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Adaptação Psicossocial na Adolescência

1. Coping e a vinculação nos adolescentes

1.3. Coping e o desenvolvimento das relações sociais e emocionais na adolescência

Mais do que severos traumas, rupturas familiares ou factores associados a pobreza, alguns factores de stress na adolescência prendem-se com dificuldades nas interacções diárias associadas com este período desenvolvimental. Estas dificuldades incluem conflitos com os pares e a família, dificuldades académicas, transições escolares, o início e a manutenção das amizades e das relações românticas, assim como preocupações com a imagem de si próprio (e.g. Bagley & Mallick, 1997; Groer, Thomas & Shoffner, 1992; Hartos & Power, 1997). Dado o stress psicossocial durante este período desenvolvimental, a forma como os adolescentes desenvolvem o coping é um importante mediador e moderador do impacto do stress no ajustamento presente e futuro.

Por conseguinte, embora vários autores tenham descrito a influência da interacção de variáveis como o género, o contexto social, o ambiente familiar ou os apoios sociais nos estilos de coping (e.g. Frydenberg & Lewis, 1991, 1993; Kurdek, 1987; Valentiner, Holahan & Moos, 1994), existem referências que apontam para a importância do desenvolvimento da vinculação para a compreensão do coping (e.g. Compas, 1988; Freitas & Downey, 1998; Skinner & Edge, 1998). Originalmente Bowlby (1969, 1973) teoriza que o sistema de vinculação é activado pelos estímulos ambientais de stress nas crianças que procuram a proximidade com os seus cuidadores. A ausência de responsividade das figuras cuidadoras parece influenciar não só os comportamentos imediatos das crianças (Ainsworth et al., 1978), mas também as futuras relações interpessoais na adolescência e adultícia (Bartholomew &

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Shaver, 1998). Desta forma fica claro que o coping surge no contexto da qualidade das relações com as figuras significativas que, numa perspectiva da aprendizagem social, permitem que os jovens aprendam a lidar com as suas angústias.

Assim, a vinculação tem vindo a ser investigada em variados contextos e ao longo de um largo espectro de idades. Crianças com uma vinculação segura procuram proximidade e a confiança dos cuidadores que lhe proporcionam uma base segura de protecção para desenvolver comportamentos exploratórios, podendo regressar em segurança (Ainsworth, 1983). Os relatos desta experiência deixam adivinhar jovens com bons índices de confiança pessoal, ajustamento saudável, assim como transições de vida positivas (Allen, Moore, Kuperminc & Bell, 1998; Burge, Hammen, Davila, Daley, Paley, Hezberg & Lindberg, 1997; Paterson, Pryor & Field, 1995), o que se reflete na forma como encaram as dificuldades e as ultrapassam. Por outro lado pais ausentes física e/ou emocionalmente criam nos jovens sentimentos de abandono e rejeição, através da baixa responsividade, apoio emocional, o que se traduz em relações com pouca qualidade, marcadas por uma vinculação insegura. Segundo a perspectiva de vários autores, jovens potencialmente descritos como ansiosos, com tendências depressivas e desordens de personalidade são mais susceptíveis de desencadear ideações suicidas (e.g. Armsden, McCauley, Greenberg, Burke & Mitchell, 1990; DiFilippo & Overholser, 2000; Rosenstein & Horowitz, 1996), tendendo a manifestar menores competências de coping, em especial coping funcional.

Nesta medida e de acordo com a teoria da vinculação as representações das experiências de vinculação, mantêm a significância ao longo do desenvolvimento, ajudando os indivíduos a prever e a lidar com os eventos de stress, em especial na relação com as figuras significativas. Esta conceptualização vai ao encontro do modelo de coping preconizado por Lazarus e Folkman (1984). De acordo com este modelo, as diferenças individuais sob o ponto de vista da qualidade das ligações, mostram-se significativas na construção dos padrões de vinculação nos jovens, o que, por sua vez, parece ter alguma influência nas estratégias individuais para fazer face aos elementos stressores. Logo, jovens seguros manifestam maior tendência para resolver conflitos pela negociação de soluções e a aceitação de compromissos (Pistole, 1989). Adolescentes inseguros parecem manifestar, por seu turno, estratégias de coping de evitamento face aos conflitos (Howard & Medway, 2004).

