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Capítulo 7. A educação ambiental a serviço do poder

7.1. Ecologia como movimento

Os movimentos ecologistas dos anos 1960 e 1970 foram os responsáveis diretos pela popularização da questão ambiental, e eram caracterizados, em grande parte, pelas perspectivas libertárias (REIGOTA, 1999). Atribuíram aos governos grande parte da responsabilidade no que diz respeito à crise ambiental das últimas décadas, sejam eles dos países capitalistas ou dos antigos socialistas, sejam eles dos ricos desenvolvidos ou dos pobres em desenvolvimento ou miseráveis (GORZ, 1982; CASTORIADIS, 2006; MOSCOVICI, 2007). Além desses movimentos, uma

131 série de documentos, livros e relatos deram o tom dessa militância. Os livros de Rachel Carson, especialmente Primavera Silenciosa e O mar que nos cerca, os documentos fanzines do grupo holandês Provos, e o primeiro texto da revista britânica The Ecologist, chamado Blueprint for Survival.

Um dos motivos dessa culpa se dava pelo modelo socioeconômico incentivado pelos governos dos países ricos, baseado em grande extração e consumo de recursos naturais, e também pela geração de enormes quantidades de resíduos. De acordo com os discursos predominantes nos movimentos ambientalistas dos anos 60 e 70, os governos não se preocupavam com as paisagens naturais, com as espécies vivas ali residentes, ou mesmo com as culturas humanas que viviam de maneira menos predatória que a civilização ocidental.

Outra alegação dos ecologistas era que os governos estavam cada vez mais submetidos aos interesses das megacorporações transnacionais, as quais, em grande parte, consideravam os gastos com a minimização dos impactos ambientais extremamente prejudiciais ao desenvolvimento e crescimento de seus ganhos (MOSCOVICI, 2007, LUTZENBERGER, 2012). Os críticos aos ecologistas rebatiam as acusações interrogando se os governos – e também as empresas – arcassem com esses gastos, como iriam convencer suas populações que a qualidade de vida teria um incremento de qualidade reduzido devido aos gastos com a preservação de áreas naturais e animais silvestres.

As críticas do ambientalismo ao exercício de poder institucionalizado, em diversos momentos e locais no século XX, acabaram por promover uma verdadeira “insurreição de saberes” que pode ser considerado esse movimento – ou conjunto de movimentos que tem diversas possibilidades de “agir em comum” (HARDT e NEGRI, 2005) – e seus diversos discursos e propostas de como resolver essa problemática nas lutas contra o poder. É preciso resgatar o pensamento de Moscovici (2007), no entendimento de que o ecologismo, como conjunto de reivindicações, é anterior à ecologia:

[...] a ecologia é filha do ecologismo. Este nasceu como uma ação coletiva em um espaço aberto; já a ecologia nasceu como uma reação dentro dos espaços fechados, rompendo menos com a rotina e o conformismo ambientes. (MOSCOVICI, 2007, p. 181)

132 Arrisco ampliar a fala de Moscovici e dizer que, mais do que uma ação coletiva, o que existiu foram diversos ecologismos, que aparecem como múltiplas ações efetivas que acabaram por criar, aí sim, uma filha chamada ecologia. Não é possível compreender as agitações que disseminaram as preocupações ambientais como somente “o movimento ambientalista”, seja ele entendido como as rebeldias sociais e políticas características daquele momento, seja como um discurso próximo à homogeneidade na fala de cientistas e militantes preocupados com as questões ligadas às relações entre homem e ambiente. É uma operação delicada, minuciosa e bastante complicada entender, analisar, descrever e discutir os discursos que acabaram por ser definidos como a fala de um único e definitivo movimento social, apesar de sua multiplicidade e heterogeneidade.

No entanto, é necessário compreender, ainda com Moscovici, que o ecologismo, além da crítica e da acusação aos poderes institucionalizados, é um movimento – ou uma multidão de movimentos – que possui duas estratégias de ação: a estratégia de “ganhar ao centro” e a estratégia de “ganhar nas margens”.

Ganhar ao centro significa agir junto às instituições de poder, fazendo com que os ecologistas participem de eleições, ganhem espaços nos sindicatos, nos partidos, nas mídias de massas, ou seja, nos espaços que permitem grande visibilidade e veiculação das perspectivas e críticas que os ecologistas promovem.

Ganhar nas margens é a ação junto às minorias ativas, ou seja, permitir a troca constante entre as perspectivas ecológicas e os outros movimentos sociais, como os regionalismos, os feminismos, os movimentos de juventude, os movimentos anti-rascistas, anti-homofobia, em um exercício minucioso, delicado e dialógico, já que existe o risco, como sugere Moscovici, desses movimentos negarem o ecologismo como forma de manutenção de sua autonomia.

“Ganhar nas margens” equilibra “ganhar no centro”. A primeira estratégia visa um laço em profundidade e a segunda, uma extensão em superfície. A política que nós conduzimos é fora da política para evitar tensões muito grandes ou fragmentações. É também uma nova política: com poucos participantes e meios, nós somos obrigados a agir de outra forma, a fim de estarmos presentes em tantos lugares ao mesmo tempo, atuantes ou receptivos. (MOSCOVICI, 2007, p. 71)

133 Nova política que não seria possível nem a partir da ciência técnica, institucionalizada e burocratizada pelo poderio institucional, e muito menos pela própria política partidária exercida no âmbito das casas governamentais, mas na militância de movimentos que Moscovici chamou de “entusiasmos ingênuos”.

