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5. O DIREITO À SAÚDE NAS JURISPRUDÊNCIAS INTERNACIONAL E

5.2 Sistemas Regionais

5.2.3 Corte Europeia de Direitos Humanos

A Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) foi constituída em 1959 e tem sede em Estrasburgo (França). De acordo com seu site oficial, “é um tribunal internacional competente para se pronunciar sobre queixas individuais ou estaduais que aleguem violações

dos direitos civis e políticos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem”211.

Ou seja, diferentemente da Corte IDH, a CEDH admite o peticionamento de indivíduos, sendo, portanto, em nossa opinião, mais democrática, acessível e menos burocrática do que a Corte IDH.

210 Tradução livre de: “The Panchito López case representes a critical jurisprudential juncture for the Court, for

two reasons. First, it expressly extends the focus on health and guaranteed conditions of a dignified life to cover all persons, not only children, thereby squarely relocating the conventional protection from Article 19 (children) to Article 4 (life). In this sense, the measures of protection required for children in matters of health and education are recognized as no more than heightened obligations, or specialized accommodations, with respect to those required for all human beings, given children’s special vulnerability and crucial stage of development. This is vital since the preceding jurisprudence had appeared, inappropriately, to limit application of the rights to health and education to the status of being a child.” (MELISH, Tara J. ob.cit., p. 390).

211 Informação disponível em <http://www.echr.coe.int/Documents/Court_in_brief_POR.pdf>, acesso em 12 de

No que se refere à jurisprudência da CEDH em relação ao direito à saúde e acesso

a medicamentos, segundo Luke Clements e Alan Simmons212, há poucos exemplos de queixas

endereçadas à CEDH em razão do descumprimento do dever de fornecimento de serviços ligados à saúde.

Ainda segundo os citados autores, no caso Osman v. United Kingdom, a opinião preliminar da Comissão no que diz respeito à extensão da obrigação dos Estados foi a seguinte:

Se o risco à vida é causado por doenças, fatores ambientais ou por atividades intencionais de pessoas agindo fora da lei, haverá ampla gama de decisões políticas relacionadas, entre outras coisas, ao uso dos recursos estatais, o que caberá aos Estados-Contratantes decidir com base em seus objetivos e suas prioridades, desde que sejam compatíveis com os valores de sociedades democráticas e os direitos fundamentais garantidos na Convenção (...). A extensão da obrigação de tomar medidas preventivas pode, todavia, crescer em razão da iminência do risco à vida. Onde haja real e iminente risco à vida de uma pessoa ou grupo específico de pessoas, uma falha das autoridades estatais de tomar as medidas apropriadas pode expor uma violação judicial do direito de proteção à vida213.

No entendimento dos autores,

O efeito dessa abordagem é colocar no Estado o ônus de justificar a sua omissão, quando a falha representa um "risco real e iminente para a vida". A este respeito, pode-se argumentar que os princípios que norteiam a Convenção não são drasticamente diferentes dos encontrados em jurisdições como a Índia ou a África do Sul, que contêm proteção constitucional explícita aos direitos socioeconômicos, incluindo o direito a um tratamento de emergência. Na verdade, não é radicalmente diferente (dado o conjunto limitado de jurisprudência de Estrasburgo neste campo) da situação de países com constituições descaradamente liberais, como os Estados Unidos, onde, em Estelle v. Gamble foi decidido que a indiferença deliberada de graves necessidades médicas violaria a 'evolução dos padrões de decência" protegidos pela Oitava Emenda (que proíbe punições cruéis e incomuns). A Convenção, portanto, não faz mais do que refletir esses padrões comuns de decência214.

212 CLEMENTS, Luke; SIMMONS, Alan. European Court of Human Rights. In LANGFORD, Malcolm. Social

Rights Jurisprudence: Emerging Trends in International and Comparative Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 417.

213 Petição n.º 23452/95, divulgado pela Comissão em 1º de julho de 1997. Disponível em CLEMENTS, Luke;

SIMMONS, Alan. Ob.cit., p. 418.

214 Tradução livre de: “The effect of this approach is to place on the State the burden of justifying its failure to

act when that failure presents a ‘real and imminent risk to life’. In this respect, it could be argued that the starting point under the Convention is not dramatically different from that in jurisdictions such as India or South Africa with explicit constitutional protection for such socio-economic rights, including the right to emergency treatment. Indeed it is not radically different (given the very limited body of Strasbourg case law in this field) from the situation in countries with unashamedly negative constitutions, such as the United States, where in Estelle v. Gamble it was held that deliberate indifference to serious medical needs’ would violate the ‘evolving standards of decency’ protected by the Eighth Amendment (that forbids cruel and unusual punishments). It is therefore that the Convention does no more than reflect these emerging common standards of decency”. (CLEMENTS, Luke; SIMMONS, Alan. Ob.cit., p. 418.)

Por outro lado, os autores também afirmam que, em vários casos, a CEDH se mostrou hesitante em estabelecer que a Convenção Europeia de Direitos Humanos assegurasse o direito dos cidadãos a uma prestação positiva por parte do Estado no que se refere a fornecimento de medicamentos e insumos médicos.

Ou seja, a CEDH, diferentemente da Comissão e da Corte IDH, assegura a proteção aos direitos socioeconômicos apenas para garantir o básico. Nas palavras dos autores, o “decente”. Na prática, a CEDH é bastante liberal.

