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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ana Paula Guarisi Mendes Levada

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Ana Paula Guarisi Mendes Levada

O Direito à saúde e o acesso a medicamentos: um estudo comparativo entre as jurisprudências brasileira, internacional e estrangeira

Mestrado em Direito

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Ana Paula Guarisi Mendes Levada

O Direito à saúde e o acesso a medicamentos: um estudo comparativo entre as jurisprudências brasileira, internacional e estrangeira

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional sob orientação do Professor Dr. Antônio Carlos Mendes

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Banca Examinadora:

______________________________

______________________________

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Luiz Henrique Mendes e Cláudia Guarisi Mendes, pessoas que me inspiram todos os dias. A minhas queridas irmãs e amigas, Carolina Guarisi Mendes e Renata Guarisi Mendes. Aos meus avós, Orlando dos Santos Mendes e Wilma dos Santos Mendes e Nelson Guarisi e Maria Odete Bonassi Guarisi, pelo constante incentivo, amor e carinho. À minha bisavó, Olympia Úngaro Guarisi, exemplo de vida. Aos meus tios, tias, primos e primas, que completam essa família tão querida.

Ao meu marido, Filipe Antônio Marchi Levada, meu amor, por realizar tão cuidadosa revisão do trabalho e estar sempre disposto a discutir o tema, com ótimas sugestões. Agradeço ainda a meu sogro, Cláudio Antônio Soares Levada, que disponibilizou material essencial para as pesquisas.

Ao Professor Dr. Antônio Carlos Mendes, pela paciência e compreensão na orientação deste trabalho. À Professora Flávia Piovesan, meu primeiro e grande exemplo no direito constitucional, agradeço pelas preciosas sugestões de leitura. Ao Professor Vidal Serrano Nunes Júnior, pelo conhecimento transmitido durante as aulas.

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é analisar o direito à saúde, seu surgimento enquanto direito social, sua positivação em nossa Constituição Federal e sua previsão em organismos internacionais. Diante de uma perspectiva histórica do assunto partiremos para uma análise prática: a efetivação do direito à saúde no que toca ao fornecimento de medicamentos pelo Poder Judiciário, brasileiro e estrangeiro. Pretendemos traçar um estudo comparativo entre as jurisprudências brasileira e a estrangeira, com duas finalidades principais: (i) verificar as convergências entre o sistema brasileiro e diversos sistemas internacionais e estrangeiros e (ii) com o apoio da jurisprudência estrangeira, verificar quais são nossas falhas e em quais exemplos podemos nos amparar para melhorar nosso sistema de proteção ao direito à saúde.

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ABSTRACT

The aim of this dissertation is to analyze the right to health, its emergence as a social right, its positivization in our Constitution and its prediction in international organizations. Faced with a historical perspective of the issue, we leave for a practical analysis: the implementation of the right to health with regard to the supply of medicines by the Judicial Courts, in Brazil and abroad. We intend to draw a comparative study among Brazilian and many foreign jurisprudence, with two main purposes: (i) verify the convergence between the Brazilian system and various international and foreign systems and (ii) with the support of foreign jurisprudence, check what are our shortcomings and discover examples in which we can support to improve our system of protection of the right to health.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...10

2. O DIREITO À SAÚDE COMO UM DIREITO SOCIAL E FUNDAMENTAL...12

2.1. Conceituações necessárias...12

2.2. O surgimento dos direitos fundamentais nos planos interno e internacional...13

2.3. Os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988...17

2.4. As dimensões dos direitos fundamentais e o surgimento dos direitos sociais nos âmbitos interno e internacional...19

2.5. Os direitos sociais e o mínimo vital...24

2.6. Os direitos sociais e o princípio da reserva do possível: o caso alemão...29

3. A POSITIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: SUA PROTEÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NO ÂMBITO INTERNACIONAL...32

3.1. A proteção da saúde no direito brasileiro...32

3.1.1. A eficácia das normas constitucionais segundo a classificação de José Afonso da Silva...32

3.1.2. A saúde como um bem jurídico e a eficácia das normas que lhe dizem respeito...38

3.1.3. Os princípios constitucionais relacionados ao direito à saúde...40

3.1.4. Política brasileira de distribuição de medicamentos e a repartição de competência...43

3.2. As normas internacionais de proteção à saúde...49

4. O DIREITO À SAÚDE NA JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA BRASILEIRAS...56

4.1. Introdução...56

4.2. Requisitos formais: legitimidade ativa e passiva...57

4.2.1. Legitimidade do Ministério Público...57

4.2.2. Responsabilidade solidária dos entes da Federação...58

4.3. Requisitos para a concessão de medicamentos...60

4.3.1. Pré-requisito: comprovação do exaurimento das vias administrativas...61

4.3.2. 1º requisito: indispensabilidade do medicamento e/ou tratamento...62

4.3.3. 2º requisito: facilidade de acesso do medicamento no mercado interno...62

4.3.4. 3º requisito: confirmação da necessidade do medicamento e/ou tratamento...65

4.3.5. 4º requisito: prova inequívoca da impossibilidade econômica do paciente...66

4.4. Motivos para o indeferimento do pedido de fornecimento de medicamento...66

4.5. Fornecimento de medicamentos e outros insumos necessários...69

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4.5.2. Fornecimento de fraldas descartáveis e outros insumos necessários para

a manutenção da saúde ...69

4.5.3. Fornecimento de medicamentos de alto custo e tratamentos experimentais...71

4.6. Orçamento estatal, fornecimento de medicamento e separação de poderes...74

5. O DIREITO À SAÚDE NAS JURISPRUDÊNCIAS INTERNACIONAL E ESTRANGEIRA...82

5.1. Introdução às jurisprudências internacional e estrangeira...82

5.2 Sistemas Regionais...83

5.2.1 Comissão Interamericana de Direitos Humanos...83

5.2.2 Corte Interamericana de Direitos Humanos...88

5.2.3 Corte Europeia de Direitos Humanos...91

5.2.4 Corte Europeia de Justiça...95

5.3. Decisões judiciais estrangeiras...97

5.3.1 América Latina e Estados Unidos da América...97

5.3.2 África e Ásia...104

6. CONCLUSÃO...108

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1. Introdução

Os direitos sociais, também chamados de direitos fundamentais de segunda dimensão, surgiram no século XIX, com o fenômeno da industrialização. Traduzem a noção de igualdade e buscam assegurar o bem-estar social. Antes deles, vieram os direitos individuais e políticos, pensados inicialmente nas Revoluções Americana e Francesa. Somam-se a esSomam-ses, ainda, os direitos de terceira dimensão, que irradiam a noção de solidariedade. Todos esses direitos foram surgindo ao longo dos tempos, refletindo o desenvolvimento humano e os anseios das gerações passadas.

