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3 REFORMAS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIAS E O SUPREMO TRIBUNAL

3.2 ALTERAÇÕES DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

3.2.5 ICMS

Como o tributo que mais arrecada no País365

, a competência tributária relativa ao ICMS sofreu importantes modificações, também examinadas pelo STF, desde a EC 3/1993.

Uma dessas modificações diz respeito ao adicional de 2% ao ICMS, sobre produtos e serviços supérfluos, criado pela EC 31/2000 e destinada constitucionalmente ao Fundo de

365 Segundo estimativa constante da Estimativa da Carga Tributária Brasileira na Prestação de Contas da

Presidenta da República (PCPR 2013), o ICMS arrecadou em 2013 mais de R$ 366 bilhões, o equivalente a 21% de tudo que foi auferido pelas receitas federal, estaduais e municipais. In: BRASIL. Prestação de

Contas da Presidenta da República 2013. Brasília: Controladoria-Geral da União, abril 2014. Disponível em:

Combate à Pobreza366

. No entanto, antes de editada a lei federal prevista no art. 83 do ADCT, incluído pela EC 31/2000, diversos estados instituíram o referido adicional sem definição dos produtos e serviços supérfluos.

Posteriormente, o Congresso Nacional editou nova emenda constitucional (EC 42/2003) ratificando expressamente essa legislação anterior para validar a instituição do adicional ao ICMS, além de prorrogá-lo por tempo indeterminado na EC 67/2010.

Nesse contexto, em nenhum momento o STF censurou a instituição deste adicional de imposto destinado. Ao contrário, no julgamento da AC-MC 268/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 10.8.2006, o Plenário admitiu a cobrança do adicional destinado e permitiu sua exclusão da receita líquida real dos estados, para os fins de amortização da dívida pública consolidada.

Por outro lado, houve a convalidação das leis estaduais, em acórdãos de ambas as Turmas do STF, apesar de não discutirem extensivamente sobre o assunto. Nesse sentido, confiram-se: RE-AgR 570.016/RJ, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 12.9.2008; RE-AgR 606.127/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 1º.12.2010; RE-AgR 457.661/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 15.3.2012; e RE-AgR 538.679/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 4.6.2012, este último, inclusive, teve o recurso extraordinário provido monocraticamente, assentando ser pacífica a jurisprudência pela constitucionalidade da EC 42/2003 e das leis estaduais convalidadas, ainda que em desacordo com a EC 31/2000.

Cabe destacar, ainda, o RE 508.993/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 13.6.2014, no qual se cuidava também de recurso extraordinário do Estado do Rio de Janeiro provido monocraticamente pelo relator, assentando a constitucionalidade da EC 42/2003, na parte em que convalida a legislação estadual quanto ao adicional ao ICMS. No caso, o Min. Luiz Fux alertou para a incompatibilidade desse entendimento com o RE 390.840/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 15.8.2006, que assentou a impossibilidade de constitucionalidade superveniente, ante a edição de emenda constitucional. No entanto, o Min. Luiz Fux ficou vencido isoladamente em julgamento que contou com a participação dos Min. Ricardo Lewandowski, relator, Marco Aurélio e Dias Toffoli.

366 A respeito, cf. CICHELLA, Edson. “Breves Comentários acerca do Fundo de Combate e Erradicação da

Pobreza”. Repertório de Jurisprudência IOB. n. 16, Caderno 1. 2ª Quinzena de agosto, 2001. p. 466-465. CONTI, José Maurício. “Comentário ao art. 82 do ADCT. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; Mendes, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo & STRECK, Lenio (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 2.264-6.

Apesar de apenas a EC 3/1993 ter incluído expressamente a possibilidade de substituição tributária367

no ICMS (art. 150, §7º, CF/1988), a jurisprudência do STF entendeu que, mesmo no período anterior, o mecanismo já era permitido em relação ao ICMS em razão das normas dispostas no DL 406/1968 e no CTN, recepcionadas pela CF/1988, no julgamento do RE 213.396/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, DJ 1º.12.2000. Na oportunidade, a Corte entendeu que a substituição tributária no ICMS, prevista na CF/1988, no art. 155, XII, “b”, foi devidamente regulamentada até o advento da LC 87/1996. Ademais, no julgamento da ADI 1.851/AL, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, DJ 13.12.2002, o STF examinou especificamente o art. 150, §7º, da CF/1988, inserido pela EC 3/1993, reconhecendo a constitucionalidade até de sua regulamentação.

