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Vicissitudes no Processo de Vinculação do Adolescente

2. Transições na vida familiar do adolescente

2.1. O divórcio e a esfera relacional do adolescente

2.1.2. Factores pessoais

Tal como os factores externos, as características individuais podem ser significativas na forma como os jovens lidam com o stress que a separação parental acarreta. Existem muitas características pessoais que potenciam maiores capacidades para desenvolver processos de coping8, entre eles a personalidade dos jovens. Em conformidade com os chamados “temperamentos resilientes” que referimos no início deste capítulo, também se constata que jovens com um temperamento flexível aperfeiçoam a adaptação depois da transição familiar (Hetherington, Stanley-Hagan & Anderson, 1989; Ruschena, Prior, Sanson & Smart, 2005; Smith & Prior, 1995). Um temperamento positivo também tem sido correlacionado com os estilos de coping, apresentando estes estrategias de coping activo mais eficazes (Lengua & Sandler, 1996; Sandler, Tein, Mehta, Wolchik & Ayers, 2000). Por outro lado, frequentemente se constata alguma vulnerabilidade nos jovens que apresentam problemáticas de adaptação antes do divórcio (Block, Block & Gjerde, 1986). Estas manifestações de dificuldades de ajustamento emocional, assim como problemas de comportamento, levam a que jovens expostos a mudanças e conflitos interparentais possam manifestar níveis mais elevados de desadaptação pessoal. A este propósito, Kasen, Cohen, Brok e Hartmark (1996) apresentam estudos longitudinais examinando a personalidade dos jovens antes das situações de divórcio, constatando que a imaturidade e as dificuldades em lidar com a frustração acarretavam problemas comportamentais e elevados níveis de ansiedade, traduzindo assim um elevado risco face ao divórcio. Estes autores propõem, ainda, que o aumento de responsabilidade face à vivência da família monoparental leva a que os jovens possam ser conduzidos a um crescimento social demasiado rápido.

Esta questão prende-se também com a idade dos jovens aquando do divórcio. Vários autores apontam para as diferenças encontradas na reacção dos jovens ao divórcio dos pais em

8Coping entendido como a construção de estratégias no sentido de uma adaptação a circunstâncias adversas, assim como pelo

função da sua idade (Ruschena et al., 2005). Neste sentido, sublinha-se, antes de mais, que não existe uma idade que pareça proporcionar imunidade aos jovens face ao impacto do divórcio. Contudo, estudos longitudinais reforçam a ideia de que o impacto pode afectar em maior intensidade adolescentes mais jovens. A forma como os adolescentes integram a notícia de separação depende da sua maturidade psicológica e emocional, assim como da qualidade relacional mantida pelos cônjuges.

Nesta medida na pré-adolescência constata-se um sentimento de tristeza, revolta, abandono e não-aceitação, o que leva, por vezes, os jovens a manifestarem um desinteresse e insucessos escolares, alterações de comportamento e dificuldades de relacionamento com os pares. Já na adolescência a separação é sentida como uma experiência dolorosa, desencadeando revolta, raiva e tristeza. Apesar de tudo, os adolescentes parecem estar mais preparados para perceber o ponto de vista dos pais e lidar melhor com a situação quando comparados com as crianças, muito embora tal acarrete custos, já que existe uma desidealização não só dos pais como da relação do casal. Existe uma “pseudo-autonomia” e uma preocupação financeira. Esta questão é notória especialmente no processo de separação, muito embora continuem a haver bastantes dificuldades em lidar com as alterações da estrutura familiar, económica e relacional, ao mesmo tempo que existem limitações a nível de recursos cognitivos para fazer face às alterações do divórcio (Allison & Furstenberg, 1989; Poussin & Matin-Lebrun, 1997; Zill et al., 1993).

No que concerne ao género dos jovens, existe alguma controvérsia que rodeia o tema do divórcio. Tal como foi referido no início, os primeiros estudos referentes ao impacto do divórcio nos adolescentes reportavam uma preponderância nos pré-adolescentes do género masculino enquanto elementos mais susceptíveis de apresentar desajustes emocionais, associados a alterações de comportamento (externalização de comportamentos como a agressividade e impulsividade). Por outro lado, especulava-se que as raparigas poderiam apresentar maiores dificuldades na fase da adolescência (internalização de comportamentos como a retirada, depressão e ansiedade). Nas últimas décadas, algumas meta-análises apontam para o facto destas diferenças não serem notórias (e.g. Amato & Keith, 1991; Kasen et al., 1996; Zill et al., 1993) estando a adaptação dos jovens de ambos os géneros mais dependente da relação afectiva estabelecida com os pais.

Capítulo I I – Vicissitudes no Processo de Vinculação do Adolescente

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Ainda no que respeita a factores pessoais, cabe-nos apontar a importância do estabelecimento de ligações para além do seio familiar, nomeadamente, as ligações com o

grupo de pares. Na fase da adolescência, e tal como temos vindo a apontar ao longo deste

trabalho, a relação de pares pode ser especialmente importante, sendo possível que os adolescentes que beneficiam de maior apoio dos pares manifestem um maior ajustamento aquando do divórcio (Lustig, Wolchik & Braver, 1992). Note-se que a qualidade destas relações são pautadas por sentimentos de pertença que funcionam enquanto elementos integrativos do adolescente, especialmente no seu crescimento pessoal, permitindo desenvolver a sua autonomia e auto - confiança. São fundamentais no aumento da auto-estima e no desenvolvimento de competências sociais dos jovens, contudo este apoio não parece ser tão relevante no desenvolvimento dos processos de coping face aos efeitos negativos associados às vivências do divórcio (Wolchik, Ruehlman, Braver & Sandler, 1989). Rodgers e Rose (2002) apresentam um estudo com 2114 adolescentes de famílias divorciadas entre os 11 e os 17 anos de idade sublinhando a importância do papel do apoio dos pares enquanto moderador do baixo apoio parental e da internalização de sintomas. Note-se que estes estudos sugerem que as amizades mais próximas dos pares são de facto importantes, no entanto não tomam a relevância que a ajuda dada por um adulto (da família ou fora dela) pode fazer face ao processo de coping especialmente quando existem elevados níveis de stress familiar (Lustig, Wolchik & Braver, 1992).