A proteção conferida aos direitos sociais na Constituição Federal de 1988 é feita de forma ampla e minuciosa, garantindo efetividade a suas normas. Foi a primeira vez que a essas normas foi conferida uma proteção tão detalhada. Na Constituição de 1934 esses direitos eram previsto de forma genérica e tinham pouca efetividade. Dentre os direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 estão a saúde, a educação, o trabalho e o lazer, dentre outros.

De fato, a saúde como direito social gera como consequência direta o dever do Estado de prover esse direito. E esse dever é ainda mais assegurado pelo fato de a norma ser considerada uma norma programática. Ou seja, o Estado tem o dever de elaborar políticas sociais visando à promoção, proteção e recuperação da saúde.

Veremos adiante que, independente dessa classificação, ela deve ter efetividade no caso concreto, uma vez que, em caso contrário, esvaziar-se-ia seu conteúdo. Esse é, como será demonstrado, o entendimento pacífico dos Tribunais, embora haja divergências doutrinárias a respeito do tema.

A questão da efetividade das normas programáticas tem como consequência o aumento das demandas judiciais. A população, com razão, quer fazer valer cada vez mais seus direitos previstos na Lei Maior. É nesse contexto que surgem questões complexas de serem resolvidas: de um lado, o apertado orçamento público e de outro os direitos (e anseios) da população.

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Analisaremos ainda, principalmente no Capítulo 4, que a sociedade civil, os especialistas e os governantes ainda não sabem qual deve ser o alcance da atuação do Poder Judiciário na efetivação de políticas públicas. Analisaremos casos complexos, como o fornecimento de tratamentos experimentais ou tratamento no exterior, pagos pelo Estado por determinação do Poder Judiciário.

Veremos que, na falta de critérios previamente estabelecidos, é o próprio Poder Judiciário que estabelece quais devem ser os requisitos para fornecimentos dos tratamentos médicos. Analisaremos ainda o impacto financeiro causado por essas demandas e quais as regiões do país responsáveis pelos maiores gastos.

Neste trabalho, pretendemos analisar algumas das questões mais complexas relativas ao fornecimento de medicamentos, a começar com a responsabilidade dos entes no custeio de tratamentos médicos. Pode ou não pode haver direito de regresso de um ente para outro? E por quê?

Analisamos a farta jurisprudência nacional produzida sobre o tema para desvendar quais são os requisitos necessários para a concessão de medicamentos comumente utilizados pelos julgadores. Veremos, todavia, algumas exceções a esses requisitos e em quais casos não são aplicados.

Indicaremos, também, alguns dos motivos que levam o Poder Judiciário a não fornecer determinados medicamentos e tratamentos médicos. Estudaremos, ainda, a necessidade de fornecimento gratuito de medicamentos de custos elevados. O fornecimento desse tipo de medicamento, deve-se ressaltar, é de competência da União, como estudaremos no Capítulo 3.

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2. O direito à saúde como um direito social e fundamental

2.1 Conceituações necessárias

Antes de adentrarmos na análise dos direitos fundamentais, sociais e do direito à saúde propriamente dito, apresenta-se uma breve conceituação desses direitos, os quais serão aprofundados mais adiante, neste capítulo.

Inicialmente, é importante ressaltar que a dignidade humana permeará todos os direitos e princípios que serão tratados neste item. Na doutrina, há discussão a respeito da natureza jurídica da dignidade humana, se um princípio ou um mero valor. Não se trata do

tema deste trabalho, mas é importante ressaltar que o instituto obriga, na medida em que a

dignidade humana é considerada pela Constituição Federal um dos fundamentos da República

(art. 1º). Pode-se conceituar a dignidade humana como sendo um princípio de respeito ao ser

humano, a impor seja tratado sempre como um fim em si mesmo, não como objeto de qualquer relação. Desta noção exsurgem os direitos humanos e fundamentais.

Os direitos humanos e os direitos fundamentais são um conjunto de direitos de proteção ao ser humano, individuais e políticos, sociais e coletivos. São direitos inalienáveis,

invioláveis e imprescritíveis e titularizados por todos os seres humanos. Pode-se afirmar que a

diferença entre os direitos humanos e os direitos fundamentais é o âmbito de incidência. Enquanto os direitos humanos são previstos para a ordem internacional, a que todos os países devem respeito, os direitos fundamentais incidem na ordem interna de cada país, podendo variar dependendo da cultura e costume de cada um.

Os direitos sociais, por sua vez, são os direitos fundamentais de segunda dimensão. São direitos que garantem uma atuação protetiva do Estado para com seus cidadãos, a fim de garantir o bem-estar social.

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É sobre cada um desses direitos, seu contexto histórico e sua evolução que trataremos neste capítulo.

2.2 O surgimento dos direitos fundamentais nos planos interno e internacional

Norberto Bobbio1, em A Era dos Direitos, sustenta que os direitos fundamentais

nasceram como especulações filosóficas de alguns homens iluminados e depois foram positivados na Declaração de Direitos da Virgínia em 1776 (EUA), na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão em 1798 (França) e, mais tarde, na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, de 1948.

Antes, porém, os direitos fundamentais, embora de forma embrionária, já constavam do cenário jurídico inglês. Mesmo não contando com uma constituição escrita, os ingleses já haviam incorporado a seu ordenamento vários direitos que posteriormente seriam

considerados fundamentais. Citamos, como exemplo disso, os seguintes atos: a Magna Charta

Libertatum de 1215, a Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689.

No entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet ocorreu que

na Inglaterra, tivemos uma fundamentalização, mas não uma constitucionalização dos direitos e liberdades individuais fundamentais. Ressalte-se, por oportuno, que esta fundamentalização não se confunde com a fundamentalidade em sentido formal, inerente à condição de direitos consagrados nas Constituições escritas (em sentido formal)2.

A positivação dos direitos fundamentais é atrelado, nas Declarações Francesa e Americana, ao respeito à liberdade, segurança e propriedade. Nesse momento histórico surge a primeira dimensão dos direitos fundamentais: os direitos individuais e políticos. Segundo a lição de Flavia Piovesan:

O discurso liberal da cidadania nascia no seio do movimento pelo constitucionalismo e da emergência do modelo de Estado Liberal, sob a influência das ideias de Locke, Montesquieu e Rousseau. Diante do Absolutismo, fazia-se necessário evitar os excessos, o abuso e o arbítrio do poder. Nesse momento

1BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus Editora, 1992, p. 127 e 128.

2SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na

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histórico, os direitos humanos surgem como reação e resposta aos excessos do regime absolutista, na tentativa de impor controle e limites à abusiva atuação do Estado. A solução era limitar e controlar o poder do Estado, que deveria se pautar na legalidade e respeitar os direitos fundamentais3.

