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Adaptação Psicossocial na Adolescência

1. Coping e a vinculação nos adolescentes

1.1. Evolução conceptual do coping

O coping constitui um tema que tem vindo a despertar o interesse no plano da investigação das relações humanas. O seu objectivo aparece na literatura associado a diferentes estratégias utilizadas no sentido de uma adaptação a circunstâncias adversas, assim como ao esforço para lidar com situações stressantes.

Nesta medida, a noção de coping surge já no século XIX associada ao conceito de “defesa” largamente desenvolvido pela psicanálise. Os estudos realizados na época apontavam para uma associação com a psicopatologia e dependiam da avaliação dos processos inconscientes. O coping seria concebido enquanto correlato dos mecanismos de defesa, motivado interna e inconscientemente como forma de lidar com conflitos sexuais e agressivos (vide Vaillant, 1994). Contudo, eventos externos e ambientais foram sendo posteriormente incluídos como possíveis desencadeadores dos processos de coping. Assim, a ideia de que os indivíduos podiam apresentar estratégias habituais para lidar com situações ansiogénicas suscitou interesse, não só a nível dos investigadores ligados aos constructos dos mecanismos de defesa, mas também de investigadores que viriam a traçar uma nova linha de estudo através do coping e que propuseram modelos para distinguir as defesas “adaptativas” e “não adaptativas” (Bond, Gardiner, Christian & Sigel, 1983).

No séc. XX e a partir dos anos 60, uma grande parte dos investigadores direcciona-se para o estudo das chamadas “escalas de defesa” que fazem a distinção entre mecanismos de coping (actividades adaptativas) e mecanismos de defesa (actividades não-adaptativas) (Haan, 1963). De acordo com esta abordagem surge uma distinção clara entre estes dois componentes, já que ao contrário dos comportamentos defensivos, os comportamentos de coping deixam de ser rígidos, distorcidos da realidade e indiferenciados. Nesta medida, as estratégias conscientes de reacção face às situações de stress começam a ser conceptualizadas na nova literatura como respostas de coping (Haan, 1965).

Apesar das inúmeras influências e da polémica na classificação do coping, a formulação realizada por Lazarus marca uma nova linha de investigação, mais direccionada para as respostas cognitivas e comportamentais que habitualmente se utilizam na gestão de situações de stress. Esta nova tendência procurou enfatizar os componentes do coping e os seus determinantes cognitivos e situacionais (Suls, David & Harvey, 1996). A investigação passa a conceptualizar o coping como um processo transacional entre a pessoa e o ambiente, com ênfase no processo, tanto quanto em traços de personalidade (Folkman & Lazarus, 1985). Durante os anos 70 e 80, a investigação em redor do coping deixa de ter um carácter único e exclusivamente direccionado para o mundo interno e pessoal, passando a dar relevância também a factores contextuais. Desta forma, para além de factores de avaliação cognitiva e outros factores psicológicos (incluindo variáveis como a auto-estima e auto-

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eficácia), os factores ambientais passam a exercer um papel importante, onde se inclui o suporte social, financeiro ou mesmo as possibilidades educativas (Lazarus & Foulkman, 1980). Neste sentido, face às adversidades, o coping integra diversas formas de lidar com as transacções que ocorrem entre o indivíduo e o meio. Portanto não deve ser considerado um conceito unidimensional, mas sim multidimensional, descrito em termos de estratégias, tácticas, respostas, cognições e comportamentos que os indivíduos assumem nas interacções internas e externas.

Ainda relativamente ao coping e no sentido de aprofundar a sua compreensão, cabe- nos distinguir entre o que os investigadores denominam por estratégias de coping e estilos de coping. Os estilos de coping prendem-se mais frequentemente com características de personalidade ou com resultados de coping, enquanto as estratégias se referem a acções cognitivas ou de comportamento no curso particular de uma situação de stress. Considera-se que embora os estilos possam influenciar a variedade das estratégias de coping elegidas, tratam-se de fenómenos de cariz distinto com diferentes origens teóricas (Ryan-Wenger, 1992).

Ressalta-se que os estilos de coping não implicam, necessariamente, a presença de traços de personalidade que predispõem a pessoa a responder de determinada forma, mas sim uma tendência a responder de um forma particular quando confrontados com uma série específica de circunstâncias (Carver & Scheier, 1994).