Cabral e Matos (2007) encontraram também evidência do efeito da qualidade da vinculação aos pais no ajustamento psicológico. Num estudo longitudinal realizado com 387 jovens, retratam ainda os efeitos da vinculação segura aos pais nas estratégias de coping adaptativo. Nesta medida, o coping bem como a regulação emocional, parecem funcionar enquanto mediadores para o ajustamento psicológico. A qualidade do laço emocional com os pais revelou-se um forte preditor da regulação emocional, tendo também um efeito indirecto nas estratégias de coping. Por sua vez, a inibição da exploração e individualidade na vinculação aos pais predisse uma diminuição nas estratégias de coping adaptativo, levando a um menor ajustamento dos adolescentes. Por último, a dimensão de ansiedade de separação apresentou um efeito negativo na regulação emocional, o que se traduziu ainda num efeito negativo nas estratégias de coping activas e reflexivas.

Note-se que vários autores têm apontado para o facto da qualidade da vinculação manifestar influências no comportamento anti-social e na gestão do stress na adolescência (e.g. Armsden & Greenberg, 1987; Shulman, 1993; Warren, Huston, Egeland & Sroufe, 1997). Contudo, apenas recentemente tem havido um investimento no sentido de perceber as interacções entre a qualidade da vinculação e os estilos de coping. Neste sentido, algumas revisões sugerem que crianças seguras usam mecanismos de coping adaptativos percebendo o impacto do stress de forma menos acentuada, quando comparadas com crianças menos seguras (Compas, 1988; Steward, Jo, Murray, Fitzgerald, Neil, Fear & Hill, 1998). De acordo com esta ideia, Howard e Medway (2004) sublinham a importância da relação entre os estilos de vinculação, os estilos de coping e as situações de stress. Numa amostra de 75 adolescentes e os respectivos pais, foram analisados os eventos stressantes e os seus possíveis cenários, os estilos de vinculação, a percepção de confiança e ainda os estilos de coping usados em ambos. Os resultados apontam para o facto de adolescentes inseguros tenderem a evitar etratégias de coping positivas, possivelmente pela falta de confiança nos outros, sentimentos de falta de suporte, ou a incapacidade de reconhecer a necessidade de apoio (Simpson, Rholes & Nelligan, 1992; Simpson & Rholes, 1994). Por outro lado, os adolescentes seguros eram capazes de manter uma comunicação familiar e reduzir o coping de evitamento diminuindo o impacto do stress. Estes estudos são consistentes com outros que sublinham a importância do apoio familiar (e.g. Armsden & Grenberg, 1987; Shulman, 1993). Os resultados mostram-se relevantes na medida em que permitem destacar o papel dos pais ou cuidadores primários, e

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que possivelmente tiveram efeitos na forma como os adolescentes lidam com os acontecimentos de stress no presente. Por outro lado, as conclusões deste estudo permitiram perceber o papel facilitador dos pais face ao estabelecimento de ligações seguras no grupo de pares (Allen & Land, 1999).

Seiffge-Krenke e Beyers (2005), por sua vez, têm vindo a abordar a temática do coping de forma sistemática, tentando examinar as diferentes trajectórias do coping e as implicações desta variável ao longo do desenvolvimento dos adolescentes. Usando uma amostra de 112 participantes, apresentam um estudo longitudinal iniciado em adolescentes com 14 anos de idade e terminando sete anos depois já com jovens adultos. Neste estudo foram avaliados os estilos de coping em cinco momentos distintos, segundo a nomenclatura descrita por Seiffge- Krenke (1995), onde se inclui o coping activo, o coping interno e o coping retractivo; complementando-se com a descrição das experiências de vinculação precoce mediante a Adult Attachment Interview (George et al. 1985). Os resultados mostraram-se mais uma vez consistentes com o modelo de Lazarus e Folkman (1984), demonstrando a importância da qualidade das ligações criadas com os cuidadores primários e o desenvolvimento futuro.