Ingo Wolfgang Sarlet faz uma comparação entre as declarações americana e francesa e suas contribuições para os direitos fundamentais e humanos. Afirma que

Tanto a declaração francesa quanto as americanas tinham como característica comum sua profunda inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens, e não apenas de uma casta ou estamento. (...) A contribuição francesa, no entanto, foi decisiva para o processo de constitucionalização e reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais nas Constituições do século XIX. Cabe aqui citar a lição de Martin Kriele, que, de forma sintética e marcante, traduz a relevância de ambas as Declarações para a consagração dos direitos fundamentais, afirmando que, enquanto os americanos tinham apenas direitos fundamentais, a França legou ao mundo direitos humanos4.

Já a Declaração Universal de 1948 estabelece um 2º grupo de direitos fundamentais, quais sejam, os direitos econômicos, sociais e culturais. Como ensina a Professora Flávia Piovesan,

A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. (...) Além da universalidade dos direitos humanos, a Declaração de 1948 ainda introduz a indivisibilidade desses direitos5.

Notamos que a noção de dignidade já estava inserida nessas três declarações, a francesa, a americana e a da ONU. Na Declaração de Direitos da Virgínia, por exemplo, essa

noção é ligada ao direito de se gozar a vida e a liberdade e de se buscar e obter a felicidade6.

No mesmo sentido é a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1798, promulgada

3PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2012, p.

205.

4SARLET, Ingo Wolfgang. Ob. cit., p. 44. 5PIOVESAN, FLÁVIA. Ob. cit., p. 206.

6“Seção I. Todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e possuem certos direitos

(15)

na França. Assim como a declaração norte-americana, a declaração francesa ressalta os

direitos à liberdade, à igualdade e à felicidade7.

Por fim, a Declaração Universal de Direitos do Homem da ONU é o documento que explicita a necessidade de os povos respeitarem a dignidade humana. A dignidade permeia todo o texto e serve de fundamento para os direitos inseridos nessa declaração. Estudaremos o conceito de dignidade e sua inserção na Declaração Universal de Direitos do Homem mais profundamente no item 2.4 deste trabalho.

No que diz respeito às Constituições brasileiras, podemos notar que tanto a Constituição do Império (de 1824) quanto a Constituição Republicana de 1891, sob influências americana e francesa, previram somente os direitos civis políticos, ou seja, os direitos de primeira dimensão.

Os chamados direitos de segunda dimensão (direitos econômicos e sociais) só surgiram com a Constituição de 1934, que foi claramente influenciada pela Constituição de Weimar, de 1919, a qual atribuiu pela primeira vez ao Estado o dever de proteção ao trabalho e à saúde8.

7Já no preâmbulo encontramos presente a previsão de que essa declaração busca assegurar a felicidade geral: “Os

representantes do povo francês, constituídos em ASSEMBLEIA NACIONAL, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos Governos, resolveram expor em declaração solene os Direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres; a fim de que os actos do Poder legislativo e do Poder executivo, a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reclamações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. Por consequência, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:”. (grifos nossos). Os direitos à liberdade e à igualdade encontram-se presentes nos artigos 1º e 2º, a seguir transcritos: “Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. Artigo 2º- O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses Direitos são a liberdade. a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.” Versão traduzida para o português obtida em

<http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf>, acesso em 14 de junho de 2013.

8 Especialmente no que toca ao direito à saúde, dispunham os artigos 138, 140 e 141 da Constituição de 1934:

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Porém, foi a Constituição Federal de 1988 que conferiu a maior e mais efetiva proteção aos direitos fundamentais, tanto aos de primeira quanto aos de segunda e terceira dimensão. Sobre os direitos fundamentais nas Constituições brasileiras, cito análise feita pela Professora Flávia Piovesan:

Note-se que as Constituições anteriores primeiramente tratavam do Estado, para, somente então, disciplinarem os direitos. Ademais, eram petrificados temas afetos ao Estado e não a direitos, destacando-se, por exemplo, a Constituição de 1967, ao consagrar como cláusulas pétreas a Federação e a República. A nova topografia constitucional inaugurada pela Carta de 1988 reflete a mudança paradigmática da lente ex parte príncipe para a lente ex parte populi. Isto é, de um Direito inspirado pela ótica do Estado, radicado nos deveres dos súditos, transita-se a um Direito inspirado pela ótica da cidadania, radicado nos direitos dos cidadãos. A Constituição de 1988 assume como ponto de partida a gramática dos direitos, que condiciona o constitucionalismo por ela invocado. Assim, é sob a perspectiva dos direitos que se afirma o Estado e não sob a perspectiva do Estado que se afirmam os direitos. Há, assim, um Direito brasileiro pré e pós-88 no campo dos direitos humanos. O Texto Constitucional propicia a reinvenção do marco jurídico dos direitos humanos, fomentando extraordinários avanços nos âmbitos da normatividade interna e internacional9.

Estudaremos no item 2.3 os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, atendo-nos, por ora, às suas características principais.

A esse respeito, valemo-nos da lição de Vidal Serrano Nunes Júnior e Sueli

Gandolfi Dallari10, para quem os direitos fundamentais apresentam as seguintes

características: historicidade, universalidade, autogeneratividade, irrenunciabilidade, limitabilidade e possibilidade de concorrência.

Segundo os autores11, a historicidade reside no fato de que os direitos

fundamentais não frutificam de um arroubo legislativo ou de uma idealização teórica ocasional, mas constituem produto da história. Já a universalidade significa que os direitos fundamentais são destinados ao ser humano enquanto gênero, portanto, não podem ficar

restritos a um grupo, categoria ou classe de pessoas12. Ou seja, esses direitos resgatam a noção

de dignidade inerente a qualquer ser humano. Os direitos fundamentais são também

respectivas rendas tributárias.” Texto integral da Constituição de 1934 obtido em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm, acesso em 19/06/2013.

9 Piovesan, Flávia. Ob. cit., p. 89 e 90.

10 Dallari, Sueli Gandolfi; Nunes Júnior, Vidal Serrano. Direito Sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010, p.

38.

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irrenunciáveis, porque a possibilidade de renúncia negaria a natureza de fundamentalidade de tais direitos13.

A limitabilidade, por sua vez, significa que, em virtude da possibilidade de ocorrência do fenômeno da colisão de direitos, em que há o choque de posições subjetivas, os direitos envolvidos na colisão vão reciprocamente se impor limites, para que ambos subsistam

aplicáveis e efetivos na situação concreta14. Exemplo desse choque de direitos

especificamente na área da saúde se encontra na ADPF 54, que discutiu a possibilidade de antecipação terapêutica do parto em casos de fetos anencefálicos. Neste caso, houve o conflito do direito à saúde psicológica da mãe e o direito à vida do feto, concluindo-se que não deve ser considerado como crime de aborto a interrupção da gravidez de um feto anencefálico.

