• Nenhum resultado encontrado

3 REFORMAS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIAS E O SUPREMO TRIBUNAL

3.2 ALTERAÇÕES DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

3.2.4 Progressividade do IPTU

Outra emenda constitucional editada como reação à jurisprudência do STF, em matéria de competência tributária, foi a EC 29/2000.

360 A propósito da tendência do STF de expedir “decisões salomônicas”, em que nenhum lado ganha ou perde

completamente, cf. KAPISZEWSKI, Diana. High Courts and Economic Governance in Argentina and

Com efeito, antes da referida emenda, a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido da inconstitucionalidade da instituição de impostos reais com alíquotas progressivas, principalmente nos casos do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), salvo nos casos de expressa autorização da Carta Magna.

Na realidade, essa jurisprudência tem origem no período anterior à CF/1988, apesar de o primeiro pronunciamento do STF, ainda na vigência da CF/1946, ter reconhecido a constitucionalidade das alíquotas progressivas (RMS 16.798/SP, Rel. Min. Victor Nunes, Primeira Turma, DJ 5.4.1967). Com efeito, a partir da vigência do Código Tributário Nacional (CTN) e da CF/1967, o Supremo alterou sua jurisprudência para considerar inconstitucionais as leis municipais no ponto em que estabeleciam a progressividade de alíquotas, no julgamento do RE 69.784/SP, Rel. Min. Djaci Falcão, Pleno, DJ 18.4.1975, e RE 77.260/SP, Rel. Min. Leitão de Abreu, Segunda Turma, DJ 17.10.1977, editando o Verbete n. 589 da Súmula do STF, com o seguinte teor: “É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do Imposto Predial e Territorial Urbano em função do número de imóveis do contribuinte”.

A CF/1988 manteve essa orientação, vedando a progressividade de alíquotas com fundamento na capacidade econômica do contribuinte, no RE 153.771/MG, Red. para o acórdão Min. Moreira Alves, Pleno, DJ 5.9.1997, vencido apenas o relator originário, Min. Carlos Velloso, que se fundamentava na capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF/1988) para amparar alíquotas progressivas de acordo com o valor venal e a localização do imóvel.

No caso, o relator originário defendeu, por critérios de política fiscal, que poderia subsistir além de progressividade extrafiscal, a progressividade fiscal, isto é, com fins arrecadatórios.

Prevaleceu, no entanto, o voto divergente do Min. Moreira Alves, que assentava a incompatibilidade da progressividade fiscal, assentada na capacidade econômica do contribuinte, e os impostos objetivos ou reais. Esse entendimento, inclusive, foi estendido a outros impostos reais como o Imposto Sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI), nos autos do RE 234.105/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Pleno, DJ 31.3.2000, e, posteriormente, no Verbete n. 656 da Súmula do STF.

O STF também declarou inconstitucional lei municipal que instituiu a progressividade por meio de isenções graduais, fundadas no valor dos imóveis, no RE 355.046/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJe 31.8.2011, determinando a aplicação da alíquota mais baixa ao contribuinte.

Daí a reação do Congresso Nacional – impulsionada pela demanda dos municípios, ainda carentes de receitas fiscais361

–, ao editar a EC 29/2000, com o propósito de desconstituir a orientação do STF e permitir alíquotas progressivas no âmbito do IPTU.

Logo se instalou nova polêmica sobre a constitucionalidade da EC 29/2000362

, examinada pelo Plenário no julgamento do RE 423.768/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJe 10.5.2011. Na oportunidade, à unanimidade, o STF reconheceu a constitucionalidade da EC 29/2000, com diversos votos no sentido de admitir alíquotas progressivas para tributos reais apenas com fundamento no art. 145, §1º, da CF/1988, a exemplo dos votos dos Min. Marco Aurélio, Eros Grau, Cármen Lúcia e Ayres Britto363

. Além disso, convém destacar o voto do Min. Ayres Britto, na parte em que assenta como fundamento a necessidade de garantir recursos financeiros para que a administração pública cumpra os objetivos da Carta Magna:

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO: (...) É neste ponto de análise dos dispositivos constitucionais em sua globalidade que me parece imperioso lembrar que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da Constituição) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E claro está que a concretização desses objetivos implica para o Estado a disponibilização de recursos financeiros. (...) Daí a necessidade de compatibilização entre o desfrute de tais situações jurídicas subjetivas e o dever de contribuir para as despesas de mantença e investimento do Estado”364.

Nesse sentido, o STF acatou a reforma constitucional e assentou a constitucionalidade da EC 29/2000, de sorte que considerou inconstitucionais as alíquotas progressivas do IPTU, salvo a progressividade no tempo autorizada pelo art. 182, § 4º, II, da CF/1988, no período anterior (em sede de repercussão geral, no julgamento da AI-QO- RG 712.743/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJe 8.5.2009); e constitucionais aquelas

361 A propósito da importância e defasagem do IPTU na atual situação dos Municípios brasileiros cf.

AFONSO, José Roberto; ARAUJO, Erika Amorim & NÓBREGA, Marcos Antonio Rios. IPTU no Brasil:

Um diagnóstico abrangente. São Paulo: FGV Projetos e IDP, 2013. p. 64.

362 A propósito, por todos, cf. BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal. São Paulo: Saraiva,

2012. p. 268 e ss., além dos textos clássicos sobre o assunto no Brasil: ATALIBA, Geraldo. “IPTU – Progressividade”. Revista de Direito Tributário. Ano 15, n. 56. São Paulo: abril-junho 1991. p. 75-83. BARRETO, Aires F. “A progressividade do IPTU na Constituição de 1988”. Repertório IOB Jurisprudência. n. 21, 1ª Quinzena de novembro de 1990. p. 359-355.CONTI, José Maurício. Princípios Tributários da

Capacidade Contributiva e da Progressividade. São Paulo: Dialética, 1996.

363 A respeito da mudança de orientação do STF sobre a relação entre capacidade contributiva e tributos reais,

cf. GODOI, Marciano Seabra de. Crítica à Jurisprudência do Atual do STF em Matéria Tributária. São Paulo: Dialética, 2011.

instituídas após a referida emenda (em sede de repercussão geral, no RE 586.693/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJe 22.6.2011).

Ressalte-se que a alteração de entendimento do STF sobre tributos reais e sobre a capacidade contributiva refletiu-se no julgamento de outro imposto, a saber, o Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis ou doação (ITCD), no julgamento do RE 562.045/RS, Red. para o acórdão Min. Cármen Lúcia, DJe 27.11.2013, oportunidade na qual o STF considerou constitucionais alíquotas progressivas independentemente de expressa autorização constitucional.

Essa alteração de entendimento pode até implicar a admissão de outras formas de alíquotas progressivas a despeito da ausência de expressa autorização constitucional. O Pleno reconheceu, a esse exemplo, a repercussão geral da questão que trata da constitucionalidade de lei municipal que estabeleceu, antes da EC 29/2000, alíquotas diferenciadas em razão de imóveis residenciais e não residenciais, no RE-RG 666.156/RJ, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 30.3.2012.

A Suprema Corte também entendeu constitucional o estabelecimento de alíquotas diferenciadas de outro imposto real, o IPVA, mesmo antes da EC 42/2003, desde que o elemento de distinção não fosse calcado na capacidade contributiva (RE 236.931/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 29.10.1999; AI-AgR 167.777/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 9.5.1997). Nessa linha, decisões posteriores do STF não censuraram a instituição da autorização de alíquotas diferenciadas para o IPVA no art. 155, § 6º, II, da CF/1988, incluído pela EC 42/2003, a exemplo do RE-AgR 601.247/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 13.6.2012.