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Desenvolvimento do Sistema Constitucional Tributário Brasileiro

1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

1.2.1 Competências tributárias na CF/1988

1.2.1.2 Desenvolvimento do Sistema Constitucional Tributário Brasileiro

GERALDO ATALIBA133 sintetizou o percurso histórico do sistema constitucional tributário brasileiro, destacando que no Império e na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24.2.1891 (CF/1891), o sistema constitucional tributário era plástico e flexível. Isto é, mera lei ordinária seria suficiente para instituir e cobrar os mais diversos e variados tributos.

A propósito, VICTOR NUNES LEAL134 destaca que, desde o período colonial, eram escassas as receitas das comunas locais em proveito da arrecadação da Coroa. A discriminação de receitas entre gerais e provinciais foi prevista no Ato Adicional de 12.8.1834135 e, somente com a Lei n. 99, de 31.10.1835, houve a primeira repartição completa de rendas, de forma flexível e plástica, reservando para o erário nacional quase

130 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 237.

131 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p.

531.

132 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994. p. 223.

133 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1968. p. 57.

134 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo do Brasil. 7. ed.

São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 142.

135 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. “Discriminação de Competências e Competência Residual”. In:

SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio. Direito Tributário: Estudos em Homenagem a

todas as fontes de renda conhecidas (havia 58 rubricas previstas como rendas gerais) e para as províncias a competência tributária remanescente136.

Na CF/1891 havia discriminação de tributos da União (art. 7º, CF/1891) e dos Estados (art. 9º, CF/1891), além de limitações constitucionais ao poder de tributar (arts. 8º, 10 e 11 da CF/1891), mas havia ampla competência residual, inclusive cumulativa, da União e dos Estados (art. 12, CF/1891), de sorte que não havia sistema tributário rígido.

Nesse período, a grande modificação, inclusive quanto ao sistema constitucional tributário, residiu na adoção do modelo norte-americano de jurisdição constitucional, cabendo o controle de leis e atos normativos pelo Poder Judiciário, em especial ao STF137.

No entanto, o sistema constitucional tributário brasileiro tornou-se verdadeiramente singular com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16.7.1934 (CF/1934), que estabeleceu competências privativas a cada ente da Federação – União, Estados e Municípios – para instituir tributos, com regras rígidas e estritas de competência residual. Dispunham os arts. 6°; 10, VII; e 11 da CF/1934:

Art 6º - Compete, também, privativamente à União: I - decretar impostos:

a) sobre a importação de mercadorias de procedência estrangeira; b) de consumo de quaisquer mercadorias, exceto os combustíveis de motor de explosão;

c) de renda e proventos de qualquer natureza, excetuada a renda cedular de imóveis;

d) de transferência de fundos para o exterior;

e) sobre atos emanados do seu Governo, negócios da sua economia e instrumentos de contratos ou atos regulados por lei federal;

f) nos Territórios, ainda, os que a Constituição atribui aos Estados;

II - cobrar taxas telegráficas, postais e de outros serviços federais; de entrada, saída e estadia de navios e aeronaves, sendo livre o comércio de cabotagem às mercadorias nacionais, e às estrangeiras que já tenham pago imposto de importação.

(...)

Art 8º - Também compete privativamente aos Estados: I - decretar impostos sobre:

a) propriedade territorial, exceto a urbana; b) transmissão de propriedade causa mortis;

c) transmissão de propriedade imobiliária inter vivos, inclusive a sua incorporação ao capital da sociedade;

d) consumo de combustíveis de motor de explosão;

e) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive os industriais, ficando isenta a primeira operação do pequeno produtor, como tal definido na lei estadual;

136 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo do Brasil. 7. ed.

São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 144.

137 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. O Controle de Constitucionalidade das leis e o do Poder de Tributar

f) exportação das mercadorias de sua produção até o máximo de dez por cento ad valorem, vedados quaisquer adicionais;

g) indústrias e profissões;

h) atos emanados do seu governo e negócios da sua economia ou regulados por lei estadual;

II - cobrar taxas de serviços estaduais.

§ 1º - O imposto de vendas será uniforme, sem distinção de procedência, destino ou espécie dos produtos.