Por fim, a possibilidade de concorrência dos direitos fundamentais se dá porque um único titular, em um só momento, pode acumular o exercício de mais de um direito fundamental. Por exemplo, numa passeata, os integrantes estão exercendo, a um só tempo, o

direito de reunião e o direito de manifestação do pensamento15.

2.3 Os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988

A relevância da proclamação dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 pode ser sentida já em seu preâmbulo, que dispõe que o propósito da Assembleia Nacional Constituinte era o de “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

Nota-se claramente que o campo de direitos fundamentais foi alargado pela Constituição de 1988, que prevê, ainda, proteção aos direitos difusos e coletivos. Em comparação com as Constituições anteriores, a Constituição Federal vigente prioriza os direitos fundamentais, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana, que permeia todo o texto constitucional.

13 Idem, p. 41.

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Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988, a lição da Professora Flávia Piovesan é a de que:

Nesse sentido, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional. (...) Pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial, que lhe dá unidade de sentido. (...) Com efeito, a busca do Texto em resguardar o valor da dignidade humana é redimensionada, na medida em que, enfaticamente, privilegia a temática dos direitos fundamentais. Constata-se, assim, uma nova topografia constitucional: o Texto de 1988, em seus primeiroscapítulos, apresenta avançada Carta de direitos e garantias, elevando-os, inclusive, a cláusula pétrea, o que, mais uma vez, revela a vontade constitucional de priorizar os direitos e as garantias fundamentais16.

Vale notar, ainda, que o Constituinte se preocupou em conferir ampla efetividade a essas normas, para que não se tornassem letra morta no ordenamento. Nesse sentido, o artigo 5º, §1º, é claro em afirmar que as “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Veremos no Capítulo 4 que esse dispositivo constitucional exerce grande influência nas decisões judiciais brasileiras, servindo de fundamentação essencial para as decisões que autorizam o fornecimento de medicamentos à população.

Os direitos sociais ganharam um capítulo só para eles, diferentemente do que ocorria nas outras Constituições, que misturavam os direitos sociais com a ordem econômica. Em 1988 houve preocupação em ressaltar que a ordem econômica, tratada especificamente no Título VII, deveria observar princípios de cunho social para sua plena realização.

Na Constituição Federal existem dois critérios para a delimitação dos direitos fundamentais: um formal e outro material. Pelo critério formal, consideram-se direitos fundamentais aqueles que se encontram previstos no Título II da Constituição Federal (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), que abrange cinco capítulos: Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Dos Direitos Sociais, Da Nacionalidade, Dos Direitos Políticos, Dos Partidos Políticos.

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Quanto ao critério material, o art. 5º, § 2º. adota a chamada “cláusula de abertura material”, ao dispor que “direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Assim, mesmo fora da Constituição podem ser encontrados direitos fundamentais, desde que, com base no critério material apontado, assumam caráter essencial.

2.4 As dimensões dos direitos fundamentais e o surgimento dos direitos sociais nos âmbitos interno e internacional

Muito se fala sobre as três dimensões dos direitos fundamentais. Desde sua positivação nas Constituições americana e francesa, seu conteúdo passou por várias transformações. Na verdade, a existência de três dimensões de direitos fundamentais reflete a evolução do próprio direito, que está sempre em transformação. Novos direitos são reconhecidos e somam-se aos já existentes, em um processo de “expansão, cumulação e

fortalecimento”, de acordo com a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet17.

Como já afirmado, os direitos fundamentais de primeira dimensão são os direitos individuais e os direitos políticos. Os direitos individuais mais relevantes são o direito à vida, à propriedade, à liberdade (incluindo aqui a liberdade de expressão – de imprensa, de manifestação, de reunião, de associação etc) e o direito à igualdade. Já os direitos políticos mais citados são o direito ao voto e o direito de votar. Não podemos nos esquecer das

garantias processuais herdadas do direito inglês, tais como o devido processo legal, o habeas

corpus e o direito de petição.

Conforme lição do professor Vidal Serrano Nunes Júnior, o surgimento dos

direitos individuais está relacionado com o fim das monarquias absolutistas18. Ou seja, são

consequência do liberalismo, de cunho individualista19.

17 SARLET, Ingo Wolfgang. Ob.cit., p. 45. Aliás, justamente pelo fato de que novos direitos surgem para

somarem-se aos já existentes é que preferimos utilizar a expressão “dimensão” e não “geração”. Isso porque, em nosso entendimento, uma dimensão dá a ideia de uma plano que soma-se a e harmoniza-se com outro. Já a palavra “geração” traz consigo a ideia de substituição, o que não ocorre no caso dos direitos fundamentais.

18 No entendimento de Vidal Serrano Nunes Júnior, “(...) o pensamento humanista sufragou a necessidade de o

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De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet,

Os direitos fundamentais da primeira dimensão encontram suas raízes especialmente na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII (nomes como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant), segundo a qual, a finalidade precípua do Estado consiste na realização da liberdade do indivíduo, bem como nas revoluções políticas do final do século XVIII, que marcaram o início da positivação das reivindicações burguesas nas primeiras Constituições escritas do mundo ocidental20.

São os chamados direitos de defesa, os direitos “negativos”, porque resultam em uma abstenção por parte do Estado. Esses direitos “criam uma barreira” para a intervenção do Estado ao mesmo tempo em que concedem maior autonomia ao povo.

Durante o século XIX, com o fenômeno da industrialização e como consequência de um Estado excessivamente liberal, surgiram graves problemas econômicos e sociais que deram ensejo ao fortalecimento de uma doutrina socialista. Houve vários movimentos reivindicatórios ao redor do mundo, tornando-se possível o reconhecimento de direitos nunca antes previstos – que, agrupados, são chamados de direitos de segunda dimensão.

Os direitos de segunda dimensão irradiam a noção de igualdade, buscando garantir o bem-estar social. São os chamados direitos sociais, econômicos e culturais, tais como os direitos relacionados à seguridade social (direito à saúde, à previdência e à assistência social), o direito ao trabalho, o direito à educação, à cultura, ao desporto etc.

O modelo de Estado preocupado com o bem-estar social foi inaugurado no século XX, mais precisamente com a Constituição mexicana de 1917, que constitucionalizou a proteção ao trabalho, revelando a preocupação dos movimentos sociais da época com a

limitação do poder econômico nas relações de trabalho21.

denominação direitos individuais pretende claramente traduzir a ideia de direitos do indivíduo em face do Estado. Corresponde, em outras palavras, à afirmação de um dever de abstenção do Estado ante o âmbito de projeção das liberdades individuais.” In NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988 – Estratégias de Positivação e Exigibilidade Judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009, p. 44.

19 “Assim, fica desde já subentendida a ideia de que a primeira geração ou dimensão dos direitos fundamentais é

justamente aquela que marcou o reconhecimento de seu status constitucional material e formal”. SARLET, Ingo Wolfgang. Ob. cit., p.37.