Várias tipologias são apontadas para os estilos de coping. Miller (1981) destaca dois estilos de coping denominados monitorização (que implica estar alerta e sensibilizado para aspectos negativos da experiência) e desatenção (envolvendo a distracção e protecção cognitiva de fontes de perigo), fazendo referência ao estilo de atenção do indivíduo em situação de stress. Band e Weisz (1988) apontam, por outro lado, os estilos de coping primário e secundário, atendendo a que o primário implica um objectivo de lidar com situações ou condições objectivas, e o secundário envolve a capacidade de adaptação da pessoa às condições de stress. Os estilos de coping passivo e activo são ainda considerados por alguns autores (Billings & Moos, 1984; Holahan & Moos 1985; Seiffge-Krenke, 1995), sendo escolhidos enquanto grelha de análise ao longo deste estudo. O coping activo caracteriza-se por um esforço de aproximação ao stress, contornando as dificuldades, procurando ajuda ou apresentando soluções alternativas, enquanto que o coping passivo (ou não-activo) reflecte um

evitamento do foco de stress, manifestando uma internalização e retraimento que dificulta a adaptação positiva dos jovens.

Folkman e Lazarus (1985) enfatizam o papel assumido pelas estratégias de coping, reflectindo acções, comportamentos ou pensamentos usados para lidar com o stressor e assumindo que estas estratégias são passíveis de mudança ao longo dos momentos ou durante estágios de uma situação stressante. Por isso considera-se difícil a tarefa de predizer respostas situacionais a partir do estilo típico de coping de uma pessoa. São duas as estratégias de coping apontadas por Folkman e Lazarus (1980) que despertaram a atenção da comunidade científica. O “coping focado na emoção” (emotional-focused), que inclui estratégias que envolvem a auto-preocupação, fantasia e outras actividades relacionadas com a regulação afectiva, representa um esforço para regular o estado emocional que é associado ao stress, ou é o resultado de eventos stressantes. Estes esforços de coping são dirigidos a um nível somático e/ou ao nível de sentimentos, pretendendo reduzir a sensação física desagradável de um estado de stress. Já o “coping focado no problema” (problem-focused) envolve estratégias de resolução, reconceptualização e minimização dos efeitos das situações de stress. A função desta estratégia é alterar o problema existente na relação entre a pessoa e o meio que está a causar a tensão, podendo estar direccionada externamente (incluindo estratégias como negociar ou solicitar ajuda prática das pessoas) ou internamente (incluindo restruturação cognitiva, como por exemplo, a redefinição do elemento stressor). Assim, o uso de estratégias de coping focalizado no problema ou na emoção depende de uma avaliação da situação stressora em que o sujeito está envolvido (ver Lazarus & Foulkman, 1984, para uma revisão).

Actualmente o coping assume-se como um fenómeno que pode ser descrito por via introspectiva ou observacional, incluindo eventos internos ou estratégias activas, podendo ser definido como: “(…) um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais para gerir demandas específicas, internas ou externas (ou resultante do conflito entre elas) que sugerem situações de stress e são avaliadas como excessivas face aos recursos pessoais.” (Lazarus, 1991, p.112).

Esta definição implica que as estratégias de coping são acções deliberadas que podem ser aprendidas, usadas e descartadas. Logo, os mecanismos de defesa inconscientes e não intencionais, como a regresão, a negação ou o deslocamento, não podem ser considerados estratégias de coping. Cabe referir que existem três aspectos que são fundamentais na

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conceptualização do coping: (a) o coping não precisa de ser um acto “sucedido” mas um esforço para atingir o sucesso; (b) esse esforço não precisa de se manifestar necessariamente em comportamentos, mas pode também ser direccionado para as cognições; e (c) as avaliações cognitivas das situações stressantes são um pré-requisito para a iniciação do processo de coping (Schwarzer & Schwarzer, 1996).

Por outro lado, autores como Rudolph e colaboradores (1995) assumem que o episódio de coping faz parte de um processo que sofre influência de múltiplas variáveis. Existem por isso mediadores e moderadores que podem estar envolvidos o processo. Especificamente no coping os mediadores seriam, por exemplo, a avaliação cognitiva e o desenvolvimento da atenção, cuja característica principal é serem accionados durante o episódio de coping, em oposição aos moderadores que seriam pré-existentes (Rudolph, Denning & Weisz, 1995). Estes autores descrevem os moderadores como elementos relacionados com o conceito de recursos pessoais e socio-ecológicos de coping. Os recursos pessoais de coping seriam constituídos por variáveis físicas e psicológicas onde se inclui a saúde física, moral, crenças ideológicas, experiências prévias de coping, inteligência e outras características pessoais.

Após clarificar e operacionalizar o conceito de coping e a sua evolução, irão ser abordadas as implicações e associações deste factor na qualidade da ligação estabelecida pelos adolescentes.