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3 REFORMAS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIAS E O SUPREMO TRIBUNAL

3.2 ALTERAÇÕES DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

3.2.1 Fundo Social de Emergência

Com o propósito de criar o Fundo Social de Emergência (FSE), a ER 1/1994 estendeu a competência tributária da União, com relação à contribuição para o Programa de Integração Social (PIS, art. 239 da CF/1988) e à Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL – art. 195, I, “c”, da CF/1988), para incidir sobre a receita bruta das instituições financeiras.

No entanto, a ER 1/1994 não se limitou a erigir a mencionada competência constitucional, mas efetivamente estabeleceu a regra matriz de incidência, inclusive disciplinando diretamente no Texto Constitucional a hipótese de incidência, base de cálculo, sujeito passivo e alíquota das referidas contribuições (art. 72, III e V, do ADCT)345

, praticamente dispensando a edição de lei regulamentar.

Também criada de forma provisória, essas competências tributárias foram prorrogadas pelas EC 10/1996 (que renomeou o FSE para Fundo de Estabilização Fiscal e cuidou das competências para o PIS e CSLL) e EC 17/1997 (a qual tratou apenas do PIS).

No julgamento da ADI-MC 1.420, Rel. Min. Néri da Silveira, Pleno, DJ 19.12.1997, o STF negou pedido cautelar, considerando principalmente a ausência de periculum in mora, apesar de não deixar de reconhecer efeito retroativo a competências previstas na ER 1/1994 e na EC 10/1996.

345 A propósito da regra de competência tributária editada pela ER 1/1994, cf. PETRY, Rodrigo Caramori.

“Reflexões sobre a Função Normativa das Emendas Constitucionais em Matéria Tributária: Questionamentos envolvendo as constituições ao PIS, CSLL, CPMF e RPPS”. Repertório de Jurisprudência IOB. n. 13/2010, vol. I, Primeira Quinzena de Julho de 2010. p. 448-36.

É notável considerar que esse precedente afastou-se de forma unânime da ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 18.3.1994346

, sem o ônus argumentativo de indispensável para reviravolta jurisprudencial, mas robustecido por juízo de conveniência do Supremo Tribunal Federal na apreciação da cautelar347

. Na realidade, o contexto econômico348

que ensejou a instituição do Fundo Social de Emergência, o qual possibilitou o saneamento das contas públicas da União e pavimentou o caminho para o Plano Real, certamente influiu nas considerações da Corte.

Como a ADI foi julgada prejudicada em 2002, o mérito da controvérsia foi definitivamente decidido nos autos do RE 587.008/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 6.5.2011, que assentou, em sede de repercussão geral, a aplicação do princípio da anterioridade mitigada (art. 196, §6º, da CF/1988) para a prorrogação estipulada pela EC 10/1996, tendo em vista a solução de continuidade ocorrida. Com efeito, a ER 1/1994 previu o aumento da alíquota da CSLL até 31.12.1995, enquanto a EC 10/1996 foi aprovada em 4.3.1996 e publicada em 7.3.1996 – o que a diferencia da situação apreciada no RE 566.032/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 23.10.2009 – uma vez que, neste caso, ao contrário daquele, a prorrogação pela nova emenda ocorreu quando ainda em vigor a alíquota que se pretendia manter349

.

Assim, o RE 587.008/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 6.5.2011, limitou-se a fazer valer a incidência da irretroatividade e da anterioridade.

Por outro lado, no julgamento do RE 346.983/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 14.5.2010, o STF admitiu a legitimidade da cobrança dos tributos previstos na nova competência tributária, independentemente da edição de lei complementar, contra o voto do Min. Eros Grau. Na ocasião, os Ministros Cezar Peluso, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa admitiram a constitucionalidade da MP 517/1994, ao dispor sobre exclusões e deduções do PIS, na forma do art. 72, V, do ADCT, apesar da disposição do art. 73 do ADCT, que veda a utilização de medida provisória para regulamentar o FSE.

No entanto, o STF reconheceu a repercussão geral também com relação à constitucionalidade da definição da base de cálculo do PIS, principalmente considerando as exclusões previstas na MP 727/1994, no RE-RG 578.846/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 26.8.2013.

346 Cf. supra item 3.1.1.1.

347 Cf. voto do Min. Maurício Corrêa na ADI-MC 1.420, Rel. Min. Néri da Silveira, Pleno, DJ 19.12.1997. 348 A propósito do contexto econômico brasileiro à época da ER 1/1994, cf. AFONSO, José Roberto;

CARVALHO, Luiz de Gonzaga & SPÍNDOLA, Lytha. “Fundo Social de Emergência: intenções e efeitos”.

Revista Nacional dos Auditores Fiscais do Tesouro Nacional, ano 3, n. 10, 1994, p. 39-49.

Ademais, o STF rejeitou sistematicamente as alegações de inconstitucionalidade do aumento da contribuição previdenciária das instituições financeiras, refutando inclusive a ofensa à isonomia pela existência de alíquotas superiores para essas instituições.

É certo que, em primeiro momento, o STF concedeu efeito suspensivo a recursos do contribuinte, reconhecendo a plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade de alíquota diferenciada para as instituições financeiras, como no julgamento da AC-MC 1.115/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ 1º.9.2006. No entanto, logo depois, esse entendimento foi rejeitado pelo Plenário, no julgamento da AC-MC 1.109/SP, Redator para o acórdão Min. Ayres Britto, Pleno, DJe 19.10.2007.

