional muito baixos, o que constitui um inegável obstá- culo à integração no mercado de trabalho. O trabalho fornece não só os ren- dimentos que permitem a participação social, mas também uma verdadeira identidade social, mais forte do que qualquer outro tipo de pertença. Ter um emprego dá ao indivíduo a noção de utilidade social, sendo o principal vector da sua integração, pelo que trabalhar no sentido de uma reinserção / ocupação laboral se impõe como fundamental. Já do ponto de vista familiar, constata-se no estudo que uma percentagem elevada de sujeitos vive só, em contextos residenciais e habitacionais tão desqualificados que só por si são estigmatizan- tes de quem os habita. Potencialmente desacreditados nas relações que esta- belecem com outros e, não raro, por si próprios, uma percentagem elevada dos indivíduos deste estudo já passou por uma fase de desvinculação não lhes restando, senão, recorrer a uma diversidade de instituições para assegurar a sobrevivência. Socialmente identificados como errantes, eles estão excluídos da vida social, não dispõem de recursos para enfrentar os fracassos e tensões, a representação de si próprios já está alterada e a sua identidade transformada aos olhos dos outros (Gaulejac & Léonetti,1994). Em situação de ruptura familiar, são, portanto, indivíduos desprovidos de redes de suporte familiar e institucional pelo que as suas trajectórias facilmente os levam a instalar-se na decadência, etapa que dá lugar a uma nova pertença social e que reivindica uma ação atenta por parte dos interventores sociais.

Os indivíduos da amostra são duplamente estigmatizados, por serem dependentes de substâncias psicoativas e por experienciarem processos de

envelhecimento precoce, ao serem portadores de doença mental associada aos consumos e de déficites característicos de idades mais avançadas. Os sinais que os marcam, tanto pela sua deterioração física como de doença mental, fazem deles indivíduos que reúnem alguns dos atributos socialmente mais penali- zadores, por ser significativo o descrédito que acarretam (Goffman,1975). Se a estes dados acrescentarmos o facto de 50% dos sujeitos da pesquisa serem alexitímicos, tudo aponta para estarmos perante uma elevada incidência de disfunção da consciência emocional, o que dificulta a construção de redes de suporte familiar e institucional, com sérias implicações na criação de projectos de inserção social, seja laboral como familiar, que garantam qualidade de vida aos mais envelhecidos.

No domínio do tratamento, a introdução e associação de substâncias que alteram o funcionamento neurobiológico suscita interrogações quanto à repa- ração neurocerebral bem como à eficácia de uma abordagem psicologicamente capacitadora. Neste sentido, o aprofundamento do estudo sobre alexitimia é um desafio aos interventores sociais cujo campo de ação integra população envelhecida e dependente. A inserção do indivíduo nas redes de sociabilidade é essencial para preencher funções identitárias que lhe permitam representar-se a si próprio no seio do seu grupo e em relação à sociedade global e identificar o seu lugar e o seu papel na sociedade. Garantir a recriação de redes de apoio familiar e institucionais, a prestação de cuidados de saúde adequados, pensar o suporte de cuidadores informais, familiares ou não, exige uma formação sólida e cientificamente consistente em termos teóricos e técnicos, criando condições à inovação em matéria de oferta de serviços e de modos de agir. O aprofunda- mento do conhecimento sobre Alexitimia e Envelhecimento de consumidores de substâncias visa, justamente, dotar de robustez científica a intervenção social vocacionada para enfrentar os reais problemas que actualmente atingem os policonsumidores de longa duração, contribuindo para pensar modelos de tratamento e inserção social adequados às novas (se bem que envelhecidas) realidades.

BIBLIOGRAFIA

CHIANG-SHAN, L. et al (2006). “Alexithymia and stress-induced brain acti- vation” in cocaine-dependent men and women, Journal of Psychiatry  &  Neuros- cience, 31(2): 115-121.

CRAPARO et al. (2016), “Impaired emotion recognition is linked to alexithymia” in heroin addicts. Peer J, 4: e1864.

DINIZ, A., PILLON, S. et al. (2017), “Uso de substâncias psicoativas em idosos: uma revisão integrativa”, Revista Psicologia: Teoria e Prática, 19 (2), 23-41.

DONGES, U. S., & Suslow, T. (2015). “Alexithymia and memory for facial emo- tions”. Universitas Psychologica, 14 (1), 103-110.

ESPERIDIÃO-ANTONIO, V. et al. (2008). “Neurobiologia das Emoções”, Revista de Psicologia Clínica, 35 (2),55-65.

GAULEJAC, V. & LÉONETTI, I.T. (1994). La Lutte des Places. Paris: Epis. GOFFMAN, E. (1975). Stigmates...les usages sociaux des handicaps. Paris: Minuit. HAIR, J. F., ANDERSON, R. E., TATHAM, R. L. & BLACK, W. C. (1998), Multivariate Data Analysis, 5.ª ed. New Jersey: Prentice-Hall.

MAROCO, J. (2011). Análise Estatística – Com utilização do SPSS Statistics, 5.ª edição. Pero Pinheiro: ReportNumber.

MAYRING, P. (2000). “Qualitative content analysis”. Forum qualitative social research, 1 (2), retirado de: http://nbn-resolving.de/urn:nbn:de:0114-fqs0002204

MORIE, K. P., Yip, S. W., Nich, Ch., et al. (2016): “Alexithymia and addiction: A review and preliminary data suggesting neurobiological” links to reward/loss Proces- sing, HHS Public Access,3 (2): 239–248.

OBSERVATÓRIO EUROPEU DA DROGA E DA TOXICODEPENDÊN- CIa – EMCDDA. (2017). Relatório Europeu sobre Drogas: tendências e evoluções na União Europeia. Luxemburgo: Serviço das Publicações da União Europeia.

PRAZERES, N., PARKER, D. A., & TAYLOR G. J. (2000). “Adaptação Portu- guesa da Escala de Alexitimia de Toronto de 20 Itens” (Tas-20). Revista Iberoameri- cana de Diagnóstico y Evaluación, 9 (1), 9-21.

SAMUR, D. et al. (2013). “Four decades of research on alexithymia: moving toward clinical applications”, Frontiers in Psychology, 4: 861.

SALOMON, L. (2010). Cerveau, Drogues et Dépendances, Paris: Belin.

SOUTO, T. (2000): “A Alexitimia e a Dependência de Drogas: os sentimentos, o discurso e as drogas”. Tese de Mestrado, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

WELL, R., REHMAN, U. S., & SUTHERLAND, S. (2015). “Alexithymia and social support in romantic relationships”. Personality and Individual Differences, 90, 371-376.

DA VITIMIZAÇÃO À CAPACITAÇÃO. O CONTRIBUTO DO