20 Idem, p.46.

21 Nesse sentido dispõem os artigos 4º e 5º da Constituição Mexicana de 1917: “Art. 4º - Nenhuma pessoa será

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Logo após a promulgação da Constituição mexicana, em 1919, foi elaborada a Constituição de Weimar, que previu um rol mais amplo de direitos sociais. Os direitos sociais

protegidos pela constituição alemã são o direito à educação22, a previsão de que a economia

seria baseada nos princípios da justiça, com o objetivo de assegurar uma vida digna a todos os

cidadãos23, o direito à moradia24, a proteção ao trabalho25 e a proteção à saúde26.

comercio o trabajo que le acomode, siendo lícitos. (...)”. “Art. 5º - Ninguém poderá ser obrigado a prestar trabalhos pessoais sem a justa retribuição e sem seu pleno consentimento, salvo em caso de trabalho imposto como pena pela autoridade judicial (...)”. Tradução livre de: “Art. 5o.- Nadie podrá ser obligado a prestar trabajos personales sin la justa retribución y sin su pleno consentimiento, salvo el trabajo impuesto como pena por la autoridad judicial (...)”. Fonte: Texto original da Constituição mexicana de 1917. Em: <http://www.juridicas.unam.mx/infjur/leg/conshist/pdf/1917.pdf>. Acesso em: 19 abril 2013.

22 O Capítulo Quarto da Constituição de Weimar prevê, em seus artigos 142 a 150, uma ampla proteção à

educação, garantindo o acesso gratuito à arte, ciência e instrução, prevendo ainda que os Estados garantirão a proteção à educação (artigo 142). Já o artigo 143 da Constituição de Weimar prevê que a educação dos mais jovens deve necessariamente ser fornecida por instituições públicas e que a responsabilidade para sua criação é solidária – tanto do Reich como dos Estados e das comunidades – (artigo 143). O artigo 145, por sua vez, prevê a obrigatoriedade da educação por, pelo menos, 8 anos, até os 18 anos. Fonte: Constituição de Weimar de 1919. Em: <http://www.zum.de/psm/weimar/weimar_vve.php#Fourth Chapter : Education and School>. Acesso em: 17 abril 2013.

23 “Artigo 151. A economia tem de ser organizada baseada nos princípios de justice, com o objetivo de alcançar

vida digna para todos. Dentro destes limites a liberdade econômica do indivíduo é assegurada. (...)”. Tradução livre de: “Article 151. The economy has to be organized based on the principles of justice, with the goal of achieving life in dignity for everyone. Within these limits the economic liberty of the individual is to be secured. (…)”. Fonte: Constituição de Weimar de 1919. Em: <http://www.zum.de/psm/weimar/weimar_vve.php#Fourth Chapter : Education and School>. Acesso em: 17 abril 2013.

24 “Artigo 155. A distribuição e uso de bens imóveis devem ser supervisionados pelo Estado para prevenir

abusos e para trabalhar por uma habitação saudável a todas as famílias alemãs, especialmente aquelas com muitos filhos. Deve ser dada atenção especial aos veteranos de guerra na lei que versará sobre habitação, ainda a ser escrita. (...)”. Tradução livre de: “Article 155. The distribution and usage of real estate is supervised by the state in order to prevent abuse and in order to strive to secure healthy housing to all German families, especially those with many children. War veterans have to be given special consideration in the homestead law to be

written. (…)”. Fonte: Constituição de Weimar de 1919. Em:

<http://www.zum.de/psm/weimar/weimar_vve.php#Fourth Chapter : Education and School>. Acesso em: 17 abril 2013.

25 “Artigo 157. O trabalho desfruta de proteção especial pelo Reich. O Reich proverá legislação trabalhista

uniforme.”. Tradução livre de: “Article 157. Labour enjoys the special protection of the Reich. The Reich will provide uniform labor legislation.”. “Artigo 162. O Reich defende uma regulação internacional dos direitos dos trabalhadores que preserve um mínimo de direitos sociais para a classe trabalhadora da humanidade.” Tradução livre de: “Article 162. The Reich advocates an international regulation of the rights of the workers, which strives to safeguard a minimum of social rights for humanity's working class.” Fonte: Constituição de Weimar de 1919. Em: <http://www.zum.de/psm/weimar/weimar_vve.php#Fourth Chapter : Education and School>. Acesso em: 17 abril 2013.

26 “Artigo 161. A fim de manter a saúde e a capacidade de trabalho, a fim de proteger a maternidade e para evitar

(22)

Conforme exposto no item 2.1, o primeiro esboço de positivação dos direitos sociais, econômicos e culturais no direito constitucional brasileiro surgiu na Constituição de

1934, influenciada pelas Constituições Mexicana e de Weimar27. Porém, foi a Constituição de

1988 que previu, de forma ampla e detalhada, os direitos de segunda dimensão.

Em organismos internacionais, os direitos sociais foram pensados pela primeira vez na Declaração Universal de Direitos Humanos e positivados no Pacto Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, promulgado em 1966. De acordo com lição da Professora Flávia Piovesan:

Tal como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o maior objetivo do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi incorporar os dispositivos da Declaração Universal sob a forma de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes (...) mediante a sistemática da international accountability. Esse Pacto criou obrigações legais aos Estados-partes, ensejando a responsabilização internacional em caso de violação dos direitos que enuncia. (...) Este expande o elenco de direitos sociais, econômicos e culturais elencados pela Declaração Universal28.

Esse pacto traz a ideia de um mínimo vital, uma vez que seu art. 11 dispõe que “os Estados-Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida”.

Há outros Pactos, ainda, que preveem a proteção aos direitos fundamentais de segunda dimensão. São eles: a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial, de 1965, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, de 1979, e a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989.

27 Como exemplo, os artigos 115 a 143 dispunham sobre a “Ordem Econômica e Social”, garantindo a proteção

ao trabalhador nos artigos 123 a 125. Já o Título V (do artigo 144 ao artigo 148) cuidava da proteção à família, à educação e à cultura. O direito à saúde, porém, foi um tema negligenciado pela Constituição de 1934, que apenas previu a competência concorrente da União e dos Estados para cuidar “da saúde e assistências públicas” (artigo 10, inciso II, Constituição de 1934). Documento disponível no endereço eletrônico: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>, acesso em 27 de junho de 2013.

(23)

Para Inocêncio Mártires Coelho29, os direitos sociais são concebidos como instrumentos destinados à efetiva redução de desigualdades, segundo a regra de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

Assim, enquanto os direitos de primeira dimensão garantem aos cidadãos uma abstenção, uma não-interferência por parte do Estado no âmbito privado dos indivíduos, os

direitos de segunda dimensão garantem exatamente o oposto: uma prestação. Ou seja, o

Estado utiliza de seus instrumentos para garantir, por exemplo, o acesso à educação, à saúde, à moradia digna e a proteção ao trabalho.

