• Nenhum resultado encontrado

4. O DIREITO À SAÚDE NA JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA

4.2. Requisitos formais: legitimidade ativa e passiva

4.2.1 Legitimidade do Ministério Público

A respeito da legitimidade ativa para a propositura da ação em que se pleiteia o fornecimento gratuito de medicamentos, o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça já firmaram entendimento no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para propor a ação. Segundo o Ministro José Delgado, autor de voto nesse sentido:

Afasta-se de início a arguição de ilegitimidade ativa do órgão do Ministério Público. Verifica-se que a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, Tribunal a que na moldura da Constituição Federal se atribui a missão de uniformizar a aplicação do direito federal no país, vem de pacificar orientação no sentido da admissibilidade do patrocínio pelo Ministério Público de tais ações, mormente em hipótese de fornecimento de medicamento/insumos a pessoa economicamente hipossuficiente e ainda, como no caso “sub judice”, a pessoa idosa. Assim, dentre outros precedentes: “3. Constitui função institucional e nobre do Ministério Público buscar a entrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecer medicamento essencial à saúde de pessoa carente, especialmente quando sofre de doença grave que se não for tratada poderá causar, prematuramente, a sua morte. 4. O Estado, ao se negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo- se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível. 5. Pela peculiaridade do caso e, em face da sua urgência, há que se afastarem delimitações na efetivação da medida sócio-protetiva pleiteada, não padecendo de qualquer ilegalidade a decisão que ordena que a Administração Pública dê continuidade a tratamento médico. 6. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício de pessoa pobre144.

A matéria, inclusive, teve sua repercussão geral reconhecida em julgamento de

recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal145:

Está-se a ver a importância da matéria no que, ao primeiro exame, envolve não o individual, não o subjetivo delimitado, mas interesses difusos e coletivos. Não é demasia afirmar ser a saúde direito de todos e dever do Estado, conforme previsto no artigo 196 da Constituição Federal. Tenha-se presente competir ao Ministério Público, no âmbito das funções institucionais a serem desenvolvidas, promover o

144 STJ, REsp n. 837.591-RS, j. 17.08.2006, 1ª Turma, Rel. o Min. José Delgado. No mesmo sentido: “1. O tema

objeto do presente recurso já foi enfrentado pelas Turmas de Direito Público deste Tribunal e o entendimento esposado é de que o Ministério Público tem legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (art. 127, CF/88). 2. Nessa esteira de entendimento, na hipótese dos autos, em que a ação visa a garantir o fornecimento de medicamentos e lentes corretivas, há de ser mantido o acórdão a quo que reconheceu a legitimação do Ministério Público, a fim de garantir a tutela dos direitos individuais indisponíveis à saúde e à vida. Recurso especial improvido.” (REsp. 850.813-RS, 2ª Turma, j. 15.08.2006, Rel. o Min. HUMBERTO MARTINS).” Vale conferir, ainda: STF, Ag. Reg. RE n.º 271.286-8/ RS, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 12.09.2000, v.u..

inquérito e a ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos, além do patrimônio público social e do meio ambiente.

Cumpre ao Supremo definir se, na espécie – em que se busca compelir o Estado de Minas Gerais a proceder à entrega de remédios a portadores de certas doenças 0, o Ministério Público tem, ou não, legitimidade para a ação civil pública, valendo notar que se mostrarem indeterminados os indivíduos que necessitam dos medicamentos. A todos os títulos, admito a repercussão geral do tema, cuja base maior é, iniludivelmente, a Carta Federal.

Entendemos que, uma vez que compete ao Ministério Público a defesa “dos

interesses sociais e individuais indisponíveis”146, não há dúvidas de que é possível, sim,

defenda em juízo cidadãos que pleiteiam o fornecimento de medicamentos. Consideramos que, a princípio, a tarefa de defender em juízo as pretensões individuais dos cidadãos caberia

à Defensoria Pública147. Porém, tendo em vista os dispositivos constitucionais que

estabelecem as funções dessas duas instituições, a legitimidade ativa do Ministério Público para atuar nesses casos não é subsidiária, é concorrente. Ou seja, em cidades em que haja as duas instituições, qualquer uma das duas pode pleitear o fornecimento de medicamentos em ações individuais.

4.2.2 Responsabilidade solidária dos entes da Federação

Sobre o polo passivo, conforme tratamos no Capítulo 3, a responsabilidade, no que se refere ao direito à saúde, em geral, e, especificamente, ao fornecimento de medicamentos, é dos três entes da Federação.

Em diversos artigos148 a Constituição Federal dispõe sobre o assunto, não

deixando dúvidas ao interpretador. Ora, se a responsabilidade pelo cumprimento deste dever

146 “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incubindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” (grifos nossos).

147 “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incubindo-lhe a

orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”

148 “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas

que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (...)

imposto pela Constituição Federal é dos três entes da Federação, nada mais lógico do que poder figurar, no polo passivo da demanda, qualquer uma das esferas (federal, estadual/ distrital ou municipal).

O STF, em acórdão lavrado pelo Ministro Celso de Mello, já se manifestou nesse sentido:

O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar - políticas sociais e econômicas que visem garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República149.

Também nesse sentido já se manifestou por diversas vezes o Superior Tribunal de Justiça:

A autoridade coatora apontada na inicial tem legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, eis que de forma solidária participa do Sistema Único de Saúde (art. 4° da Lei 8.080/90). Assim, o “Sistema de Saúde tem como diretriz a descentralização, sendo que cada esfera de governo exerce uma direção única (artigo 198, inciso I, da Constituição Federal)” (fls. 49). Dessa forma, conforme aduzido pela douta Procuradoria Geral de Justiça, “é forçoso concluir que compete solidariamente ao Estado e aos Municípios o dever de fornecimento de todos os recursos de saúde aos cidadãos assistidos pelo Sistema único de Saúde SUS, máxime em localidades onde Estado e Município possuem gestão plena do sistema, como ocorre na hipótese dos autos.”. Ainda: “O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, estados-membros e municípios, de modo que, qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros150.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, aliás, já condenou em uma mesma ação os 3 entes da Federação – União, Estado de São Paulo e Municípios de Jundiaí e Santo

§1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

§2º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (...).” (grifos nossos)

149 STF, RE 273.834, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, v.u., j. 31.10.2000.

150 STJ, REsp 834.294-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, v.u., j. 05.09.2006. No mesmo sentido: “Há sem

dúvida um liame jurídico constitucional que liga a União, os Estados e Municípios no atendimento do programa de socialização da saúde de tal forma que os entes públicos políticos se entrosem, segundo a legislação citada, de tal forma a realizar de forma concreta o atendimento médico necessário aos casuisticamente necessitados” (Ap n.º 0002378-47.2011.8.26.0129, rel. Des. Ferraz de Arruda, 13ª Câm. de Dir. Púb., j. 15 de agosto de 2012).

André – a fornecerem o medicamento “Forteo” para tratamento de osteoporose primária severa151.

Em diversas ocasiões o Poder Judiciário, ao reconhecer a solidariedade entre os entes da Federação para a concessão de medicamentos para a população, afirma que não

haveria direito de regresso de um ente para o outro152. Data maxima venia, consideramos esse

entendimento equivocado, pelos motivos já explicados no capítulo 3.1.4.