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Vicissitudes no Processo de Vinculação do Adolescente

2. Transições na vida familiar do adolescente

2.1. O divórcio e a esfera relacional do adolescente

2.1.1. Factores estruturais e demográficos

Tal como apontámos anteriormente, o divórcio nem sempre resulta num ambiente pouco saudável para pais e filhos, já que ambos podem ganhar melhor qualidade de vida ao longo do tempo. A experiência de separação onde surge o stress inicial é necessária enquanto parte de um processo de luto face ao divórcio, onde as dificuldades emocionais são inevitáveis. Todavia o momento de perda na sua vertente mais ansiogénica (relativa à qualidade de vinculação, à hostilidade sentida e à ambiguidade face ao futuro) segue-se de um processo dinâmico marcado pela adaptação progressiva das figuras parentais e dos adolescentes.

Ao longo deste processo existem factores que se prendem com a forma como a separação é gerida e que podem ajudar os jovens a restabelecer o equilíbrio emocional de forma mais ajustada.

A decisão sobre a custódia dos filhos ao longo do processo de divórcio constitui um factor de relevância que tem vindo a ser tendencialmente gerido de uma forma cada vez mais adaptativa. Actualmente já é frequente observar uma custódia conjunta o que atenua os efeitos de uma separação abrupta das figuras parentais. Bauserman (2002) realizou uma meta-análise de 33 estudos, concluindo que a custódia conjunta parece apresentar melhores resultados de adaptação à situação de divórcio parental, onde as crianças manifestavam menos problemas comportamentais e emocionais, maior auto-estima e melhores índices de realização académica, pelo que o autor não encontrou diferenças significativas entre crianças de famílias intactas e divorciadas.

Contudo esta questão nem sempre foi tão clara. Buchanan, Maccoby e Dornbusch (1992, 1996) sugeriram que a custódia de adolescentes, quando mantida pela figura do pai, traduzia piores índices a nível de comportamentos desviantes aumentando os níveis de depressão dos adolescentes. Esta questão não se torna, no entanto, conclusiva dado que as circunstâncias inerentes à custódia (nomeadamente questões económicas, apoios pessoais e sociais) poderiam estar em jogo, podendo verificar-se de igual forma com a mãe. Por outro lado, uma revisão da literatura sobre as diferenças de género apontam para um favorecimento das raparigas que geralmente ficam na custódia da figura parental do mesmo género ao contrário dos rapazes (Zaslow, 1989). De acordo com alguns estudos, nem sempre esta hipótese é suportada; no entanto os resultados mais consistentes apontam para o facto das

raparigas demonstrarem uma maior adaptação psicossocial na custódia com a figura parental do mesmo género (Buchanan, Maccoby & Dornbusch, 1996) do que os rapazes. Em suma os resultados sobre qual das figuras parentais desenvolve o melhor papel de cuidador e com quem os adolescentes se sentem melhor não são conclusivos. Assumimos nesta perspectiva que possam haver factores mais relevantes para o bem-estar dos adolescentes, nomeadamente a qualidade da relação que desenvolvem com ambas figuras parentais, bem como a percepção de conflitos interparentais.

Por conseguinte, as evidências sugerem que a custódia conjunta pode ser uma opção positiva para os adolescentes, sempre que não existam elevados níveis de conflito (Buchanan et al., 1996; Luepnitz, 1986; Shiller, 1986; Wolchik, Braver & Sandler, 1985). Embora as figuras parentais sintam entre si algum ressentimento, o balanço entre o conflito e a cooperação relativamente à educação dos filhos, constitui um elemento fundamental para o ajustamento psicológico dos jovens. O facto de haver negociação das diferenças e de ser evitada a exposição dos jovens ao conflito evita a potenciação de problemas de ordem emocional e comportamental.

Buchanan e colaboradores (1996) referem ainda que elevados níveis de ajustamento se associam a adolescentes que despendem repartidamente o seu tempo em casa de ambas figuras parentais. Estes adolescentes são descritos como próximos na relação com ambos os pais, o que constitui um bom preditor de adaptação.

Quando não existe custódia conjunta, o tempo dispendido pela figura que não tem a custódia dos adolescentes parece desempenhar um papel relevante no sentido de colmatar os efeitos da separação. Quando a custódia dos jovens é mantida pela mãe, o contacto com o pai, quando não existe um conflito interparental elevado pode ser benéfico, proporcionando aos filhos oportunidades de partilha e sentimentos de cuidado paterno que lhes confere maior segurança. Assim, apesar de não haver uma relação significativa entre o número de horas que os adolescentes passam com a figura parental que não tem a custódia, um contacto frequente parece ser relevante para o ajustamento dos adolescentes, especialmente durante o primeiro ano após a separação parental. A falta de visitas da figura parental que não detém a custódia pode ser internamente percebida pelos adolescentes como desinteresse e rejeição, condicionando em certa medida a sua adaptação (Tamis-Lemonda & Cabrera, 2002). Geralmente esta separação parece ser mais acentuada na figura do pai que na maioria das

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vezes não detém a custódia dos filhos. Esta separação ressalta pela probabilidade de conduzir a uma diminuição da qualidade e da quantidade das interacções entre pai e filhos, o que por si pode acarretar a construção de vinculações inseguras. No estudo realizado por Moura (2005), a separação face ao pai, marcada pela ausência e não responsividade face às exigências dos filhos, parece ser um indicador particular de vinculações inseguras, desenvolvendo-se um modelo interno do outro negativo percepcionando essa figura como indisponível e não confiável (no caso do protótipo desinvestido), e ainda um modelo interno de si negativo considerando-se uma pessoa pouco amada e apreciada (protótipo preocupado).

