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3 REFORMAS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIAS E O SUPREMO TRIBUNAL

3.1 INSTITUIÇÃO DE NOVAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

3.1.2 CPMF

Cessado o período de vigência do IPMF, o poder constituinte derivado decidiu criar novo tributo provisório semelhante, não mais com a estrutura de imposto, mas de contribuição social. Com efeito, a natureza de contribuição social permitia a aplicação da anterioridade mitigada, a superação das regras e limitações pertinentes aos impostos, as imunidades do 150, VI, da CF/1988 e a repartição de arrecadação com Estados e Municípios.

Na realidade, apesar de extremamente impopular, o IMPF apresentou expressiva arrecadação e baixo custo de cobrança e fiscalização319

, além de fornecer à Receita Federal importantes informações financeiras sobre instituições e contribuintes. Daí sua adaptação à natureza de contribuição social, destinando-se o produto à saúde.

318 Voto do Min. Sepúlveda Pertence na ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 18.3.1994

319 A propósito do contexto político da instituição da CPMF, cf. FAVETTI, Rafael Thomaz. Controle de

Nesse contexto, foi instituída a EC 12/1996, que acrescentou dispositivos ao ADCT e criou a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (CPMF).

A EC 12/1996 foi regulamentada pelas Leis n. 9.311/1996 e n. 9.359/1997, que estenderam sua vigência pelo prazo de 24 meses, consoante autorização constitucional.

Desde logo, instaurou-se grande controvérsia a respeito da constitucionalidade desse novo tributo320

. A discussão não tardou a chegar ao Supremo e, em 9 de outubro de 1996321

, o Plenário examinou, em sede de liminar, a constitucionalidade da EC 12/1996, nos autos das ADI-MC 1497, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 13.2.2002, j. 9.10.1996322

.

Na ocasião, o relator acolheu o pedido de suspensão da emenda constitucional, insistindo na violação dos arts. 154, I, c/c 60, §4º, IV, da CF/1988, com base em dois fundamentos: a nova contribuição era cumulativa, bem como adotava base de cálculo própria do imposto sobre operações de créditos, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, especialmente no que se refere à tributação exclusiva do ouro (IOF).

Tal entendimento foi acompanhado apenas pelo Min. Ilmar Galvão, que foi além ao reconhecer também a violação à capacidade contributiva e o devido processo legal material, uma vez que a movimentação financeira não consistia em fato capaz de exprimir capacidade contributiva nem a nova competência tributária atendia à razoabilidade, coerência e proporcionalidade.

Prevaleceu, no entanto, o voto divergente do Min. Carlos Velloso, que validou a instituição de nova contribuição social fora das regras de competência residual, por meio de emenda constitucional. Isto é, confirmando o precedente da ADI 939, o STF entendeu que a discriminação de competências de contribuições sociais, assim como os impostos,

320 Entre os diversos textos a respeito, destacam-se pela inconstitucionalidade da CPMF: BARRETO, Paulo

Ayres. “Emenda Constitucional”. In Revista de Direito Constitucional e Internacional. vol. 21. São Paulo: Revista dos Tribunais, outubro de 1997. p. 160-74. WALD, Arnoldo. “A CPMF e o Devido Processo Legal”.

Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Ano XII, n. 12. Rio de Janeiro: 2º Semestre de 1997. p.

9-11. BRITO, Edvaldo. “I – Cofins e PIS/Pasep: conceito de Faturamento e Receita Bruta II – CPMF: Questionamentos Jurídicos”. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 43. São Paulo: Dialética, abril de 1999. p. 33-64. MACHADO, Agapito. “CPMF – Emenda Constitucional n. 12/96 e Lei n. 9.311/96 – Inconstitucionalidade – Lei Ordinária não ostenta aptidão para determinar a Quebra de Sigilo Bancário dos Cidadãos”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 30. São Paulo: Dialética, março de 1998. P 7-13.Pela constitucionalidade: MOREIRA, André Mendes & COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. “A CPMF e os Princípios Constitucionais Tributários” in SANTI, Eurico Marcos Diniz (org.). Curso de Direito Tributário e

Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 726-45.

321 O julgamento iniciou-se em 18.9.1996, mas foi interrompido pelo pedido de vista do Min. Carlos Velloso. 322 A ADI-MC 1501, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 13.2.2002 também examinava a EC 12/1996, mas

não constitui cláusula de eternidade, mas é passível de mudança por meio de emenda à Constituição.

O voto do Min. Carlos Velloso teve o claro mérito de discutir a relação entre direitos fundamentais e a tributação, tentando traçar contornos objetivos para determinar quais dos direitos dos contribuintes efetivamente consistem em “direitos materialmente fundamentais”, na expressão usada pelo Min. Carlos Velloso. Nessa linha, o voto condutor do acórdão da ADI-MC 1497, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 13.2.2002, identifica apenas o rol de direitos e garantias previstos no art. 150 da CF/1988 como protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, §4º, IV, da Carta Magna. Exclui, assim, tanto as limitações previstas na competência tributária residual (art. 154, I, CF/1988) quanto a unicidade da tributação do ouro (art. 153, §5º, CF/1988) da esfera dos direitos fundamentais, apontado as mencionadas regras como técnicas de tributação, disponíveis de alteração pelo poder constituinte derivado sob pena de “impedir qualquer reforma tributária, [...] gessar o sistema tributário, com prejuízo, muita vez, para as classes mais pobres”323

.

