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Capítulo 7. A educação ambiental a serviço do poder

7.3. Educação ou condução ambiental?

As condutas se multiplicam, intensificam e passam a direcionar as almas não a partir de uma perspectiva somente eclesiástica e religiosa, mas principalmente a formação das crianças. Assim como Foucault sugeria que era preciso entender a ação dos Estados modernos na intervenção, uniformização e condução nas práticas sanitárias e sexuais não mais como um problema relativo unicamente à salvação

140 das almas, mas como questões de saúde pública, a educação ambiental sugere a ação conjunta no individual e no coletivo. Mesmo que o esforço pelo direcionamento das condutas não precise mais de uma razão pastoral – que perdeu espaço para a razão de governar – e se submeta a uma lógica técnica, a presença da pastoralidade, pelo menos no discurso da própria instituição católica, se mantém presente.

A pastoralidade perdeu espaço para a razão de governar, já que a imagem de Deus como um pastor, a partir do século XVII dá lugar a um Deus que não governa mais provisionando, vigiando, guiando e salvando as almas, mas que soberanamente governa a partir dos princípios físicos gerais que comandam o planeta (FOUCAULT, 2008a, p. 316). Governar a partir dos princípios naturais que regem o mundo não é mais governar somente sob os padrões e modelos de condutas, apesar do seu uso ser constantemente evocado nas práticas políticas contemporâneas e, especialmente, no exercício da educação ambiental.

Mas, ainda há a presença da lógica pastoral, mesmo que de modo secundário ou tácito, a partir do momento, por exemplo, em que a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (GOULART, 2011), se preocupa e se mobiliza em promover uma Campanha da Fraternidade cujas ações estão direcionadas para a resolução do aquecimento global e da poluição do ar.

Ou ainda, quando o Vaticano, por intermédio da palavra do Papa Francisco, elabora uma encíclica de quase 90 páginas, chamando à intervenção imediata por parte dos humanos para garantir a salvação da humanidade da tragédia ecológica que se aproxima. Além disso, essa chamada à ecologia que a Igreja Católica promoveu em 2015, atenta para o fato de que os seres humanos e os outros seres vivos são elementos do constante caminho que o universo tem traçado para a plenitude transcendental unificada em Deus e Cristo. (FRANCISCO, 2015, p. 26-27)

Em uma seção dedicada especialmente à educação ambiental, propõe essa atividade, entre outras ações, a uma conversão espiritual que resgata em São Francisco de Assis a vocação de dedicação à natureza, a simplicidade e a humildade que seriam necessárias no processo de formação de consciências ecologicamente saudáveis:

Recordemos o modelo de São Francisco de Assis, para propor uma sã relação com a criação como dimensão da conversão

141 integral da pessoa. Isto exige também reconhecer os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro. A Igreja na Austrália soube expressar a conversão em termos de reconciliação com a criação: “Para realizar esta reconciliação, devemos examinar as nossas vidas e reconhecer deque modo ofendemos a criação de Deus com as nossas acções e com a nossa incapacidade deagir. Devemos fazer a experiência duma conversão, duma mudança do coração” (FRANCISCO, 2015, p. 67).

Uma determinada noção de educação ambiental, que tende a se submeter e se exercer sob a lógica dos discursos de plenitude (ALVES, 2009), ou seja, perspectivas transcendentais – como o homem, planeta, harmonia, paz, emancipação, liberdade – que acabam por ditar os conceitos determinantes para uma prática ecologista na educação, acabam por constituir-se em um exercício de pastoralidade. Isso por acabar se tornando um consenso (ALVES, 2009, p.156), sob o qual se estabelece um padrão normativo e uniforme, sob o qual o rebanho deve cair para não cair na tentação da dúvida, do dissenso ou da falsa verdade, o simulacro.

Ao promover a ênfase na formação de um ideal de sujeito ecológico (ALVES, 2009, p. 226), a educação ambiental determina de um modo bastante específico, o padrão de condutas que deve ser seguido pela população. Seja nas políticas públicas, seja nos documentos internacionais, seja na veiculação e disseminação de determinadas leituras “obrigatórias” aos se falar em educação ambiental no Brasil, a necessidade de uma formação ecológica, com “respeito à vida, à humanidade, à harmonia”, deve passar pelo crivo formativo e avaliativo das esferas institucionais, a despeito das divergências presentes entre perspectivas conservacionistas, liberais (na perspectiva da educação para o desenvolvimento sustentável) ou histórico- dialéticas.

Não ser alguém ecológico, dentro de uma determinada noção pré-definida do que é ser ecológico, faz com que sejam criados anormais, párias, monstros e demônios anti-ecologistas, sejam eles os próprios destruidores de florestas, os traficantes de animais, os poluidores do ar e da água e os “não-conscientizados” (que desperdiçam água, não jogam lixo no lixo, que não reciclam). Ou também, sejam todos que promovam qualquer possibilidade de não aceitação ao padrão ambiental imposto pelas políticas públicas e pelas leis ambientais.

142 Essa pastoralidade ecológica, portanto, está intimamente ligada à governamentalidade, e é um exercício adjunto a ela, pois é necessária a existência do educador ambiental como o pastor das almas que levará os sujeitos, individualmente e coletivamente, rumo à salvação ambiental. A partir do momento em que os educandos se portam da maneira como o educador propõe em suas atividades de promoção da maneira ecologicamente correta de ser, ele está atendendo tanto à promoção da harmonia, quanto à obediência à lei e a política pública que foram devidamente, em um primeiro momento, para atender à demanda dos movimentos ecologistas.

Mas, como sugere Gallo (2007), se uma determinada perspectiva e ação política são aceitas na esfera do Estado, é porque elas não são capazes de ameaçar a sua existência, seja pelas políticas públicas se tornarem letra vazia na dinâmica das sociedades contemporâneas, seja por elas atenderem somente a proposta de “esverdear o capital”, ou seja, atender, de um modo ou outro, o acúmulo de riquezas buscado pelas grandes corporações. Basta uma pequena olhada nos programas de desenvolvimento sustentável e os projetos de incentivo à preservação de instituições bancárias brasileiras, as quais lucram trilhões ao ano com o endividamento público e patrocínio de empreendimentos esportivos e imobiliários de grande impacto socioambiental.

Ao transformar a ecologia em exercício de normalização das condutas e em uma cega submissão aos ditames institucionais presentes nas políticas públicas, nas leis ambientais e cartilhas educacionais, uma educação ambiental, que nesse sentido podemos chamar de “oficialista”, acaba por se assemelhar a uma prática de uniformização e transformação dos educandos e educandas em ovelhas que não podem se desgarrar de um determinado rebanho, sob o risco de todas as outras acabarem por também seremcondenadas. Em uma situação até mais “dramática” do que a relatada por Foucault, as boas práticas ecológicas são, incondicionalmente, o único modo pelo qual toda a humanidade pode ser salva do inferno para o qual está se encaminhando, e é preciso que haja alguns bons condutores para impedir que todo o rebanho seja condenado. No caso, os educadores ambientais.

A educação ambiental como exercício de poder no corpo dos indivíduos também pode ser observada quando ela sugere-se desenvolvida no ambiente escolar, cuja ação, tanto quanto direcionada ao corpo dos alunos, estará direcionada

143 à própria formação dos professores. De acordo com o artigo 11 da Política Nacional de Educação, já citada anteriormente, os professores devem receber uma formação complementar em Meio Ambiente, sejam eles de qualquer nível ou área.