Posição diferente adotam Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo, para quem os direitos sociais, ou seja, os direitos de segunda dimensão, apresentam faceta positiva (direito a prestações) mas também negativa (direito de defesa). Os autores exemplificam:

há que destacar que a Constituição de 1988 incluiu no seu rol de direitos sociais, típicos direitos de caráter negativo (defensivo), como dão conta, entre outros, os exemplos do direito de greve, da liberdade de associação sindical, das proibições de discriminação entre os trabalhadores (direitos especiais de igualdade)30.

Esses direitos trazidos pelos autores são direitos decorrentes do direito ao trabalho, o qual envolve prestação positiva por parte do Estado. Apenas se tirados de seu contexto é que constituem “direito de caráter negativo”, conforme sustentado. Em que pese a

respeitável opinião dos autores, podemos sim considerar, de um modo geral, que os direitos

de primeira dimensão são direitos de defesa; os de segunda, a prestações.

Por fim, os direitos de terceira dimensão são aqueles que trazem a noção de solidariedade entre os povos. Têm por objetivo o ser humano como parte da humanidade. Diferentemente dos direitos de primeira e de segunda dimensão, tais direitos destinam-se à proteção de grupos, possuindo titularidade coletiva ou difusa.

29 MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª. ed., rev., e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 759.

(24)

Os direitos mais lembrados são o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à qualidade de vida, ao patrimônio histórico e cultural e à comunicação. Conforme lição de Ingo Wolfgang Sarlet:

Cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais31.

Alguns desses direitos já se encontram positivados pela nossa Constituição Federal. Porém, em tratados internacionais a sua proteção é mais ampla e profunda.

Há autores ainda32 que abordam a quarta e quita dimensão de direitos

fundamentais, mas essas classificações fugiriam ao escopo deste estudo.

2.5 Os direitos sociais e o mínimo vital

Sobre o mínimo vital, afirma o professor Wagner Balera: “só há vida digna a

quem esteja assegurado um mínimo existencial”33. O que seria então esse mínimo existencial?

Antes de se chegar ao conceito de mínimo vital é imperioso delimitar o significado da expressão “dignidade humana”.

De acordo com a doutrina de Andreia Sofia Esteves Gomes, a dignidade humana surgiu como um ideal cristão. Somente nos séculos XVII e XVIII é que, segundo a autora, “assistiu-se a um processo de racionalização e laicização do conceito de dignidade da pessoa humana sem, contudo, se desconsiderar a nota de igualdade de todos os homens em dignidade

e liberdade”34.

31 SARLET, Ingo Wolfgang. Ob cit., p. 48 e 49.

32 Paulo Bonavides, em seu Curso de Direito Constitucional fala em quatro dimensões dos direitos fundamentais

e, em artigo publicado na edição de abril/ junho 2008 da Revista de Direitos Fundamentais e Justiça, defendeu que o direto à paz teria se deslocado da 4ª para a 5ª dimensão dos direitos fundamentais (BONAVIDES, Paulo. A Quinta Geração de Direitos Fundamentais. Revista de Direitos Fundamentais e Justiça Nº 3, abril/junho de 2008. p. 82 a 93). Disponível em <http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/3_Doutrina_5.pdf>, acesso em 27 de junho de 2013.

33 BALERA, Wagner. A dignidade da pessoa e o mínimo existencial. In MIRANDA, Jorge; da SILVA, Marco

Antonio Marques (coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 1342.

(25)

Dessa maneira, foi de extrema importância o pensamento de Immanuel Kant sobre o tema. Conforme ensina Andreia Sofia Esteves Gomes “para o filósofo alemão, o conceito de dignidade parte da autonomia ética do ser humano – é essa autonomia que fundamenta a dignidade do homem”. Para Kant, em sendo o homem um fim em si mesmo, não pode ser

tratado como objeto35.

A ideia de dignidade é um dos pilares da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e também da nossa Constituição de 1988. É a base para todos os artigos constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Já no Preâmbulo podemos notar a importância desse conceito na Declaração, ao dispor que a “dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o

fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...)”36.

A noção de dignidade humana encontra-se ainda expressa nos artigos I, XXII e

XXIII da Declaração37. Conforme lição da professora Flávia Piovesan, com a promulgação da

Declaração Universal dos Direitos Humanos

fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Prenuncia-se deste modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania38.

Na Constituição Federal, por sua vez, a dignidade humana aparece logo no artigo 1º como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Isso demonstra a importância que a noção de dignidade humana terá em todo texto constitucional.

35 GOMES, Andreia Sofia Esteves. Ob. cit., p. 25.

36 In Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em:

<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em 24 de abril de 2013.

37 “Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e

consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”. “Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.” “Artigo XXIII – (...) 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. (...)”.In Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em 24 de abril de 2013.

(26)

Assim como na Constituição brasileira, na Constituição portuguesa o princípio da dignidade humana aparece no texto constitucional antes mesmo dos direitos fundamentais. Podemos considerar então que a noção da dignidade humana, assim como na Declaração Universal dos Direitos Humanos, permeará toda a Constituição e servirá de base para todos os direitos fundamentais. Nesse sentido é o entendimento de Andreia Sofia Esteves Gomes, para quem

O facto de não podermos considerar a dignidade da pessoa humana um direito fundamental[no sentido de não estar enumerada entre eles] não significa que seja menos do que um direito fundamental; na verdade, significa o oposto: o princípio da dignidade da pessoa humana – com a dimensão objectiva que lhe reconhecemos – encontra-se num plano superior aos direitos fundamentais, sendo fundamento e critério do respectivo catálogo, ao qual confere unidade de sentido39.

Ainda de acordo com lição de Andreia Sofia Esteves Gomes, dispositivos semelhantes encontram-se nas constituições da Bélgica, da Finlândia, da Alemanha, da Grécia, da Espanha, da Colômbia, da Romênia, de Cabo Verde, da Rússia, da África do Sul,

da Polônia e do Timor Leste40.

Estudando os conceitos de dignidade humana, mínimo vital e ainda o conceito de salário mínimo, podemos ver que há forte ligação entre essas três ideias. De fato, a doutrina analisa quais componentes da vida social proporcionam a dignidade humana. Dentre eles, percebemos que os mais recorrentes e que merecem maior destaque são: a liberdade, o trabalho, a moradia, a saúde e a educação.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 assim tratou o salário mínimo em seu artigo 7º:

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

39 GOMES, Andreia Sofia Esteves. Ob. cit., p. 29.

40 É que, segundo a autora, “o princípio da dignidade da pessoa humana – como princípio que fundamenta a

(27)

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Também o Decreto-lei n.º 5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho) regulamenta o salário mínimo, em seu art. 76:

Art. 76 - Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.