Além dessa referência à necessidade de adaptação do sistema constitucional tributário, alguns votos justificaram-se no direito fundamental à saúde para assentar a constitucionalidade da nova competência tributária. No caso, afirmou o Min. Maurício Corrêa:

O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA: (...)

3. É de conhecimento geral que o sistema de saúde no Brasil se encontra em estado pré-falimentar, senão falido. A crônica jornalística diariamente exibe o retrato cruel e perverso desse cenário humilhante e ao mesmo tempo deprimente. A inviolabilidade do direito à vida, porém, está assegurada no caput do artigo 5º da Constituição como a primeira das garantias do cidadão. Não vejo, portanto, como justificar que certas construções metajurídicas possam estar acima desse direito324.

Em síntese, a maioria do STF entendeu plenamente constitucional a criação de nova competência de contribuição social, respeitada a anterioridade nonagesimal, independentemente da imunidade recíproca ou das demais imunidades que limitavam o IPMF.

Antes de julgado o mérito das referidas ADIs ajuizadas contra a EC 12/1996, o Congresso cuidou de aprovar nova emenda constitucional (EC 21/1999), prorrogando o prazo de vigência da CPMF. Ocorre que a EC 21/1999 foi promulgada em 18.3.1999, ou seja, após o prazo de validade da EC 12/1996, vencido em 22.1.1999, reacendendo mais

323 Voto do Min. Carlos Velloso na ADI-MC 1497, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 13.2.2002. 324 Voto do Min. Maurício Corrêa na ADI-MC 1497, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 13.2.2002.

controvérsias sobre a constitucionalidade da CPMF em razão da solução de continuidade325

.

O Pleno do STF apreciou a questão cautelarmente na ADI-MC 2.031/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, Pleno, DJ 28.6.2002, j. 29.9.1999, decidindo, por maioria, em suspender apenas o §3º do art. 75 do ADCT, em razão de vício formal de constitucionalidade. Na oportunidade, o STF afastou impugnações à constitucionalidade formal da EC 21/1999 – reiterando que emenda supressiva em uma das casas não obsta a promulgação da parte aprovada por ambas, desde que não se altere com a supressão o conteúdo da parte aprovada – e assentou que a Constituição não veda a repristinação de norma temporária por emenda constitucional.

Ressalte-se que o § 3º do art. 75 do ADCT não cuidava propriamente da competência tributária, mas da autorização para emissão de títulos da dívida pública para cobrir a falta de receitas decorrentes da ausência de solução de continuidade da CPMF, uma vez que a contribuição social não incidiu entre 23.1.1999 e 18.6.1999. Na esteira do voto do Min. Nelson Jobim, o STF entendeu suspender essa norma, uma vez que a Câmara aprovou texto sem a condição imposta pelo Senado, alterando o seu sentido. Em suma, o STF entendeu constitucional a criação da contribuição e sua repristinação por meio de emenda constitucional, contra os votos dos Ministros Ilmar Galvão e Marco Aurélio.

Por ocasião do julgamento do mérito, o acórdão prolatado na ADI 2.031/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 17.10.2003, j. 3.10.2002, confirmou a medida liminar, afastando qualquer pecha de inconstitucionalidade material tanto na EC 12/1996 quanto na EC 21/1999, de modo a permitir a instituição de tributo (e não só de competência tributária) por meio de emenda constitucional, assim como para refutar as alegações de confisco e violação à isonomia e capacidade contributiva, vencido apenas o Min. Ilmar Galvão. Reiterou-se, também, o entendimento de que não há reserva de iniciativa do chefe

325 A propósito das alegações de inconstitucionalidade formal e material da EC 21/1999, confiram-se os

seguintes textos: TÔRRES, Heleno Taveira. “Prorrogação da CPMF pela Emenda Constitucional n. 21/99: Efeitos da Ausência de Procedimento na Validade das Normas Jurídicas”. Revista Dialética de Direito

Tributário n. 47. São Paulo: Dialética, agosto de 1999. P 45-55. GASPARINI, Lesley. “A Lei Temporal e a Emenda Constitucional n. 21/99” in Boletim de Direito Administrativo, Ano VX, n. 8. São Paulo: NDJ, agosto/1999. NEVES, Márcio Calvet & MAIA, João Agripino. “Considerações sobre o Retorno da CPMF”.

Revista Dialética de Direito Tributário n. 47. São Paulo: Dialética, agosto 1999. p. 95-100. BAMBINI,

Andréia & HÖHER, Rafael. “A Inconstitucionalidade da CPMF” . Repertório de Jurisprudência IOB. n. 5, Caderno 1. 1ª Quinzena de março, 2000. p. 132-0. Pela constitucionalidade da EC 21/1999, cf. SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. “A Constitucionalidade da CPMF (EC 21/99)”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (org.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. 3º Volume. Sâo Paulo: Dialética, 1999. p. 245-53.

do Poder Executivo para projeto de lei de norma tributária, com ressalva dos territórios federais.