De resto, o STF reconheceu a constitucionalidade e a aplicação da substituição tributária, inclusive quanto a outros tributos, como as contribuições sociais, no RE 603.191/MT, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJe 5.9.2011.

A competência tributária relativa ao ICMS ainda sofreu alteração significativa pela EC 33/2001, principalmente ao alterar o art. 155, §2º, IX, “a”, da CF/1988 de forma a ampliar os sujeitos passivos sobre os quais podem ser submetidos à regra matriz de incidência do tributo368

, para torná-lo quase um concorrente do Imposto de Importação (II). Também essa parte da emenda surge como forma de superar a jurisprudência do STF quanto aos limites do ICMS. De fato, no julgamento do RE 203.075/DF, Red. para o acórdão Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ 29.10.1999, o STF assentou que não incidia ICMS na importação de bem por pessoa física.

Na oportunidade, o relator originário, Min. Ilmar Galvão, votava pelo provimento do recurso extraordinário para denegar a segurança impetrada por pessoa física autuada pelo Fisco por importação de veículo, entendendo que a redação originária permite a incidência do ICMS na importação de quaisquer bens, independentemente de o importador

367 A propósito, cf. GRECO, Marco Aurélio. Substituição Tributária (Antecipação do Fato Gerador). 2. ed.

São Paulo: Malheiros, 2001. p. 45 e ss. SOUZA, Hamilton Dias de. “ICMS – Substituição Tributária”.

Revista Dialética de Direito Tributário. n. 12. São Paulo: Dialética, setembro de 1996, p. 14-26. MARTINS,

Ives Gandra. “Substituição Tributária sem ocorrência de fato gerador – processos anteriores a EC 3/93 – inteligência do art. 155, §3º, da Constituição Federal”. Revista Tributária e de Finanças Públicas. vol. 9, outubro de 1994. p. 98-112. OLIVEIRA, Júlio M. de. “A Substituição Tributária para frente prevista na Emenda Constitucional n. 3/93 em face das cláusulas Pétreas e do Poder Constituinte Derivado”. Repertório

de Jurisprudência IOB. n. 7, Caderno 1. 1ª Quinzena de abril, 1997. p. 169-4. Sobre a questão no regime

constitucional anterior: BRAGA, Waldir Luiz & BARRETO, Paulo Ayres. “ICM – Irremediável Inconstitucionalidade do Regime de Substituição Tributária”. Revista de Direito Tributário, Ano IX, n. 32. São Paulo: Revista dos Tribunais, abril-junho de 1985, p. 258-65.

368 A propósito, cf. MIGUEL, Luciano Garcia. Incidência do ICMS nas Operações de Importação. São

constituir-se em pessoa física ou jurídica. Nessa linha, acompanhou apenas o Min. Nelson Jobim.

Prevaleceu, no entanto, a orientação capitaneada pelo Min. Maurício Corrêa no sentido de que somente há circulação de mercadorias nas operações de natureza mercantil, principalmente considerando que o consumidor não contribuinte do ICMS é insuscetível de aplicação do princípio da não cumulatividade. Nessa linha, acompanharam os votos os Min. Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira, Moreira Alves, Carlos Velloso, Sydney Sanches e Octávio Gallotti e Marco Aurélio, este último chegou a enunciar que, na dúvida sobre a constitucionalidade de determinado tributo, deve ser declarada sua invalidade.

Esse entendimento foi reiterado no julgamento do RE 185.789/SP, Red. para o acórdão Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ 19.5.2000, que tratava da importação de bem por sociedade civil e restou consolidado no Verbete n. 660 da Súmula do STF, vazado nos seguintes termos: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”.