Por outro lado, a restruturação familiar constitui um factor que pode interferir na forma como se mantém a qualidade da relação com as figuras parentais. Warshak (2000) sugere que as dificuldades de ajustamento dos adolescentes (geralmente mais jovens), que são confrontados com o recasamento dos pais, se associam a sentimentos de revolta e rejeição, sendo comparada permanentemente a figura parental ao novo companheiro.

Em contraste, Amato (2000) reporta benefícios positivos do recasamento para os adolescentes (funcionando enquanto factor protector), especialmente se a relação mantida com as figuras parentais é harmoniosa e sempre que a nova relação estabelecida tenha um carácter estável e duradouro. Zill, Morrison e Coiro (1993) sugerem que a relação positiva dos adolescentes com os companheiros dos pais é relevante para o ajustamento emocional, isto porque a presença de uma figura masculina não casada com a mãe pode resultar intimidatória para as raparigas, assim como uma ameaça para os rapazes, podendo potenciar uma tentativa de resolução dos conflitos mediante o desenvolvimento de comportamentos desviantes. Vuchinich (1991) refere alguma ambiguidade na aceitação de novos parceiros por parte dos adolescentes, especialmente das raparigas, quando se trata de uma figura masculina, devido à gestão das relações de autoridade e de confiança com este novo elemento, especialmente quando não há recasamento efectivo na nova relação estabelecida pelos pais. Quando há fragilidade na separação e os pais não lidam bem com o luto, então a susceptibilidade dos pais parece ser percebida pelos filhos que se encontram no dever de proteger os pais, o que dificulta a existência de novas relações futuras, reagindo da pior forma com o cônjuge com que vivem do que com aquele que visitam (Costa, 1994).

Outra questão que se torna pertinente na forma como a separação é gerida, constitui a

familiar, associando-se frequentemente a dificuldades adaptativas por parte dos jovens (Emery, 1999; Rodgers, 1996). A literatura faz referência às diferenças significativas para os pais que detêm a custódia dos filhos. Na sua maioria as mães que ficam com os filhos apresentam dificuldades iniciais no restabelecimento financeiro, especialmente quando a relação interparental é marcada por conflitos (Morrison & Ritualo, 2000). Por outro lado, para os pais que não detêm a custódia, o facto de existirem agora dois lares acarreta dificuldades económicas acrescidas, o que os obriga muitas vezes a trabalhar mais horas e implica menor tempo ou disponibilidade para acompanhar os jovens. Esta sensação de fragmentação pode trazer ao adolescente sentimentos de insegurança, já que se encontra exposto e dependente das decisões dos pais (Goodman, Emery & Hard, 1998).

Todavia apesar do divórcio na adolescência dos jovens poder interferir na sua vivência pessoal, pelas dificuldades de reorganização emocional, pelas limitações económicas e pelos prejuízos pessoais que isso acarreta no modo de vida dos adolescentes, a questão económica não parece ser um determinante para os potenciais efeitos negativos do divórcio (Wang & Amato, 2000). Neste sentido não existem evidências que o recasamento ou a manutenção do nível económico através da custódia parental evidenciem uma causalidade para um melhor ajustamento dos jovens (Buchanan, Maccoby & Dornbusch, 1996). Assim é importante ter em conta a questão económica enquanto factor relevante para perceber a forma como os jovens enfrentam as vicissitudes do divórcio, no entanto, existem muitas outras variáveis que podem ser condicionantes (Acock & Kiecold, 1989).

Um último aspecto que se torna pertinente incluir neste ponto são os sistemas de apoio

social. Na perspectiva de Hetherington (1997), surgem muitas vezes como importantes fontes

de apoio emocional tanto para as figuras parentais, como para os jovens que atravessam situações de maior vulnerabilidade afectiva e económica. Nesta medida, o apoio proporcionado pelos amigos e familiares pode aumentar a adaptação positiva dos adultos ao processo de divórcio, ao mesmo tempo que facilitam o desempenho dos papéis parentais para com os jovens. Os avós, tios, padrinhos são, muitas vezes, fontes importantes de apoio económico e especialmente emocional para os pais e para os jovens que se encontram nesta fase mais fragilizados (Lussier, Deater-Deckard, Dunn & Davies, 2002).

Por último, as escolas podem proporcionar aos jovens um ambiente caloroso, estruturado e previsível, proporcionando a sensação de segurança e estabilidade,

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especialmente em circunstâncias em que o ambiente familiar se encontra mais desorganizado. Nesta medida, a presença do grupo de pares bem como de professores e funcionários da escola disponíveis, podem ser relevantes potenciando a auto-estima, o desenvolvimento das competências sociais e o autocontrolo dos adolescentes.