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Tanta cobrança física e insatisfação nessa busca frenética em sempre perseguir o modelo ideal de beleza torna o corpo “o maior inimigo que alguém pode ter” (SANT’ANNA, 2014). Essa inquietude em embelezá-lo está atravessando uma época de ansiedade e descontentamento com o espelho, pois os corpos vistos nas mídias, nas academias ou mesmo a tentativa da Dove em mostrar “corpos reais” não são suficientes para a maioria da população que possui um corpo que não está no formato desejado e tão glorificado visto nas mídias. É importante perceber neste momento que o modelo de corpo na mídia é um, mas existem outros socialmente, outros padrões de corpos. Podemos ver nuances distintas, como por exemplo, o corpo sarado de uma funkeira é diferente de um corpo malhado de uma passista de escola de samba, e também é diferente de uma jovem que tem como exemplo um corpo de “panicat”, ou mesmo um corpo plus size deve possuir características que caibam dentro de medidas que socialmente são aceitas.

Percebemos que a imagem do corpo passa por discursos que sempre perambulam pelas questões sociais que o tempo todo estão em constantes mudanças, mas ao mesmo tempo sempre sendo controlada dentro das concepções de corpo e de beleza aqui explicitados, que estão pautadas em relações de poder, pois os discursos que fomentam e constroem esse entendimento estão ligados às relações históricas e culturais de uma sociedade.

Para darmos continuidade à discussão da ideia de corpo como inimigo, como algo a ser moldado para atingir uma forma padronizada, é preciso antes de mais nada entender o corpo como espaço de disputa, como espaço de inscrição da cultura. Michel Foucault, em seu livro "Vigiar e Punir", fala da domesticação do corpo, do desenvolvimento de um corpo dócil: “em qualquer sociedade o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõe limitações, proibições ou obrigações (FOUCAULT, 1997, p. 118).

Organizado em quatro partes, “o suplício”, “punição”, “disciplina” e “prisão”, nesse livro Foucault discorre sobre as práticas disciplinares usadas para a produção do corpo dócil. No processo de docilização, o corpo é o lugar que encena todas as disputas de poder que permeiam uma cultura.

Para Foucault, o corpo e a disciplinarização do mesmo estão no cerne de uma série de dispositivos de poder. Além disso, é importante pensar o corpo enquanto linguagem.

Em outro momento, Foucault, ao discorrer sobre a história da sexualidade, nos fornece pistas para entender como a normatização com o cuidado que o sujeito deveria ter com o próprio corpo foi sendo construído.

Portanto para entendê-lo, precisamos fazer toda esta retrospectiva história e social. Numa cultura que dita regras rígidas de comportamento e estilo de vida, o “cuidado de si” comporta uma série de imperativos e princípios que regem a construção do corpo dócil. Nesse contexto, não existe a consciência de um corpo mutável, frágil, sensível às mudanças da esquecida alma e beleza de espírito que falamos anteriormente, os cuidados com a espiritualidade já não são tão fortes como os cuidados com o corpo. Mas por outro lado as pessoas que não se encaixam dentro de um padrão social de corpo. A necessidade de aceitar o corpo vivido, o corpo que está fora do padrão magro e sarado, é a força motriz de uma série de discursos e projetos nas redes que irão compor o corpus de análise da presente pesquisa.

O movimento plus size surgiu inicialmente como uma questão de inclusão de vestuário para pessoas que usam números de roupa acima do 46. As mulheres volumosas e cheias de curvas (consideradas fora do padrão) se identificaram e aderiram ao movimento.

Gordinhas, gordas, cheinhas, curvilíneas, volumosas, GGs, BBW (big beautiful

woman) fazem parte deste universo denominado plus size que também é um movimento

a favor da aceitação do corpo grande, do corpo volumoso, seja este um corpo feminino ou masculino, sem pré-julgamentos e em defesa da diversidade de corpo. Como já dissemos, na cultura das mídias, as mulheres são sempre mais cobradas a manter um corpo dentro do padrão social mais do que os homens, mas isto não isenta os homens de sofrerem as pressões sociais e midiáticas em relação ao seu corpo. O movimento, como dissemos, tem como marco no Brasil a vinda da top model plus size Fluvia Lacerda.

