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Vicissitudes no Processo de Vinculação do Adolescente

1. Risco, vulnerabilidade e resiliência na adolescência

1.2. Reorganização do processo de vinculação e os efeitos da qualidade das relações

Tal como tem vindo a ser referido, ao longo do desenvolvimento do adolescente o processo de vinculação toma contornos cada vez mais organizados e complexos. Estas representações provêm de experiências vivenciadas, em especial face à activação do sistema de vinculação mediante a interacção com as figuras afectivamente significativas. Neste sentido em muitos casos a desorganização de vinculação dos jovens move-se em função de experiências negativas na relação com as figuras cuidadoras primárias que potencialmente recriam nos jovens sentimentos de insegurança. Figuras indisponíveis (seja por factores pessoais, sociais ou circunstanciais como no caso do divórcio ou separação, entre outros) levam à criação de um vazio incondicional que conduz a uma reorganização interna (seja ela positiva ou negativa) nos adolescentes.

Todavia, em muitos casos constata-se uma adaptatividade por parte dos jovens, que são capazes de ultrapassar estas dificuldades e traçar uma trajectória de vida satisfatória. Esta perspectiva permite introduzir um conceito de extrema relevância na reorganização do processo de vinculação, que se designada, como atrás descrito, por processo resiliente. Trata- se de um processo dinâmico envolvendo uma interacção entre o risco e factores de protecção, internos e externos do indivíduo que actuam para modificar o efeito de determinadas circunstâncias da vida (Olsson, Bond, Burns, Vella-Brodrick & Sawyer, 2003).

Neste sentido, apesar da maior ou menor existência de vulnerabilidade, os factores de risco podem interferir no desenvolvimento do processo de vinculação dos jovens. Todavia também é certo que o percurso de vida, em especial a qualidade das relações que as crianças e jovens vão construindo, pode facilitar o enfrentar do risco. Tal como tem vindo a ser referido, não só a relação estabelecida com as figuras primárias, mas também a qualidade da vinculação aos pares e ainda outras figuras significativas potenciam a reorganização dos modelos

internos, permitindo criar estratégias de confronto que podem conduzir ao crescimento pessoal. Estes adolescentes designam-se pois resilientes, não por possuirem uma capacidade inata e permanente, mas porque tiveram a possibilidade de desenvolver um processo que lhes permite gerir as dificuldades e o risco de forma positivamente adaptativa (Taylor & Wang, 2000).

Face à noção de risco abordada inicialmente, pretendeu-se explorar alguns factores de ordem, pessoal, familiar e social que pudessem contribuir para ultrapassar as dificuldades e conduzir o processo de adaptação psicossocial dos adolescentes.

1.2.1. Factores Protectores

A literatura tem vindo a descrever factores capazes de funcionar enquanto protectores, aumentando a resistência às situações de risco, prevenindo, evitando ou diminuindo as dificuldades em ultrapassar barreiras. Rutter (1999) sublinha, no entanto, que ao contrário do que estes estudos têm vindo a explorar, os factores de vulnerabilidade não apresentam uma relação linear com os factores protectores, sendo esta dinâmica bem mais complexa. Por outras palavras, as trajectórias que os jovens assumem não dependem tanto desta causalidade directa, mas sim de uma rede complexa de interacções onde os factores de risco e de protecção estão inerentes. Assim, resulta pertinente apontar alguns dos factores que se consideram protectores para uma trajectória adaptativa dos adolescentes, entre eles as características individuais dos jovens, a qualidade das relações estabelecidas no seio familiar ou fora deste e, características de ordem sócio-económica.

Neste sentido Lighezzolo e De Tychey (2004) apontam para a existência de

componentes individuais que podem facilitar o desenvolvimento do processo resiliente,

nomeadamente a orientação social positiva, um quociente intelectual elevado, e crenças adequadas face a comportamentos socialmente valorizados. O desenvolvimento de competências sociais e de resolução de problemas (problem solving) também aparece descrito em alguns estudos como associado a adolescentes considerados resilientes (Herrenkohl, Herrenkohl & Egolf, 1994; Kandel, Mednick, Kikegaard-Sornson, Hutchings, Knop, Rosemberg & Schulsinger, 1988; Masten, Garmezy, Tellegen, Pellegrini, Larkin & Larsen, 1988; Seifer, Sameroff, Baldwin & Baldwin, 1992; Werner, 1989). Por outro lado, Werner e Smith (1992) sugerem que um temperamento positivo (temperamento também designado

Capítulo I I – Vicissitudes no Processo de Vinculação do Adolescente

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resiliente), implicando um conjunto de traços relacionados com uma elevada auto-estima, autonomia e desenvolvimento de competências sociais, aumenta a escolha de respostas positivas funcionando, deste modo, enquanto factor promotor da resiliência.