Ou seja, o salário mínimo é a retribuição básica devida ao empregado capaz de assegurar sua dignidade e proporcionar condições mínimas para sua sobrevivência.

De acordo com Wagner Balera, a noção de mínimo vital surge “como questão central para os direitos humanos, no sentido de que só assim estará prestigiado o valor da

dignidade da pessoa humana, a da garantia de um mínimo de subsistência para todos”41.

Na Constituição Federal, a noção de mínimo existencial está ligada ao conceito de Assistência Social, uma vez que o artigo 203, inciso V, prevê que:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Assim, um dos objetivos da Assistência Social (que, por sua vez, juntamente com a Saúde e com a Previdência, compõe a Seguridade Social) é assegurar a todos o mínimo necessário para uma existência digna.

Wagner Balera traça ainda um apanhado histórico sobre o mínimo existencial. Segundo ele, essa noção surgiu em 1795, com a implementação do chamado “Speenhamland

System” na Grã-Betanha42.

(28)

Após essa formulação inicial, Thomas Paine apresenta uma conceituação teórica

da questão43. Porém, segundo Wagner Balera, a conceituação moderna de mínimo existencial

foi trazida por John Rawls no livro “Uma Teoria da Justiça”. Segundo o autor,

Rawls lançou as bases de um procedimento que conduz à equidade entre as pessoas, de modo que cada qual obteria um resultado mais justo ou menos injusto. Seria necessário garantir, a cada um, mínimas condições materiais de existência. (...) Com essa concepção, o mínimo pode ser considerado o ponto a partir do qual a política social será desenvolvida em favor daqueles que não se situam em condições igualitárias de concorrência na vida social44.

Lição do professor Vidal Serrano sintetiza muito bem o conceito de mínimo existencial. Para ele, o mínimo vital deve ser entendido como “o dever do Estado,

caudatariamente ao princípio da dignidade humana, garantir a todos um standart social

mínimo incondicional”45.

Assim, no entendimento do professor Vidal Serrano, como “standart social

mínimo incondicional”, demais políticas públicas que o governo queira implementar só

poderão ser realizadas quando satisfeito o mínimo vital46.

É necessário frisar, porém, que esse standart mínimo não deve ser confundido

com um mínimo necessário para garantir a sobrevivência física do ser humano. Como dissemos, o mínimo vital está intimamente relacionado com o conceito de dignidade humana. Não é, portanto, apenas garantindo a sobrevivência da população que o Estado estará assegurando o mínimo vital. Como dissemos, a alimentação balanceada deve vir junto com

42 Segundo o autor, “essa nova lei dos pobres, mediante casuísmos, suplementava os salários de fome que os

camponeses percebiam. Seu referencial era o preço do trigo, que havia sido majorado em excesso naquela época em decorrência da má colheita, do aumento da população e das guerras. A suplementação era proporcional ao número de filhos, e o custeio se concretizava através de uma taxa cobrada dos melhor aquinhoados”. BALERA, Wagner. Ob. cit., p. 1354. Apud SUPLICY, Eduardo Matarazzo, Renda de Cidadania A Saída é pela Porta. São Paulo: Cortez, 2002.

43 Para ele, “cada adulto teria direito a uma quantia que lhe garantisse a sobrevivência pelo simples fato de cada

homem ter nascido como herdeiro natural da terra que, no entanto, lhe fora expropriada pelo sistema da propriedade priva”. Id, ib.

44 Ob. cit., p. 1355.

45 NUNES JR., Vidal Serrano. Ob. cit., p. 70.

46 Para ele “(...) a teoria do mínimo vital impõe a preservação material do ser humano, assegurando-lhe

(29)

trabalho digno, educação e saúde de qualidade, além de outros direitos socioeconômicos

assegurados a todos47.

Estudaremos no item a seguir a teoria da reserva do possível e o conflito com o princípio do “mínimo existencial”. Porém, como veremos, em nosso entendimento, esses dois conceitos se complementam, uma vez que a teoria da reserva do possível não pode ser utilizada para casos que envolvam o mínimo existencial. Ou seja, a teoria da reserva do possível deve resguardar o mínimo existencial.

2.6 Os direitos sociais e o princípio da reserva do possível: o caso alemão

O caso que deu origem à teoria da reserva do possível foi o acórdão do Tribunal

Constitucional Alemão BVerfGE 33, 30348. Foram decididos, em grau de recurso, dois casos

idênticos de controle concreto de constitucionalidade, apresentados pelos Tribunais Administrativos de Hamburgo e da Baviera.

O objeto desses casos era a regulamentação para a admissão no ensino superior de medicina nas Universidades de Hamburgo e da Baviera, as quais restringiam o número de

estudantes admitidos em razão da capacidade de absorção das universidades49.

O acórdão considerou ser constitucional a imposição de limites à admissão de calouros se determinadas após o uso exaustivo das capacidades de ensino e desde que a escolha e distribuição dos candidatos entre as vagas disponíveis seja feita com base em critérios objetivos, conferindo-se a todos candidatos iguais chances de ingresso.

Nesse contexto surge a teoria da reserva do possível, que limita o que o indivíduo pode, objetivamente falando, exigir da sociedade para efetivação de seus direitos fundamentais. A esse respeito se pronunciou o Tribunal Constitucional Federal Alemão:

47 Nesse sentido é o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo, para quem “a

dignidade da pessoa humana somente estará assegurada – em termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade – onde a todos e a qualquer um estiver garantida nem mais nem menos do que uma vida saudável.” (SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Ob.cit., p. 24).

48In MARTINS, Leonardo (org.); SCHWABE, Jürgen (coletânea original). Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevideo: Konrad-Adenauser, pp. 660 e 661.

49 Segundo o acórdão, “o § 17 da Lei Universitária de Hamburg, de 25 de abril de 1969, determinava: (1) A

(30)

Mesmo na medida em que os direitos sociais de participação em benefícios estatais não são desde o início restringidos àquilo existente em cada caso, eles se encontram sob a reserva do possível, no sentido de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade. Isso deve ser avaliado em primeira linha pelo legislador em sua própria responsabilidade. Ele deve atender, na administração de seu orçamento, também a outros interesses da coletividade, considerando, conforme a prescrição expressa do Art. 109 II GG, as exigências da harmonização econômica geral (grifos nossos).

A teoria da reserva do possível parte da premissa da finitude do orçamento estatal. É impossível abranger todas as necessidades dos cidadãos com referido orçamento. Assim, a teoria da reserva do possível estabelece que devem ser preservados, com os recursos disponíveis, os direitos fundamentais, essenciais para toda a população viver com dignidade.