Como aponta RODRIGO PETRY, essa orientação permitiu que emenda constitucional dispusesse sobre quaisquer elementos do tributo326

, de forma a não só estabelecer competência tributária, mas, desde logo, instituir o próprio tributo, independentemente de lei ordinária327

.

Com efeito, apesar de tecnicamente lamentável a disposição de norma de conduta tributária diretamente na Constituição, não se sustenta a tese de sua invalidade nem que se reputa indispensável a edição de lei ordinária, ainda que meramente repetindo as disposições constitucionais, ao contrário do defendido por HELENO TÔRRES328

.

Destaque-se que o STF não conheceu de impugnação específica da constitucionalidade da CPMF, em razão do desvio do produto da arrecadação329

, nos autos da ADI-QO 1.640/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 3.4.1998, por entender que a destinação de recursos cuida-se de mero ato de natureza político-administrativa de efeitos concretos e, nessa linha, insuscetível de apreciação em sede de ação direta330

.

Além disso, o STF também declarou constitucionais as posteriores prorrogações331

da CPMF, efetuadas pelas EC 37/2002332

e 42/2003.

No que se refere à EC 37/2002, o STF declarou sua constitucionalidade, nos autos das ADI 2.666/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 6.12.2002, j. 3.10.2002, e ADI 2.673/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 6.12.2002, j. 3.10.2002, entendendo que a supressão, por uma das casas do Congresso Nacional, de incidência da anterioridade

326 PETRY, Rodrigo Caramori. “Reflexões sobre a Função Normativa das Emendas Constitucionais em

Matéria Tributária: Questionamentos envolvendo as constituições ao PIS, CSLL, CPMF e RPPS” . Repertório de Jurisprudência IOB. n. 13/2010, vol. I, Primeira Quinzena de Julho de 2010. p. 448 (445).

327 A propósito da possibilidade de normas constitucionais instituírem diretamente tributos, como disposição

de conduta cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 91 e seguintes.

328 TÔRRES, Heleno Taveira. “Prorrogação da CPMF pela Emenda Constitucional n. 21/99: Efeitos da

Ausência de Procedimento na Validade das Normas Jurídicas”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 47. São Paulo: Dialética, agosto de 1999. P 45-55 (49).

329 A respeito, cf. BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 2. ed. São

Paulo: Noeses, 2011. p. 167 e ss. RÊGO, Bruno Noura de Moraes. “Da Inconstitucionalidade da Destinação dos Recursos da CPMF”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 35. São Paulo: Dialética, agosto 1999. p. 22-5.

330 Esse posicionamento foi paulatinamente superado no julgamento das ADI 2925/DF, Redator para o

acórdão Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 4.3.2005; ADI-MC 4048/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 22.8.2008; ADI-MC 4049/DF, Rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJe 8.5.2009; e ADI-MC 3949/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 7.8.2009.

331 A EC 31/2000, que incluiu o art. 80 e seu inciso I no ADCT e majorou a alíquota da CPMF de 0,30% para

0,38%, não foi apreciado pelo STF.

332 A propósito das impugnações à EC 37/2002, cf. FERREIRA SOBRINHO, José Wilson. “Emenda

Constitucional n. 37/02 (Ainda o tormento tributário denominado CPMF)” . Repertório de Jurisprudência

nonagesimal na prorrogação da CPMF, não alterava o sentido da parte aprovada da proposição. Ademais, o STF entendeu que não é obrigatória a noventena nos casos em que não há solução de continuidade, como na prorrogação decorrente da EC 37/2002.

No julgamento do RE 566.032/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 23.10.2009, apreciado como paradigma do tema 51 da repercussão geral, o Plenário também assentou a constitucionalidade da emenda constitucional, inclusive na parte em que revogou a progressiva redução da alíquota da CPMF, prevista no Texto Constitucional revogado. Na oportunidade, alegava-se que a revogação de redução futura da alíquota implicava majoração do tributo. No entanto, a maioria do STF entendeu que havia mera expectativa de redução da alíquota, uma vez que a norma constitucional foi revogada antes de efetivamente exigível.

Ressalte-se que a maioria do STF não se sensibilizou com o fundamento de segurança jurídica, suscitada pela revogação da alíquota menor em 31.12.2003, ou seja, um dia antes de sua vigência, contra os votos dos Min. Ayres Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Dessa forma, o STF claramente conferiu ampla liberdade ao poder constituinte derivado para criação de competência de nova contribuição social, sem preocupar-se com as imunidades referentes aos impostos e invocadas na ADI 939/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 18.3.1994. Frise-se que as advertências desse basilar julgamento quanto à anterioridade foram estritamente observadas pelo Congresso Nacional na instituição da nova contribuição, inclusive disciplinando a incidência do art. 195, § 6º, da CF/1988, nos casos de solução de continuidade (EC 21/1999).