Por exemplo, no caso Nitecki v. Poland215, que dizia respeito a um sujeito com

uma doença crônica e fatal, discutia-se a obrigação da Polônia pelo fornecimento gratuito do

remédio em razão da impossibilidade do autor de pagá-lo216.

O entendimento da Corte foi no sentido de que a Polônia não poderia ser acusada de ter falhado com suas obrigações decorrentes do artigo 2 da Convenção Europeia de Direitos Humanos (direito à vida) pelo não fornecimento gratuito do medicamento.

Nesse sentido, vale transcrever o voto do Juiz-Presidente Erik Fribergh C. L. Rozakis:

Tendo em vista o tratamento médico e insumos oferecidos ao requerente, incluindo o reembolso da maior parte do custo do medicamento necessário, a Corte considera que o Estado requerido não pode ser considerado, nas circunstâncias especiais do caso concreto, inadimplente de suas obrigações nos termos do artigo 2 por não pagar os restantes 30% do preço da droga217.

No mesmo sentido é o caso Valentina Pentiacova and others v. Moldova218. Neste

processo, os autores, que sofrem de falência renal crônica, queixavam-se da falha do Estado da Moldávia em fornecer tratamento adequado a todos eles.

215 Petição n.º 65653/01, decisão de admissibilidade de 21 de março de 2002. Informação disponível em

CLEMENTS, Luke; SIMMONS, Alan. Ob.cit., p. 418.

216 Ressalte-se que a política da Polônia era de contribuir com 70% do custo do medicamento. O restante ficava a

cargo do paciente. Neste caso, o paciente não tinha condições de arcar com os 30% restantes do valor.

217 Tradução livre de: “Bearing in mind the medical treatment and facilities provided to the applicant, including a

refund of the greater part of the cost of the required drug, the Court considers that the respondent State cannot be said, in the special circumstances of the present case, to have failed to discharge its obligations under Article 2 by not paying the remaining 30% of the drug price.” Informação disponível no site: <http://echr.ketse.com/doc/65653.01-en-20020321/view/>, acesso em 13 de agosto de 2013.

A CEDH asseverou, neste caso, que o direito a um tratamento médico gratuito não era contemplado pela Convenção Europeia de Direitos Humanos. A CEDH apontou, ainda, que os autores requeriam que a Moldávia utilizasse seus recursos de forma extraordinária para contemplar seus tratamentos. A CEDH reconheceu o equilíbrio do Estado da Moldávia em assegurar os interesses dos requerentes e da comunidade como um todo e negou o pedido dos autores. Nesse sentido, o entendimento da Corte:

Embora seja claramente desejável que todos tenham acesso a uma gama completa de serviços médicos e medicamentos, a falta de recursos significa que há, infelizmente, nos Estados Contratantes muitas pessoas que não desfrutam disso, especialmente no caso de tratamento caro e permanente219.

Um caso similar é o Scialacqua v. Italy220. Neste caso, segundo o diagnóstico

médico, o paciente deveria realizar um transplante de fígado. Porém, em vez disso, o paciente realizou um tratamento com um fitoterapeuta, que se mostrou bem sucedido.

O paciente, então, requereu que o governo da Itália realizasse um reembolso pelo tratamento realizado, pedido este que foi negado em razão de a fitoterapia não estar listada como um procedimento médico regular.

A Comissão ponderou este caso no seguinte sentido:

Mesmo admitindo que o artigo 2 (...) pode ser interpretado como impondo aos Estados a obrigação de cobrir os custos de certos tratamentos médicos que são essenciais para salvar vidas, a Comissão considera que este dispositivo não pode ser interpretado como exigência aos Estados de fornecimento de custeio para medicamentos que não estão listados como medicamentos oficialmente reconhecidos221.

219 Tradução livre de: “While it is clearly desirable that everyone has access to a full range of medical services

and drugs, the lack of resources means that there are, unfortunately in the Contracting States many individuals who do not enjoy them, especially in the case of permanent and expensive treatment.” Informação disponível em CLEMENTS, Luke; SIMMONS, Alan. Ob.cit., p. 419.

220 Petição n.º 34151/96, decisão de admissibilidade datada de 1º de julho de 1998. Informação disponível em

CLEMENTS, Luke; SIMMONS, Alan. Ob.cit., p. 418.

221 Tradução livre de: “Even assuming that Article 2 (...) can be interpreted as imposing on states the obligation

to cover the costs of certain medical treatments of medicines that are essential in order to save lives, the Commission considers that this provision cannot be interpreted as requiring states to provide financial covering for medicines which are not listed as officially recognized medicines.” CLEMENTS, Luke; SIMMONS, Alan. Ob.cit., p. 418 e 419.

Por outro lado, encontramos exemplos de caso em que a CEDH adotou um

comportamento mais garantidor dos direitos fundamentais. Nos casos D v. United Kingdom222

e Bensaid v. United Kingdom223 a CEDH, em posicionamento idêntico ao adotado pela Corte

IDH, estabeleceu que constitui uma violação ao Artigo 3 (proibição de tortura) da Convenção Europeia de Direitos Humanos a deportação de pessoas portadoras do vírus HIV/AIDS que se encontrem no estágio terminal da doença, se, no país de origem dessas pessoas, não houver tratamento médico adequado.

Ou seja, o comportamento da CEDH, nesses dois casos, foi no sentido de estabelecer um padrão de vida basicamente “decente” aos autores, que já se encontravam em estágio terminal da doença. Deportá-los a Estados sem condições de realizar um tratamento médico adequado (ainda que paliativo) seria uma forma de tortura.