Nesse sentido entende o professor Vidal Serrano Nunes Junior:

A teoria em análise parte do pressuposto de que as prestações estatais estão sujeitas a limites materiais ingênitos, oriundos da escassez de recursos financeiros pelo Poder Público, Logo, a ampliação da rede de proteção social dependeria da existência de disponibilidades orçamentárias para tanto50.

Chama atenção o contexto em que a teoria da reserva do possível nasceu, na Alemanha. Enquanto no Brasil as autoridades públicas evocam-na como argumento para não conceder vagas em creches municipais a crianças carentes, na Alemanha da década de 1970 discutia-se o acesso a vagas em faculdades públicas de medicina.

Nota-se que, por Alemanha e Brasil apresentarem realidades socioeconômicas radicalmente distintas, o que se entende por “mínimo” nos dois países difere radicalmente. Consequentemente, as pretensões judiciais apresentadas pelos seus cidadãos são muito diferentes. Sobre isso, o professor Vidal Serrano Nunes Junior já se pronunciou no sentido de que

nessa trilha, partindo-se do pressuposto de que cada constituição trabalha com realidade socioeconômicas distintas, não raro radicalmente diferentes, é razoável que se entenda que cada país tenha um caminho diferente a trilhar nesta matéria. Em outras palavras, a noção de bem-estar social certamente estará influenciada pelo contexto político, social, cultural e econômico de cada Estado51.

50 NUNES JR., Vidal Serrano. Ob. cit., p. 172.

51 Idem, p. 73. Também nesse sentido é a lição de Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo, para

(31)

Como veremos no Capítulo 4, o princípio da reserva do possível é o principal argumento utilizado pela Administração Pública para o não fornecimento de medicamentos.

Porém, na quase unanimidade dos casos relacionados ao fornecimento de medicamentos52, o

Poder Judiciário entende que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado para este fim.

Nesse sentido é a lição de Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo, para quem:

O que tem sido, de fato, falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social. Assim, levar a sério a ‘reserva do possível’ (e ela deve ser levada a sério, embora sempre com as devidas reservas) significa também, especialmente em face do sentido do disposto no artigo 5º, § 1º, da CF, que cabe ao poder público o ônus da comprovação da falta efetiva dos recursos indispensáveis à satisfação dos direitos a prestações, assim como da eficiente aplicação dos mesmos53.

Porém, para os mesmos autores, uma melhor aplicação dessa teoria é utilizá-la como garantia dos direitos fundamentais. Para eles, a teoria da reserva do possível

também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflito de direitos, quando se cuidar da invocação – desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais – da

econômica e financeira, mas também no concernente às expectativas e necessidades do momento.” (SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Ob. cit., p. 21).

52 Na jurisprudência brasileira, as exceções encontradas diziam respeito a medicamentos não tidos por essenciais,

como o Viagra, por exemplo (“O Sistema Público de Saúde possui recursos limitados, circunstância que impõe o estabelecimento de um critério de prioridades que não pode contemplar a aquisição e o fornecimento de medicamentos que não sejam indispensáveis à saúde do paciente.” TJSP, Ap. n.º 0040338-57.2010.8.26.0554, 10ª Câm. de Dir. Público, rel. Des. Paulo Galizia, j. 16/04/12, v.u.). Nestes casos, entendeu-se não se estar diante de direito à saúde, não havendo fundamento para a concessão do medicamento.

53 SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Ob. cit., p. 32. Também nesse sentido

(32)

indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental54.

Compartilhamos desse entendimento, uma vez que o direito à saúde é um direito primordial do cidadão, decorrente do direito à vida. Assim, o princípio da reserva do possível deve ser considerado pelo Poder Judiciário somente em casos que não comprometam o mínimo vital, conforme já previsto em sua formulação original pelo Tribunal Constitucional

Alemão55-56.

3. A positivação do direito à saúde: sua proteção na Constituição Federal de 1988 e no âmbito internacional

3.1 A proteção da saúde no direito brasileiro

3.1.1 A eficácia das normas constitucionais segundo a classificação de José Afonso da Silva

Antes de estudarmos a eficácia dos dispositivos constitucionais que asseguram o direito à saúde, é necessário expor, ainda que brevemente, a classificação de José Afonso da Silva a esse respeito. Acreditamos que a classificação de José Afonso da Silva seja a que melhor se encaixa ao sistema constitucional brasileiro.

54 SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Ob. cit., p. 30.

55 “O TCF asseverou várias vezes que os direitos fundamentais, como normas objetivas, estatuem igualmente

uma ordem axiológica que vale como decisão constitucional fundamental para todas as áreas do Direito, e que, por isso, os direitos fundamentais não são apenas direitos de resistência (Abwchrrechte) do cidadão contra o Estado (BVerfGE 21, 362 [372] com outras referências). Quanto mais fortemente o Estado moderno se inclina à seguridade social e ao fomento cultural dos cidadãos, mais aparece, no contexto da relação entre cidadãos e Estado, a exigência complementar pela outorga de direito fundamental da participação (grundrechtliche Verbürgung der Teilhabe) em prestações estatais, ao lado do postulado original da garantia de direito fundamental da liberdade em face do Estado.”

56 Também nesse sentido entende o professor Vidal Serrano Nunes Junior: “O que se pode demarcar de tal

(33)

Segundo o autor, as normas constitucionais dividem-se em normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limita.

É importante frisar que, para José Afonso da Silva,

A orientação doutrinária moderna é no sentido de reconhecer eficácia plena e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daquelas de caráter socioideológico, as quais até bem recentemente não passavam de princípios programáticos. Torna-se cada vez mais concreta a outorga dos direitos e garantias sociais das constituições57.

De fato, ao conferir eficácia plena às normas constitucionais, o Estado garante a proteção dos direitos fundamentais de seus cidadãos de forma mais incisiva. Os direitos e garantias sociais não ficam protegidos apenas na teoria. Em caso de descumprimento de algum deles, o Estado-juiz pode agir com mais rapidez.

As normas de eficácia plena são justamente essas normas de aplicabilidade imediata. Não há necessidade de auxílio de lei para exprimir seu completo significado. Essas normas já contêm todos os elementos e requisitos necessários para sua incidência direta.

Alguns exemplos de normas de eficácia plena estão contidos nos artigos 1º58, 4459, 7660 e 226,

§1º61.

O mesmo autor, analisando a Constituição Federal, sintetiza as características das normas de eficácia plena, afirmando que possuem essa eficácia as normas constitucionais que:

a) contenham vedações ou proibições; b) confiram isenções, imunidades e prerrogativas; c) não designem órgãos ou autoridades especiais a que incumbam especificamente sua execução; d) não indiquem processos especiais de sua execução; e) não exijam a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesses nelas regulados62.

57 Da SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores,

2012, p. 87.

58 “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)”.

59 “Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e

do Senado Federal.”

60 “Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.” 61 “Art. 226. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.”

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