§ 2º - O imposto de indústrias e profissões será lançado pelo Estado e arrecadado por este e pelo Município em partes iguais.

§ 3º - Em casos excepcionais, o Senado Federal poderá autorizar, por tempo determinado, o aumento do imposto de exportação, além do limite fixado na letra f do número I.

§ 4º - O imposto sobre transmissão de bens corpóreos, cabe ao Estado em cujo território se acham situados; e o de transmissão causa

mortis, de bens incorpóreos, inclusive de títulos e créditos, ao Estado

onde se tiver aberto a sucessão. Quando esta se haja aberto no exterior, será devido o imposto ao Estado em cujo território os valores da herança forem liquidados, ou transferidos aos herdeiros.

(...)

Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: (...)

VII - criar outros impostos, além dos que lhes são atribuídos privativamente.

Parágrafo único - A arrecadação dos impostos a que se refere o número VII será feita pelos Estados, que entregarão, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios de onde tenham provindo. Se o Estado faltar ao pagamento das cotas devidas à União ou aos Municípios, o lançamento e a arrecadação passarão a ser feitos pelo Governo federal, que atribuirá, nesse caso, trinta por cento ao Estado e vinte por cento aos Municípios.

Art 11 - É vedada a bitributação, prevalecendo o imposto decretado pela União quando a competência for concorrente. Sem prejuízo do recurso judicial que couber, incumbe ao Senado Federal, ex

officio ou mediante provocação de qualquer contribuinte, declarar a

existência da bitributação e determinar a qual dos dois tributos cabe a prevalência.

Consoante o testemunho de ATALIBA138, a CF/1934 inaugurou, em todo o mundo, sistema tributário rígido e inflexível, restringindo expressamente a margem de discrição e liberdade do legislador. A CF/1934 estipulou de maneira exaustiva e abrangente a forma, o conteúdo, a qualidade e a quantidade de tributos que poderiam ser instituídos pela União, Estados e Municípios.

E não apenas isso, a CF/1934 reuniu a esse sistema rígido a jurisdição constitucional, que, na realidade, constitui próprio corolário das constituições rígidas,

como apontou OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO139, mantendo a atribuição

do Poder Judiciário de declarar a nulidade de normas e atos contrários às normas constitucionais.

138 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1968. p. 61.

139 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. A teoria das constituições rígidas. São Paulo: José Bushatsky,

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10.11.1937 (CF/1937), por sua vez, manteve o sistema constitucional tributário rígido e inflexível, mas atribuiu aos Estados a importante competência residual para criar novos impostos, proibindo expressamente a bitributação (art. 24 da CF/1937).

Os textos constitucionais de 18.9.1946 (arts. 15; 19; 21; 29 e 30 da CF/1946); de 24.1.1967 (arts. 18; 19; 22; 23; 24 e 25 da CF/1967) e de 17.10.1969 (arts. 18; 21; 22; 23 e 24 da CF/1969) mantiveram o sistema constitucional tributário rígido e inflexível, com competências tributárias dos entes políticos taxativas e discriminativas, com especial detalhamento quanto aos impostos.

A CF/1988 aprofundou a longa tradição brasileira de sistemas constitucionais tributários rígidos, com enumeração de cada tributo que pode ser instituído, a saber: impostos (arts. 145, I; 153; 154; 155 e 156 da CF/1988); taxas (art. 145, II, da CF/1988); contribuições de melhoria (art. 145, III, da CF/1988); contribuições (149; 149-A e 195 da CF/1988) e empréstimos compulsórios (art. 148 da CF/1988). A instituição de cada uma dessas espécies tributárias foi delegada a União, Estados e Municípios, evitando a pluritributação interna e disciplinando regras estreitas de competência residual, especialmente quanto a impostos e contribuições (arts. 154, I, e 195, §4º, da CF/1988).

Frise-se que a CF/1988 não se limitou a enumerar as competências tributárias, mas estabeleceu minudentes e variadas regras e princípios restritivos à discrionariedade do ente competente, de sorte que o legislador ordinário tem relativamente pouca liberdade na confecção da norma tributária instituidora140.