• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 7. A educação ambiental a serviço do poder

7.2. Cooptar e cristalizar: A institucionalização

No Brasil, a educação ambiental está instituída por lei nacional desde a criação da Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981, a qual, apesar de não ser uma política pública exclusiva de educação ambiental, tem nessa ação um de seus dez princípios37. A necessidade de o Estado ser o principal agente condutor da educação ambiental foi reforçada na Constituição de 198838, e desde então, secretarias e departamentos de educação ambiental se estabeleceram em nível

36 Entre alguns dos tratados e documentos mais importantes estão a Carta de Belgrado (1975), as recomendações das Conferências de Educação Ambiental de Tbilissi (1977), Moscou (1987) e Thelassonica (1997), o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992) e o capítulo 36 da Agenda 21 (1992).

37 Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

[...] X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

38 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...] VI – Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

136 federal, estadual e municipal. Entre os mais significativos eventos, estão: a adesão ao Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (estabelecido pelo Fórum Global de 1992); a implantação do tema Meio Ambiente nos Parâmetros Curriculares Nacionais na segunda metade dos anos 90 (como forma de Temas Transversais); a instituição de uma Política Nacional de Educação Ambiental, em 1999; e a criação de Órgãos Gestores de Educação Ambiental e de um Programa Nacional próprio, já na primeira década do século XXI.

Consequente a isso se tornou necessário que os Estados e municípios também criassem suas próprias políticas públicas de educação ambiental, desde que tenham como princípios norteadores as propostas e diretrizes estabelecidas pela política pública nacional, assim como pelos tratados e compromissos internacionais.

A Política Nacional de Educação Ambiental foi instituída em 1999, e desde 2005 o governo federal passou a desenvolver o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA), que conta com um programa de formação de educadores formais e não-formais, e também com um sistema de integração de informações relativas à educação ambiental, chamado SIBEA. Em esfera nacional, diversos documentos e tratados funcionam como norteadores dessa política e dos programas de educação ambiental, fazendo com que o Estado brasileiro esteja cada vez mais instrumentalizado e com as ferramentas necessárias para realizar a educação ambiental.

Além da Política Nacional e do Programa Nacional de Educação Ambiental, diversos livros e coletâneas de artigos foram publicados pelo governo federal nos últimos anos. Pelo Ministério do Meio Ambiente, por intermédio da Diretoria de Educação Ambiental, foram diversas obras de referência publicadas. Entre elas a coletânea coordenada por Layrargues (2004), os dois volumes de Encontros e Caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores (Ferraro Júnior, 2005, 2007), e os textos de Brandão (2005) e Czapski (2008).

Além disso, por essa mesma diretoria, através do Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, e em parceria com o Ministério da Educação, uma série de Documentos Técnicos (Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, 2005a, 2005b, 2006a, 20006b, 2007) foi criada de forma a garantir que a

137 Política Pública de Educação Ambiental fosse posta em prática de maneira exitosa. Ainda pelo Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), existe o Caderno Secad sobre a Educação Ambiental (BRASIL/SECAD, 2007), que traz a Política Nacional de Educação Ambiental sob a tutela do Ministério da Educação, além da coletânea sobre as bases Filosófica da Educação Ambiental brasileira (BRASIL/SECAD, 2006).

A institucionalização da educação ambiental tem como uma das suas principais justificativas o fato de que sem ela não é possível criar sociedades sustentáveis e justas, e muito menos garantir um planeta mais saudável e limpo para as gerações futuras. Além disso, a educação ambiental, ao promover – de acordo com a justificativa afirmada pelo PRONEA (Brasil, 2005, p. 19) – uma melhoria na qualidade de vida da população brasileira ao interagir as esferas políticas, econômicas, culturais e sociais, ela permite que o Brasil alcance, de maneira mais exitosa o seu desenvolvimento, sendo fundamental ao planejamento estratégico do país.