Com a vinda de Fluvia, ganham espaço sites e blogs que discorrem sobre o tema e têm como público-alvo pessoas que se identificaram com o perfil mais cheio de curvas que até então não se encaixavam no perfil de beleza visto nas mídias impressas e televisivas. O “movimento plus size” é um discurso mais encontrado nas redes sociais. Sites, blogs e fanpages agregam pessoas e discutem sobre todos os assuntos desse mundo novo, desde moda, comportamento, mercado e a troca de informações de vivências e afetos. O plus size pode ser considerado um movimento de ordem social pois visa se incluir a um padrão mais diverso de corpo tanto no mercado como na comunidade, para que este corpo possa participar do cotidiano de uma vida, podendo se vestir com roupas

próprias para seu tamanho, ter a liberdade de poder usufruir dos benefícios de ter uma vida social e também melhorar a avaliação de si, ou seja a autoestima. O movimento procura descentralizar o foco do corpo magro e busca que este corpo gordo seja visto como parte integrante da sociedade

A conquista deste espaço tem uma importância social para a inclusão de corpos não midiáticos, pois, a partir daí, muitas empresas e lojas de departamento começaram a ver que existia um nicho de mercado que corresponde a 56% da população, e que estava esquecido. Lojas de departamento famosas no Brasil, como C&A, Marisa, Renner, Pernambucanas, se empenharam para acompanhar a moda de tamanho grande. Concursos de Miss Plus Size, desfiles de moda plus size, encontros nacionais de gordinhos e admiradores e principalmente estudos sobre esse novo público-alvo atualmente são não só um padrão de beleza, mas sim um estilo de vida.

Nesse capítulo, apresentamos os conceitos fundamentais que norteiam nossa dissertação, falamos sobre a história da beleza, mais especificamente sobre a construção dos padrões de beleza no Brasil, como o corpo foi influenciado por questões políticas, sociais e midiáticas. A mudança de comportamento feminino e sua emancipação social fez com que a mulher se igualasse ao homem no mercado de trabalho e na sua produtividade. Mas o corpo ainda está limitado e aprisionado à disciplinarização, aprisionado aos padrões sociais de beleza, sujeitando-se às configurações impostas pela mídia. Seu corpo torna-se seu inimigo. Os apelos em prol de um corpo mais tangível que foge às regras é mais visível nas artes e nas ruas ele é submetido às regras de docilização. Em 2009 com a abertura do mercado de roupas tamanhos grandes a exposição de um corpo fora do padrão ficou mais visível e este percebendo seu potencial diante a inúmeras dificuldades até então vividas. O movimento plus size toma forma, se estrutura e toma uma posição diante aos padrões sociais, mostrando assim que é também um corpo capaz de se inserir socialmente e que também é belo. Com a ajuda das redes sociais, o movimento plus size se organiza e se fortalece agregando corpos até então esquecidos pela sociedade.

O capitulo a seguir será dedicado a mostrar um panorama discursivo sobre o universo plus size em relação aos blogs e suas discussões, o mercado de moda plus size e as dificuldades que um corpo fora do padrão passa no seu cotidiano.

Figura 24: Top Model Plus Size Fluvia Lacerda

Gráfico da evolução de padrão de corpo feito pela estilista e professora da Universidade Anhembi Morumbi Regina Barbosa Ramos especialmente para esta

61   Evol u ção d as s ilh u etas ao l on go d o te mp o

20    -­‐  A  mulher  ainda  escondia  seu  corpo  com  roupas  sem  deixar   aparecer  a  silhueta  

30  /40  -­‐    Começa  a  exposição  do  corpo  na  praia  

50    -­‐  O  corpo  das  vedetes:  cintura  bem  marcada  e  curvas   60    -­‐  padrão  de  corpo  magro,  fino  e  pequeno  sem  curvas   70  -­‐    época  da  rebeldia,  as  poses  em  catálogos  de  moda  mudam  

90  -­‐  Top  Models   2010  barriga  negativa   2000  mulher  sarada   2015  plus  size  

CAPÍTULO 2

Neste segundo capítulo iremos discutir o tema plus size e sua relação na cultura. Assim, apresentamos um panorama do cotidiano do corpo gordo encontrado em várias linguagens, como redes sociais, mídia televisiva e revistas. Falaremos sobre eventos culturais e suas relações com o mercado e a moda, artes, sexo. Enfim, nossa proposta é traçar um panorama amplo que inclua, desde debates sobre o mundo plus size até as expressões de preconceito em relação aos obesos (gordofobia).

Nosso direcionamento de estudo é mais voltado para o gênero feminino, pois como já apontado no capítulo anterior, o corpo feminino é mais cobrado pela sociedade para seguir um padrão de beleza, conforme já apontado por Novaes e Sant’anna, portanto os discursos encontrados nos blogs são mais direcionados a este público. Lembraremos também que o corpo do homem não está excluído do panorama que iremos apresentar. O corpo gordo masculino aparece nos discursos de inclusão à medida que desenvolvemos os temas.

Para a análise de classificação de blogs usaremos Primo, para a elucidação das questões da busca e aceitação beleza e o corpo gordo Novaes e iremos nos apoiar nos estudos de Foucault sobre o corpo dócil. A questão da emancipação do corpo gordo em relação a sua sexualidade será vista pela perspectiva de Giddens e Costa. Para fecharmos o cenário, falaremos sobre preconceito.