• Nenhum resultado encontrado

3 REFORMAS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIAS E O SUPREMO TRIBUNAL

3.2 ALTERAÇÕES DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

3.2.2 Salário-Educação

A EC 14/1996 alterou significativamente as competências administrativas da União, estados e municípios a respeito da educação e, a fim de viabilizar essas alterações, modificou também competências tributárias e transferências constitucionais de recursos.

Além de prorrogar o prazo, inicialmente fixado em 10 anos, do art. 60 do ADCT – que prevê a vinculação das receitas da contribuição social do salário-educação, prescrito no art. 212, §5º, CF/1988, para o ensino fundamental –, a mencionada emenda constitucional revogou a possibilidade de dedução de aplicações diretamente realizadas pelos contribuintes no ensino fundamental de empregados e dependentes.

Se a redação original da Carta Magna, nos arts. 167, IV, e 212 da CF/1988, já ressalvava a vinculação da arrecadação de impostos para a educação, a EC 14/1996 destinou ainda mais profundamente parcela da arrecadação de tributos não vinculados à concretização desse direito fundamental. Nessa linha, o STF julgou constitucional diversas disposições de constituições estaduais que vinculavam receitas tributárias, independentemente de cuidar-se de impostos, a finalidades relacionadas à educação, como nas ADI 550/MT, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, 18.10.2002; ADI 336/SE, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJe 16.9.2010; e ADI-MC 780/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, Pleno, DJ 16.4.1993.

Desde sua instituição pela Lei n. 4.440/1964, quando vigente a CF/1946, o salário- educação sofreu forte impugnação quanto à sua constitucionalidade354

. Antes da CF/1988,

353 VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição Tributária Interpretada. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2012. p. 674.

354 A propósito do desenvolvimento legislativo e das controvérsias constitucionais do salário-educação cf.

KRAKOWIAK, Leo. “A ‘Contribuição Social do Salário-Educação’ perante a Constituição Federal de 1988”. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 22, São Paulo: Dialética, julho de 1997. p. 30-42. BORGES, José Souto Maior. “A Constitucionalidade do Salário-Educação (Lei 4.440/64 e Legislação Superveniente)”. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 45, São Paulo: Dialética, junho de 1999. p. 108- 122. PEIXOTO, Edison Araújo. “Anotações sobre o Salário-Educação”. Revista de Previdência Social, Ano XXII, n. 208, São Paulo: LTR, março de 1998. p. 197-203. GODOI, Marciano Seabra de; OLIVEIRA, Pablo Henrique de; & SALIBA, Luciana Goulart Ferreira. “Contribuições: Sociais, de intervenção no domínio

o STF julgou constitucional a referida contribuição, com base na CF/1969, no julgamento do RE 83.662/RS, Red. para o acórdão Min. Xavier de Albuquerque, Pleno, DJ 17.10.1977, afastando a natureza jurídica de tributo da exação. Naquela oportunidade, o fundamento para afastar a natureza tributária fincava-se na possibilidade de a cobrança da contribuição ser substituída pelo financiamento direto das empresas no ensino de seus funcionários e dependentes, nos termos do voto do Min. Moreira Alves.

A CF/1988, por sua vez, recepcionou expressamente a contribuição do salário- educação com natureza tributária e a EC 14/1996 eliminou qualquer possibilidade de substituição (ou dedução) da contribuição social em comento. Ou seja, a EC 14/1996 estendeu a competência tributária da União para a cobrança do salário-educação independentemente da atuação direta dos contribuintes quanto ao ensino fundamental.

Em primeiro momento, alguns partidos políticos impugnaram tanto a EC 14/1996 quanto a Lei n. 9.424/1996, que a regulamentou, com fundamento de que o aprofundamento da vinculação das receitas dos impostos contrariaria a forma federativa de Estado (art. 60, §4º, IV, CF/1988). Apesar de indeferir a liminar no julgamento da ADI- MC 1.749/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, Pleno, DJ 24.10.2003, assentando a insuficiência da relevância da fundamentação, o STF resolveu não conhecer da ação direta, por ocasião do julgamento do mérito – vencidos o Min. Octavio Gallotti, Relator; além dos Min. Néri da Silveira e Ilmar Galvão, que julgavam improcedente a ação –, por ausência de impugnação às novas competências administrativas da União, então expressas no art. 211, §1º, da CF/1988, no julgamento da ADI 1.749/DF, Red. para o acórdão Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ 15.4.2005.

Essa decisão, nada obstante sua conclusão pelo não conhecimento, é bastante relevante justamente por revelar a preocupação do Tribunal em examinar a análise formal das alterações das competências tributárias, contextualizada pelas alterações de competências administrativas e financeiras. Em outras palavras, não ignorou o STF a finalidade dos tributos para a atuação do poder público na promoção de caros direitos fundamentais, como a prestação do serviço de educação e a erradicação do analfabetismo.