Paralelamente, e ao mesmo tempo, não são somente os especialistas em educação ambiental, contratados (e/ou alinhados politicamente) pelos órgãos governamentais que estão criando as diretrizes conceituais e práticas que devem ser instituídas nas práticas pedagógicas cotidianas. Aproveitando o interesse cada vez maior de setores da população consumidora, preocupados com as questões ambientais, as empresas oferecem além dos produtos chamados verdes – fabricados ou com material menos poluente, ou com matéria-prima reciclada, ou com gasto menor de energia, ou sem a utilização de animais, seja em testes ou como matéria-prima – outros serviços ligados à melhoria da qualidade ambiental do planeta.

São atividades ligadas à preservação de áreas nativas, ao plantio de mudas, à recuperação de espécies animais e vegetais, à troca de fontes energéticas mais poluentes por menos poluentes e de uma diversidade de concursos ligados à temática ambiental, entre outras ofertas. Mas, além disso, são financiados e promovidos diversos produtos e atividades ligadas ao conceito de educação ambiental. Fundações, concursos e prêmios ligados à educação ambiental se tornam cada vez mais frequentes.

138 Ao promoverem e apoiarem projetos de educação ambiental, essas empresas buscam, perante mercado consumidor, mostrar uma imagem de responsabilidade e consciência “ecológica” e social, fazendo com que o consumo desse produto não esteja ligado a nenhum impacto predatório sobre a natureza e outras populações. Em alguns casos, essas empresas estão tentando desfazer algum estrago promovido pela má exposição causada por alguma denúncia de dano ambiental e/ou social ligada a elas. Em outros casos, há um empresariado preocupado realmente com as questões ambientais ou somente com a legislação vigente. Independente do interesse de cada caso, a observação de Hardt e Negri (1999) que já expus no capítulo anterior, pode ser bastante pertinente, no que diz respeito ao capital transformar as reivindicações sociais e política em algo amplamente comercializável e lucrativo.

O fato é que existe um campo de propostas e perspectivas pedagógicas, chamado educação ambiental, que historicamente está atrelado às reivindicações dos movimentos ecológicos, e que vem sendo amplamente sistematizado por órgãos de gestão, tanto pelos de meio ambiente, quanto de educação, nas mais diversas esferas: internacionais, regionais, nacionais, municipais. Esses governos, através das políticas públicas de educação ambiental, são responsáveis pela disseminação de um grupo de matrizes teóricas e técnicas, as quais, necessariamente, precisam estar presentes nos programas, projetos e ações ligadas à educação ambiental. Sejam eles de instituições estatais, privadas e não-governamentais:

Artigo 1º A Política Nacional de Educação Ambiental será executada pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, pelas instituições educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino, pelos órgãos públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, envolvendo entidades não-governamentais, e entidades de classe, meios de comunicação e demais segmentos da sociedade (BRASIL, 1999).

Nesse sentido, de acordo com a própria Política Nacional de Educação Ambiental, é obrigatório o fato de todas as instituições, ligadas de algum modo à educação, estarem envolvidas com institucionalização da educação ambiental no Brasil. A hipótese, que permeia essa tese é que, por sua vez, a definição de uma matriz conceitual que buscará ser difundida e legitimada pelos grupos responsáveis

139 por tal atividade, é um processo que determina escolhas de perspectivas políticas, sociais, filosóficas, econômicas e, principalmente, pedagógicas e ambientais. Escolhas caracterizadas pela inclusão e exclusão de determinadas perspectivas, expondo o jogo de forças que mantém a constante tensão dentro do campo da educação ambiental.

A concepção de educação ambiental oficializada na Lei 9785, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, mostra a preocupação com a qualidade de vida e a sustentabilidade e que, para preservá-las, são necessários processos educativos que agirão tanto no corpo do indivíduo quanto na coletividade:

Art. 1 – Entendem-se por Educação Ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999) Por um lado, a educação ambiental age diretamente no corpo individual, promovendo um processo de disciplinamento que construa habilidades, atitudes e competências, tendo como o regulamento desse mecanismo os chamados conhecimentos ambientais. É a anatomopolítica que fará com que cada indivíduo se torne um agente e um instrumento útil e obediente à determinada concepção de ambiente instituída pela governamentalidade. Essas habilidades, competências e atitudes são formadas a partir da convergência e universalidade devidamente instauradas pela lei. São elas as responsáveis – e modelos a serem seguidos – pela qualidade da vida e sua manutenção.