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REFORMAS DAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

3 REFORMAS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIAS E O SUPREMO TRIBUNAL

3.4 REFORMAS DAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

Também as limitações constitucionais ao poder de tributar sofreram reforma. Em que pese à controvérsia sobre a possibilidade de alteração de direitos fundamentais – como já reconheceu o STF em relação às limitações constitucionais ao poder de tributar, na já citada ADI 939/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 18.3.1994 –, nas hipóteses de ampliação das garantias dos contribuintes não houve nenhuma impugnação direta levada ao conhecimento do STF.

Exemplo emblemático a respeito cuidou a EC 42/2003, que ampliou a regra da anterioridade, de modo a estender a todas as espécies tributárias a anterioridade nonagesimal, originalmente prevista apenas para as contribuições sociais375

. Apesar de o STF não ter examinado especificamente a constitucionalidade da EC 42/2003, a Corte fez valer suas disposições, inclusive declarando a inconstitucionalidade de leis tributárias, como no caso da ADI 3.694/AP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 6.11.2006. Nessa oportunidade, o STF declarou a inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, de norma estadual que criou taxa, de modo a respeitar a anterioridade mínima de 90 dias, prevista no art. 150, III, “c”, da CF/1988, na redação da EC 42/2003.

Também no julgamento da ADI-MC 4.016/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 24.4.2009, o STF ressaltou o caráter assecuratório, nesse ponto, da EC 42/2003, para evitar as renomadas leis tributárias editadas no apagar das luzes do ano civil.

Da mesma forma, com relação à modificação das alíquotas do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), no julgamento da ADI-MC 4.661/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJe 23.3.2012.

3.5 EXAME DA COMPREENSÃO DO STF

Consequência direta do sistema tributário rígido brasileiro376

é a necessidade de diversas reformas constitucionais para adaptar o sistema às novas bases econômicas que podem ser oneradas e às supervenientes exigências financeiras das atividades públicas.

Assim, não procede a crítica de REGINA HELENA COSTA de que o número de modificações constitucionais acarreta “prejuízos à adequada funcionalidade do Sistema

375 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 94

e ss.

Tributário Nacional”377

. Na realidade, só as emendas constitucionais podem atualizar e readaptar a tributação no Brasil. Logo, elas são essenciais para o bom funcionamento do sistema, principalmente considerando as constantes modificações econômicas e administrativas.

Nesse contexto, o STF não tem se omitido de examinar a higidez das modificações constitucionais, inclusive sempre resguardando sua autoridade. Em geral, a Corte tem sido bastante comedida na censura ao Congresso Nacional, considerando apenas o controle de emendas, dando ampla margem para as modificações constitucionais.

Com efeito, entre os poucos casos que o STF declarou a inconstitucionalidade de emenda constitucional, a decisão não impediu a instituição ou cobrança de tributos novos, mas restringiu-se a aplicar a anterioridade, como nos casos do IPMF (cf. supra item 3.1.1) e da CSLL (cf. supra item 3.2.1), ou a censurar tratamento não isonômico, como no caso da contribuição dos inativos (cf. supra item 3.2.3), determinando a aplicação homogênea da situação mais favorável ao contribuinte.

Uma vez que as alterações constitucionais envolviam apenas tributos não vinculados, não é possível destacar distinção alguma de tratamento com relação aos tributos vinculados. Por outro lado, o STF foi igualmente rigoroso na análise tanto de novos impostos quanto de novas contribuições sociais.

Como bem apontou KAPISZEWSKI, o STF assume frequentemente posições intermediárias (“middle-of-the-road”), preferindo confirmar ou refutar de forma moderada (weaker challenge or endorsment)378

, em vez de submeter-se ou acatar de forma enfática as decisões de política fiscal do Executivo e do Congresso Nacional (stronger challenge or endorsment).

Se por um lado a Corte sempre reafirmou sua competência como guardião da Constituição, inclusive para examinar a constitucionalidade de emendas constitucionais, por outro, invariavelmente acatou as emendas constitucionais editadas como reação a sua jurisprudência, a exemplo dos casos da COSIP (cf. supra item 3.1.4) e da progressividade do IPTU (cf. supra item 3.2.4).

377 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 4. ed.

São Paulo: Saraiva, 2014. p. 63.