Desta forma, adolescentes seguros apresentaram competências de coping marcadas por um aumento do coping interno ao longo do tempo, ao mesmo tempo que se constatou um decréscimo do coping retractivo comparativamente com os adolescentes inseguros. Estas diferenças foram também relevantes na medida em que adolescentes seguros tenderam a usar mais o coping activo quando comparados com adolescentes desligados. Os jovens seguros ainda tenderam a usar mais o coping interno quando comparados com os adolescentes preocupados. Estes resultados mostram-se coerentes tendo em conta que indivíduos que sentem a sua família e amigos enquanto apoiantes estão mais disponíveis para usar estratégias activas. Note-se que as estratégias de coping activo em adolescentes seguros, pareceram aumentar de forma paralela às estratégias de coping interno, reforçando a ideia de que representam estilos de coping adaptativos. Por outra parte, apesar de haver um progresso do coping interno no grupo dos desligados, a ausência de progresso face ao coping activo, poderia, segundo os autores, interferir nos resultados positivos futuros. Quanto aos preocupados, apesar de manifestarem um desenvolvimento do estilo de coping activo semelhante aos seguros, o seu progresso encontrou-se limitado devido à ausência de segurança

e desapontamento com o apoio que sentem por parte dos demais (Seiffge- Krenke & Beyers, 2005).

As conclusões finais retratam a ideia das diferenças relevantes nas trajectórias do coping ao longo do desenvolvimento dos indivíduos e dos diferentes estilos de vinculação. Consistentemente com a teoria da vinculação, estes resultados apresentam evidências de que os adolescentes seguros procuram apoio e reflectem sobre as possíveis soluções, tornam-se frequentemente mais competentes quando lidam com varáveis stressoras, da adolescência até à adultícia. Por outro lado, mudanças nos estilos de coping ao longo do tempo sugerem que os adolescentes inseguros não estão tão disponíveis para procurar apoio nos outros e usam estratégias de retraimento quando confrontados com factores de stress. Este facto permite perceber, embora não admita traçar conclusões de causalidade, que adolescentes inseguros assumem o risco de obterem resultados desadaptativos, já que os estilos de coping usados podem não originar a redução dos factores de stress (Seiffge-Krenke & Beyers, 2005).

Numa perspectiva crítica, note-se todavia que muitos estudos não permitem clarificar de forma precisa os efeitos da qualidade da vinculação na variável do coping, na medida em que tornam demasiado determinista a forma como os sujeitos são percebidos quanto à vinculação, considerando os indivíduos apenas “dentro” de um protótipo. Não podemos pois deixar de ressaltar que os sujeitos seguros e inseguros não mantêm essas características permanentemente, variando segundo a circunstância relacional e contextual. Esta ideia vai ao encontro do modelo bidimensional de Bartholomew, já que a pureza de protótipos não existe, deixando adivinhar uma percepção da vinculação dos indivíduos marcada pela variância e, por isso, mais realista.

Mas se o processo de vinculação é fundamental para o desenvolvimento do coping no decurso da adaptação psicossocial, a literatura sugere a importância que os factores pessoais e contextuais trazem a este conceito. Compas (1987) aponta para a necessidade de perceber as noções de stress e coping durante a adolescência, compreendendo os recursos, estilos e esforços de coping no adolescente segundo o enquadramento no seu contexto pessoal e social. Nesta medida Ryan-Wenger (1992) e Peterson (1989) apoiam a ideia de que os stressores dos jovens dizem respeito a situações com os pais, outros membros da família, professores, ou outras situações que saem fora do seu controlo directo, sendo mais difíceis de ser modificados pelo jovem. Peterson (1989) considera que o nível de desenvolvimento cognitivo também

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influencia a utilização de determinadas estratégias, requerendo uma avaliação e definindo os parâmetros do evento stressante tais como a intensidade, potencial, duração e ainda a probabilidade de uma nova ocorrência do evento. Nesta medida para Boekaerts (1996), os adolescentes utilizam uma diversidade de respostas de coping consoante os diferentes domínios (escolar, familiar e social), podendo também ser agrupadas em estratégias amplas de coping que apresentam relativa estabilidade temporal. Para os adolescentes tanto as estratégias “focadas no problema” como as “focadas na emoção” são importantes para a adaptação face ao stress; ambas as formas podem co-existir, não sendo necessariamente incompatíveis. Por outra parte, autores como Heckhausen e Schulz (1995) têm vindo a fazer referência à idade, sugerindo que as competências necessárias para usar o coping “focalizado na emoção” emergem em diferentes pontos do desenvolvimento, tendendo a aparecer na adolescência, e não na infância, dado que as crianças não têm consciência dos seus próprios estados emocionais e ainda não são capazes de auto-regular as suas emoções.