No mérito, o STF confirmou a orientação pela constitucionalidade, consoante decidido nos RE-AgR 370.590/RJ, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 16.5.2008; RE-AgR 485.290/PE, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 20.8.2010; e RE-AgR 490.567/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 30.3.2011. No entanto, o fundamento utilizado pelo STF praticamente inviabiliza o controle de constitucionalidade de alíquotas por violação ao princípio da isonomia. Com efeito, o fundamento assenta que não cabe ao STF, ante a separação de poderes, nem equiparar, nem suprimir alíquotas.

Na realidade, esse fundamento não permite o exame da legitimidade das alíquotas pelo STF e não ampara nenhum dos parâmetros do Estado Fiscal, seja a preservação dos direitos fundamentais do contribuinte, seja a preservação do financiamento dos direitos fundamentais tutelados pelo Estado. Ressalte-se que não se trata de extensão de benefício fiscal, mas superveniência de legislação mais gravosa para apenas parte dos contribuintes.

Além disso, a ER 1/1994 apresentou inovação importante ao direcionar parte da arrecadação de tributos destinados, tais como as contribuições sociais ao FSE, que poderia ser empregado “no custeio das ações do sistema de saúde e educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de passivo previdenciário, e outros programas de relevante interesse econômico e social.” (art. 71, ADCT, na redação da ER 1/1994). É certo que a EC 17/1997 alterou esse dispositivo, mas, ao final, manteve a cláusula aberta.

Na prática, permitiu, por exemplo, que o produto da arrecadação de contribuições sociais fosse destinado para outros fins além da seguridade social, dando flexibilidade ao orçamento da União350

.

350 A propósito do contexto econômico brasileiro à época da ER 1/1994, cf. AFONSO, José Roberto;

CARVALHO, Luiz de Gonzaga & SPÍNDOLA, Lytha. “Fundo Social de Emergência: intenções e efeitos”.

Posteriormente, essa flexibilização foi estendida e prorrogada pela EC 27/2000, que instituiu a denominada desvinculação das receitas da união (DRU), acrescentando o art. 76

no ADCT351

. No julgamento do RE 537.610/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 18.12.2009, o STF afastou qualquer alegação de inconstitucionalidade da desvinculação das contribuições sociais. De outra sorte, no julgamento do RE-AgR 356.409/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 19.12.2012, o Tribunal rechaçou o argumento de que o desvio da arrecadação de contribuição social desvirtuaria a contribuição social para o PIS e acarretaria sua inconstitucionalidade.

Parte da doutrina352

defendia que a desvinculação da arrecadação das contribuições sociais violaria direito e garantia fundamental do contribuinte e que o reconhecimento da inconstitucionalidade implicava a desoneração do contribuinte. Sob o regime da repercussão geral, o Plenário pacificou a questão constitucional, nos autos do RE 566.007/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, j. 13.11.2014, declarando a constitucionalidade do art. 76 do ADCT, tal como aprovado pela EC 27/2000 e alterado pelas EC 42/2003, 56/2007, 59/2009 e 68/2011, afastando a violação de qualquer cláusula pétrea. Além disso, assentou o voto condutor que o eventual reconhecimento da inconstitucionalidade da destinação não importaria direito do contribuinte de eximir-se do ônus fiscal, mas apenas a realocação dos recursos.

De fato, é mais consentâneo ao Estado Fiscal que o eventual desvio inconstitucional da destinação somente acarrete a nulidade do tributo quando deixar de existir a finalidade constitucionalmente amparada. Nos demais casos, cabe ao tribunal determinar a correta alocação dos recursos tributários.

Mesmo autores que defendiam a inconstitucionalidade da DRU, como ANDREI PITTEN VELLOSO, admitiam que dificilmente o STF acolheria essa tese ante “suas

351 A respeito da controvérsia doutrinária sobre a constitucionalidade da DRU, cf. BARRETO, Paulo Ayres.

Contribuições: Regime Jurídico, Destinação e Controle. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 162-7;

IBRAHIM, Fábio Zambitte. “Desvinculação Parcial da Arrecadação de Impostos e Contribuições – uma interpretação Possível da Emenda Constitucional n. 27”. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 61, São Paulo: Dialética, outubro de 2000. p. 43-48.

352 A propósito, Cf. BARRETO, Paulo Ayres. “As Contribuições Sociais e a Tredestinação de seus

Recursos”. Revista de Direito Tributário n. 88. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 185-191. BARRETO, Paulo Ayres. “Contribuições: classificação, destinação e limites”. Revista de Direito Tributário n. 98. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 193 (196-7). SCAFF, Fernando Facury. “As Contribuições Sociais e o Princípio da Afetação”. Interesse Público Ano 5, n. 21. Porto Alegre: Notadez, setembro/outurbo 2003. p. 93-111. No sentido de que a tutela judicial deve ser utilizada corrigir a destinação judicial: PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. “Controle Judicial sobre as Receitas das Contribuições Especiais”. Revista Dialética de Direito

vultuosas repercussões financeiras” 353

, demonstrando a responsabilidade do Tribunal com o financiamento dos direitos fundamentais por meio das receitas fiscais.

Em síntese, o STF não repudiou quaisquer alterações decorrentes da reforma tributária implantada pela ER 1/1994, inclusive quanto à polêmica da desvinculação das receitas de contribuições sociais, mas garantiu a autoridade do princípio da anterioridade.