378 KAPISZEWSKI, Diana. High Courts and Economic Governance in Argentina and Brazil. Cambridge:

Como apontou FAVETTI379

, a CF/1988 tornou o STF um denso tomador de decisões políticas (policymaker)380

, com importante poder de veto (veto power), principalmente no que concerne à política fiscal.

Ressalte-se que esse poder restou ainda mais concentrado por meio das reformas constitucionais que valorizaram o controle abstrato e a objetivação do controle difuso (EC 3/1993 e EC 45/2004). Com efeito, se o controle difuso de constitucionalidade pulverizava as decisões das questões constitucionais no País inteiro, chegando ao STF vários anos após a instalação das controvérsias, a instituição da ADC, inclusive com pedido de medida liminar, e da repercussão geral, permitiram a definição pelo STF de polêmicas constitucionais com eficácia erga omnes ou ultra partes, em tempo mais adequado.

Nesse contexto, MARTÔNIO LIMA381

critica o dilatado poder dos juízes, argumentando que o Poder Judiciário, por ter caráter conservador e ser também órgão estatal, compromete o aspecto democrático ao controlar os limites constitucionais ao poder do próprio Estado. No entanto, a desconfiança relacionada ao Poder Judiciário tem se demonstrado deveras exagerada.

De fato, o STF assegurou seu poder institucional, mas exerceu-o, no que concerne especificamente ao controle de emendas constitucionais, com ampla dose de self-restraint, como se evidencia dos casos apontados acima.

A Corte permitiu a criação, via emenda constitucional, de novas espécies de tributos indiretos (como impostos e contribuições) e admitiu a criação de gênero completamente novo no sistema constitucional tributário, como foi o caso da COSIP (cf. supra item 3.1.4). Além disso, admitiu a expressa constitucionalização superveniente de leis tributárias, contrariamente à sua predominante orientação jurisprudencial (cf. supra item 3.2.4).

Essa postura cautelosa da Corte, acrescida da proteção de direitos dos contribuintes, adequou-se ao Estado Fiscal, permitindo novas competências de tributos não vinculados e, consequentemente, novas formas de financiamento dos direitos fundamentais assegurados pelo poder público.

379 FAVETTI, Rafael Thomaz. Controle de Constitucionalidade e Política Fiscal. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris, 2003. p. 155.

380 A propósito do controvertido papel das Cortes como policymaker nas democracias, cf. DAHL, Robert

Alan. “Decision-Making in a Democracy: The Supreme Court as a National Policy-Maker”. Journal of Public Law vol. 6, n. 2. Emory: Emory University, fall 1957. p. 279-95.

381LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. “Justiça Constitucional e Democracia: Perspectivas para o Papel

do Poder Judiciário”. Revista da Procuradoria-Geral da República. n. 8. São Paulo: Revista dos tribunais, janeiro/junho de 1996. p. 81-101.

No que se refere aos fundamentos, o STF também considerou os limites do Texto Constitucional382

e se fundou em princípios ligados ao Estado Fiscal, como a invocação do princípio da solidariedade (cf. supra itens 3.2.2 e 3.2.3), especialmente ao tratar de contribuições sociais.

3.6 CONCLUSÕES PARCIAIS

(1) O STF reconheceu, desde logo e acertadamente, sua competência para examinar a constitucionalidade de todos os atos normativos, inclusive de emendas constitucionais.

(2) Na vigência da CF/1988, o STF declarou a inconstitucionalidade de parte de, pelo menos, três emendas constitucionais que tratavam do sistema tributário nacional (EC 3/1993; EC 10/1996 e EC 41/2003), reconhecendo a violação de cláusulas pétreas com extrema cautela e responsabilidade institucional.

(3) Em razão da ausência de impugnação, o STF deixou de examinar com profundidade os casos de revogação de normas de competência tributária, bem como de alteração das limitações constitucionais ao poder de tributar e de imunidades. No entanto, a Corte tratou com semelhante rigor a instituição de novas competências relativas a impostos e a contribuições sociais.

(4) Nada obstante o reconhecimento de parciais inconstitucionalidades, o STF adotou postura cautelosa, fundada na proteção de direitos dos contribuintes e na liberdade de instituição de novas competências de tributos não vinculados, adequando-se ao Estado Fiscal.

4 EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E O SUPREMO