Daí a EC 33/2001 ter alterado o texto do art. 155, § 2º, IX, “a”, da CF/1988, de forma a ampliar o sujeito passivo da obrigação tributária. Parte da doutrina manifestou-se, nesse ponto, pela inconstitucionalidade da referida emenda constitucional369

, ante a suposta violação de direito individual do contribuinte.

No julgamento do RE 206.069/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 1º.9.2006, o STF assentou que a entrada de bem do exterior, ainda que por meio de contrato de arrendamento mercantil, já autorizava a incidência do ICMS, mesmo no regime anterior à EC 33/2001. Posteriormente, no RE 461.968/SP, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJe 24.8.2007, a Corte afastou a incidência do tributo nos casos de importação mediante contrato de arrendamento mercantil quando não haja a opção de compra. O próprio Tribunal reconheceu, então, a disparidade de pronunciamentos ao reconhecer a repercussão geral da questão constitucional no RE-RG 540.829/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 15.10.2010. Ao apreciar o mérito, RE 540.829/SP, Red. para o acórdão Min. Luiz Fux, j. 11.9.2014, o STF entendeu, contra os votos do relator originário, Min. Gilmar Mendes, e Teori Zavascki, que não incide o ICMS na importação decorrente de leasing, salvo nas hipóteses de antecipação da opção de compra, ante a ausência de circulação370

.

369 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 90 e ss.

370 A questão também está sendo examinada pelo Plenário no RE 226.899/SP, suspenso o julgamento ante o

pedido de vista do Min. Teori Zavascki. Votaram pela incidência do ICMS a Min. Ellen Gracie, relatora, e o Min. Joaquim Barbosa, contra os Min. Eros Grau, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.

De qualquer forma, nesses casos, o STF acatou a nova redação prevista pela EC 33/2001, ainda que tenha divergido quanto à sua interpretação.

No que concerne especificamente à incidência do ICMS nas importações realizadas por pessoas físicas ou sociedades não mercantis, o STF reconheceu a repercussão geral da questão constitucional, nos autos do RE-RG 594.996/RS, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJe 7.8.2009, cujo mérito foi decidido nos RE 439.796/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 17.3.2014, e RE 474.267/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, 19.3.2014.

Na oportunidade, o relator assentou à inexistência de direito à imutabilidade do regime jurídico da tributação, julgando constitucional a EC 33/2001, no ponto em que ampliava a competência tributária relativa ao ICMS. A princípio, o relator também rejeitava a alegação de necessidade de regulamentação da EC 33/2001, por meio da lei complementar nacional e também da lei estadual instituidora do recurso, por entender que a questão era eminentemente infraconstitucional e insuscetível de apreciação de sede de RE. No entanto, após o voto do Min. Dias Toffoli, sustentando que as novas competências dependiam, ante o princípio da legalidade tributária, de adequação das normas gerais e, posteriormente, da lei estadual instituidora, o relator reajustou seu voto para dar provimento ao recurso dos contribuintes e negar o do estado. Nesse sentido, o STF entendeu que não eram aplicáveis as leis estaduais editadas antes da EC 31/2001 ou da LC 114/2002, rejeitando a constitucionalidade superveniente371

.

Além disso, o STF também declarou válida a cobrança do ICMS na importação “por dentro”, isto é, incluído o próprio valor do ICMS, no julgamento do RE 582.461/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 18.8.2011.

Assim, mesmo sem mudar sua orientação e preservando a legalidade e os direitos do contribuinte, o STF acatou a alteração feita pelo Congresso Nacional, que estendeu as hipóteses de incidência do ICMS na importação de bens, essencial não só para reforço das receitas estaduais, como também para evitar o privilégio dos produtos importados, submetendo semelhantes tributos que circulam no mercado interno.

Frise-se que o referido entendimento continua aplicável a outros tributos que não foram afetados pela EC 33/2001, como o IPI. No julgamento do RE-AgR 643.525/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 26.4.2013, e do RE-AgR 255.682/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 10.2.2006, o Tribunal afastou a incidência do IPI na

importação por não comerciantes. A repercussão geral da questão constitucional foi reconhecida no RE-RG 723.651/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJe 29.5.2013.