Uma ecologia política, fugidia à ciência tecnocrática e às políticas policiais partidárias, tem como uma de suas missões mais importantes, ainda de acordo com Moscovici, um atiçamento das paixões de guardar laços vivos com a natureza. Não uma natureza simplesmente orgânica, do funcionamento único e exclusivo dos organismos terrestres, ou mesmo de uma natureza mecânica, da estrutura perfeita, funcional e cronometrada do planeta, mas uma natureza política surgida no afeto que o próprio planeta e os outros seres que o compartilham conosco acabaram atingindo as pessoas.

De fato, essas duas décadas – de 60 e 70 – passadas ficarão em nossa história como aquelas em que surgiram a questão natural e a nebulosa verde. Nós não as criamos ao acaso e não as vivemos sem nada fazer nem inventar. Elas foram um momento capital, precisamente na busca de uma nova visão da natureza, pela abertura de um espaço de ação que ela oferece o espírito de revolta contra o nuclear e os processos técnicos, em resumo, a única energia nova de nosso pensamento político e social. (MOSCOVICI, 2007, p. 110)

Esse caráter político dos ecologismos e da ecologia se pauta também na recusa ao imaginário capitalista que domina o planeta. Na recusa à destruição dos ambientes planetários e dos próprios seres humanos que, de acordo com Castoriadis (2006, p. 233), acabam por se transformar meramente em zumbis, zapeadores embrutecidos, em um processo de dilapidação dos recursos, das culturas, dos modos de vida.

Portanto, a paixão sugerida por Moscovici não é do amor pela natureza bucólica das paisagens naturais intocadas, mas a paixão por uma militância que, pode ou não, reivindicar as paisagens como intocadas ou o mais preservadas possíveis. Por isso o resgate que o movimento ecologista faz, em diversos momentos – como o constante uso da carta do chefe Seattle - das culturas ameríndias, e suas relações não só de baixo impacto, mas de afeto que envoviam

134 relações religiosas, econômicas, políticas, sociais e culturais com os elementos e as paisagens naturais.

E a ampla veiculação dessa paixão acabou fazendo com que a questão ambiental se tornasse amplamente difundida, popular e legitimada, tanto pelo grande poder de convencimento dos discursos científicos e políticos que afirmaram que a vida no planeta estava correndo grave risco se mudanças não ocorressem, quanto pelo fato de boa parte dos governos passarem a instituir políticas ambientais como forma de minimizar sua responsabilidade pela problemática ecológica, e também responder às reivindicações dos movimentos sociais (LEIS, 1999). Além disso, e em uma esfera ainda maior, existe o esforço das Nações Unidas – através de órgãos como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), e programas como o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) – em reunir os países, criar consensos e compromissos internacionais para tomada de ações conjuntas que visem à proteção do planeta.

Numerosos documentos norteadores de ações são criados por essas instituições internacionais – muitas vezes com o apoio e financiamento de megacorporações internacionais, ou de órgãos transnacionais, como o Banco Mundial – para auxiliar os governos nacionais a tomarem medidas de combate à destruição do ambiente. Esses documentos, quando não são seguidos à risca, no mínimo orientam boa parte das políticas ambientais oferecendo os marcos teóricos, técnicos e metodológicos que permitem aos governos sistematizar, com melhor precisão e base conceitual, as suas ações.

Considerada um dos meios pelos quais é possível se combater a destruição ecológica e promover uma nova forma de convívio entre seres humanos e o planeta, a educação constantemente teve um papel de destaque nas discussões ambientais, e até ganhou uma terminologia própria para tratar do tema, surgindo assim, a educação ambiental35. A bibliografia nacional e internacional sobre ela é ampla, e o número de trabalhos acadêmicos não para de crescer. As perspectivas filosóficas

35 A terminologia Educação para o Desenvolvimento Sustentável – e não Educação Ambiental – está sendo largamente utilizada pela Unesco, que declarou o decênio 2005-2014 como “Década para a Educação para o Desenvolvimento Sustentável” Sauvé (1997) e Reigota(1999) alertam para as diferenças pedagógicas, políticas, econômicas e ecológicas entre as duas terminologias.

135 políticas e metodológicas são as mais diferenciadas possíveis, tornando cada vez mais acaloradas as discussões sobre quais rumos ela pode tomar.

O espaço que a educação ambiental ocupa nas conferências sobre o meio ambiente é representativo, e desde os anos 70, conferências internacionais exclusivas sobre ela são realizadas, dando-lhe um status de grande relevância. A quantidade de tratados e documentos elaborados nessas reuniões é abundante36, sendo produzida de forma a nortear as políticas e ações sobre educação ambiental pelos governos nacionais, consequentemente, orientando, ou até servindo como matriz teórica e metodológica, as políticas regionais e locais.