Nessa mesma linha, apreciou o Tribunal a ADC 3/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ 9.5.2003, declarando a constitucionalidade formal e material do art. 15 da Lei 9.424/1996.

econômico e de Interesse de Categorias Profissionais ou Econômicas”. In: GODOI, Marciano Seabra de.

Naquela oportunidade, o voto condutor do acórdão ressaltava as importantes finalidades da contribuição social do salário-educação para analisar a constitucionalidade tanto formal quanto material da Lei que regulamentou a EC 14/1996. Nesse importante precedente, o STF assentou o seguinte: (a) as alterações de enunciados legislativos por uma das Casas do Congresso Nacional não dependiam de revisão pela outra nos casos de ausência de modificação da proposição jurídica; (b) não é inconstitucional a bitributação por duas contribuições sociais distintas, desde que não se trate da competência residual prevista no art. 195, §4º, da CF/1988; e (c) ainda que não recepcionada a delegação ao poder executivo para fixar a alíquota de tributo, permanece vigente a última alíquota fixada por decreto antes da promulgação da CF/1988.

Em outras palavras, o STF afastou-se de interpretação mais formalista do Texto Constitucional, para reconhecer a constitucionalidade formal de norma legal alterada pelo Senado que não foi devolvida à Câmara dos deputados, antes da sanção presidencial. Além disso, o STF não deu amparo à vedação da bitributação, questão diretamente relacionada à capacidade contributiva e à vedação de confisco tuteladas pela Carta Magna, permitindo que tanto a contribuição social prevista no art. 195, I, “a”,CF/1988 quanto aquela disciplinada no art. 212, §5°, da Carta Magna incidissem sobre a folha de pagamento das empresas brasileiras. Nada obstante a especial oneração de elemento diretamente ligado à geração de empregos e ao custo da iniciativa privada, o tribunal entendeu, na ocasião, que a opção do constituinte pelo financiamento ao direito fundamental da educação deveria ser prestigiada.

Nesse sentido, não é de estranhar que a fundamentação dos dois votos vencidos tenha abordado a necessidade de financiamento da educação, apesar de reconhecerem apenas a inconstitucionalidade formal. Na oportunidade, referiu-se o Min. Marco Aurélio:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhor Presidente, reconheço que a matéria é das mais delicadas, considerado o interesse social. (...) Reconheço que o problema maior que temos no Brasil é o da educação. Verifico, também, que os impostos cobrados não são suficientes – em vista de outros compromissos, principalmente os acessórios da dívida interna – a proporcionar, mormente à população menos favorecida, a escola, o grau de educação desejado e, portanto, almejado.

(...)

Em síntese, por mais que me esforce, visando ao interesse social quanto a contar-se com recursos para a promoção da educação, não consigo suplantar o obstáculo maior de índole formal, no que ligado ao processo legal ativo, tal como disciplinado na Carta da República355.

Também o voto do Min. Sepúlveda Pertence apontou “profundo wishful thinking” pela constitucionalidade, mas reconheceu a inconstitucionalidade formal da norma tributária.

Ressalte-se que, no julgamento da ADI-MC 1.627/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, Pleno, DJ 24.10.1997, o STF deferiu cautelar apenas para suspender a fixação de prazos dirigidos às Unidades da Federação, previstos na Lei 9.424/1996, mantendo as diversas competências administrativas disciplinadas na referida lei.

Em momento posterior, o STF reconheceu a constitucionalidade da contribuição social do salário-educação tanto com relação à CF/1969 quanto à CF/1988, nos autos dos RE 272.872/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, DJ 10.10.2003, e RE 290.079/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, DJ 4.4.2003, sem nenhuma solução de continuidade. Ressalte- se, neste último precedente, que o voto da Min. Ellen Gracie já invoca o “objetivo fundamental de solidariedade insculpido no pórtico da constituição cidadã”, para defender a recepção e a constitucionalidade da cobrança do salário-educação356

, inclusive na redação da EC 14/1996.

Esse entendimento culminou consagrado no Verbete n. 732 da Súmula do STF, com a seguinte redação: “É constitucional a cobrança da contribuição do salário-educação, seja sob a Carta de 1969, seja sob a Constituição de 1988, e no regime da Lei n. 9.424/1996”. Além disso, o STF reafirmou essa compreensão em sede de repercussão geral, no tema 518, apreciado no âmbito do RE-RG 660.933, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 23.2.2012.

Em síntese, o Plenário do STF sempre referendou as sucessivas alterações relativas à contribuição social do salário-educação e a redistribuição de receitas estabelecidas por emenda constitucional, fundamentando-se reiteradamente na importância do direito fundamental financiado pela tributação em comento.