Sandler, Ayers, Wolchik, Tein, Kwok e Haine (2003) confirmam o facto de factores

de natureza familiar e social, para além de factores individuais, funcionarem enquanto

protectores face a situações de risco que o adolescente enfrenta. Nesta medida, assumem que aspectos de ordem familiar são relevantes, pela qualidade da relação estabelecida com as figuras cuidadoras, pela inexistência de conflitos interparentais ou antecedentes psiquiátricos dos pais, assim como maus-tratos físicos ou psicológicos. Fergusson e Lynskey (1996) sugerem que a natureza da relação de vinculação com os pais resulta num importante factor potenciador de resiliência. Estudos longitudinais apontam, especificamente, para o facto de que uma boa relação de apoio, com pelo menos uma das figuras parentais, pode funcionar como protectora face a efeitos adversos na relação familiar (Bradley, Whiteside, Mundfrom, Casey, Kelleher & Pope, 1994). Ao mesmo tempo, um grande número de factores tem vindo a ressaltar a importância das relações estabelecidas fora do seio familiar. Jenkins e Smith (1990) examinam a importância dos factores protectores no comportamento dos jovens, sugerindo que uma boa relação com adultos fora do seio familiar e o envolvimento em actividades que traduzem um reconhecimento positivo, podem actuar como factores protectores reduzindo o risco em jovens que vivem em famílias com relações interparentais conflituosas. Mais ainda, a qualidade da relação com o grupo de pares, muitas vezes entendida na literatura como uma verdadeira relação de vinculação6, representa um importante suporte para os jovens, potenciando o desenvolvimento de competências sociais, autonomia, confiança e empatia nas relações. Werner (1989) assume que estas relações são potenciais fontes de resiliência conferindo modelos positivos de desenvolvimento nos jovens, criando um meio favorável à auto-realização e auto-estima, factores que incrementam a adaptação face ao risco.

Os factores de ordem sócio-económica jogam também um papel relevante no sentido em que criam oportunidades experienciais e protegem face a elementos externos que limitam o

6 A relação com o grupo de pares é entendida por muitos autores como um reflexo das relações estabelecidas com

as figuras cuidadoras e ao mesmo tempo um ensaio para as relações afectivas que se irão estabelecer no futuro. Neste sentido, apesar de haver alguma labilidade nestas relações, especialmente no início da adolescência, numa etapa mais tardia, embora nunca substituindo as representações das figuras parentais, elas podem assumir verdadeiros contornos de procura de proximidade e porto seguro, pela duração e intensidade da relação, sendo uma ponto de passagem da dependência para a separação-individuação que confere um estatuto de maior autonomia aos adolescentes (Fleming, 2005, para uma revisão).

desenvolvimento social e organizacional. Esta questão remete, mais uma vez, para os conceitos de vulnerabilidade e risco, já que um meio desfavorecido sob o ponto de vista dos limites e paralelamente dos factores económicos pode alterar a trajectória desenvolvimental dos jovens. Note-se contudo que esta questão toma relevância quando se assiste à inexistência de uma base segura capaz de proporcionar competências para um desenvolvimento resiliente.

Egeland, Carlson e Sroufe (1993) apontam a pobreza e as condições precárias como factores condicionantes ao desenvolvimento adaptativo dos jovens, muito embora não sejam determinantes face à presença de factores relacionais que conferem segurança. Nesta medida, assume-se que as variáveis externas representam um factor importante; contudo neste estudo dá-se especial relevância à qualidade das relações estabelecidas no seio familiar, com o grupo de pares ou outras figuras significativas enquanto factores securizantes e preventivos face aos factores de risco.

Todavia não se pode omitir que, apesar dos factores de risco e de protecção desempenharem um papel relevante para a compreensão do desenvolvimento da vinculação, trajectórias semelhantes podem originar diversos desfechos de vida (princípio da equifinalidade), assim como os mesmos desfechos podem provir de diferentes trajectórias (princípio da multifinalidade) (Cichetti & Rogosch, 1996), pelo que não se pode à partida prever o desenvolvimento futuro do adolescente face aos acontecimentos de vida adversos enfrentados (Epstein, 1973). Também é sabido que os novos cenários da vida do adulto, como as relações laborais ou as relações amorosas, podem constituir oportunidades para a definição de diferentes trajectórias e actualização de modelos de representação de si e dos outros.