Por outro lado, existem outras variáveis significativas para o bem estar emocional dos jovens que se repercutem na forma como estes lidam com as barreiras. A auto-estima, tal como será descrito mais adiante, representa um indicador da qualidade relacional nos primeiros tempos de vida, já que a consideração positiva de si, fruto das relações próximas e responsivas dos pais, potenciam jovens mais confiantes e, por isso, mais capazes de se voltar para o exterior, experimentar ou pedir ajuda, desenvolvendo um coping activo. Muitas hipóteses são levantadas admitindo que uma elevada auto-estima opera como uma espécie de fonte capaz de fazer com que haja um menor sofrimento ou uma recuperação mais rápida face a estes eventos (e.g. Arndt & Goldenberg, 2002). De acordo com esta perspectiva, quando existem elevados níveis de stress, os jovens com elevada auto-estima apresentam maior disponibilidade para procurar e gerir estratégias com vista à resolução das dificuldades. Facilmente se percebe que a auto-estima está largamente associada à segurança que os jovens parecem trazer da qualidade das suas ligações, mostrando uma relação estreita com o desenvolvimento de competências de coping, especialmente estratégias de coping adaptativo.

Estudos realizados por Dell’Aglio e Hurtz (2002) revelam a interacção entre os participantes e o evento stressor (pares ou figuras de autoridade), portanto entre o tipo de relação mantida pelo adolescente e o evento, tendo sido encontradas relações significativas entre o tipo de interacção e as estratégias de coping utilizadas. Em eventos cujos

intervenientes eram adultos, os jovens denotaram, na sua maioria, estratégias de aceitação e expressão emocional, enquanto que nos eventos com os pares (irmãos e colegas), as estratégias revelaram mais acção agressiva e maior procura de apoio. Destacamos que o uso de agressividade é um modelo frequente utilizado na resolução das dificuldades. Estas condutas podem ser encaradas como estratégias de sobrevivência, adaptação ao grupo ou ascensão social para os adolescentes (Meneghel, Giugliano & Falceto, 1998). Muitos estudos demonstram que adolescentes percebidos como agressivos são mais populares face a adolescentes tidos como “bons”, com sucesso académico e sensíveis às necessidades dos demais, frequentemente rotulados como efeminados, experimentando uma grande perda de popularidade (Rodkin, Farmer, Pearl & Acker, 2000). Por outro lado, o facto dos adolescentes exibirem estratégias de evitamento para com os adultos é extremamente relevante, já que os jovens em algumas das suas relações parecem perceber os eventos de forma incontornável, com menor margem de acção, menos disposição para o diálogo e negociação.

Estes resultados foram também apoiados por outros investigadores (Lisboa, Koller, Ribas, Bitencourt, Oliveira, Porciuncula & De Marchi, 2002) cujos estudos associaram as estratégias de coping e os stressores dos jovens com os colegas e professores. Os resultados revelaram que a estratégia mais usada com os colegas foi a procura de apoio dos pais, irmãos mais velhos, primos, professores, direcção da escola, etc; enquanto que a estratégia usada para lidar com dificuldades com os adultos foi o “não fazer nada”, entendido pela percepção das consequências negativas dos seus procedimentos e o sentimento de ausência de negociação. Nesta medida, e ao encontro do que referimos anteriormente, o coping nos jovens deve também ser entendido como situacional para além de disposicional, dando importância às características da situação stressora em paralelo às características pessoais (Dell’Agio, 2000).

Posto isto, o coping à luz da perspectiva situacional e pessoal deve ser encarado como um processo cognitivo que se modifica em função do tempo, das características e estilos pessoais e da situação de stress na qual o adolescente se encontra envolvido. As reacções ou o tipo de estratégias de coping utilizadas dependem das exigências objectivas, das avaliações subjectivas e da interacção do adolescente na sua esfera emocional e ambiental. A eficácia e a adaptabilidade das estratégias de coping são determinadas de acordo com a pessoa, as suas relações, a situação, o tempo e os resultados da resposta (Beresford, 1994).

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