• Nenhum resultado encontrado

2.2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E ESTADO FISCAL

2.2.1 Receitas públicas e CF/1988

2.2.1.2 Receitas Derivadas

No pertinente às receitas derivadas, a Carta Magna claramente prestigia os tributos em relação às demais modalidades, em especial às multas, à receita de senhoriagem pela emissão de moeda e à emissão de títulos.

Com efeito, as breves disposições da Carta Magna sobre a emissão de moeda e emissão de títulos, a exemplo dos arts. 163 e 164 da CF/1988, estão mais voltadas aos impactos na política monetária do que ao levantamento de receitas, sobretudo tendo em vista os limites materiais desses institutos e os riscos de efeitos deletérios, seja quanto à inflação naquele, seja quanto ao superendividamento neste287.

De outra sorte, a Constituição Federal dedica especial atenção aos tributos, em especial aos impostos, com esmiuçadas disposições sobre sua incidência e o destino de seus recursos.

Desde logo, o presente trabalho adota a classificação dos tributos detalhada por PAULO AYRES BARRETO288, que aplica sucessivamente os seguintes critérios de divisão: vinculação, destinação e restituição289. Assim, nada obstante a classificação encampada pelo voto condutor no RE 138.284/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, Pleno, DJ 28.8.1992, tem razão a corrente que identifica cinco espécies tributárias na CF/1988, a saber: impostos (tributo não vinculado, não destinado e não restituível); contribuições

287 MENDES, Gilmar Ferreira & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed.

São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1367.

288 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 2. ed. São Paulo:

Noeses, 2011. p. 50-74.

289 A propósito da pertinência constitucional desses critérios na classificação dos tributos cf.

MOUSSALLEM, Tárek Moysés. “Classificação dos Tributos: uma visão analítica”. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: IBET, dezembro 2007. Disponível em:: http://www.ibet.com.br/download/Tárek%20Moysés.pdf . Acesso em: dez. 2014. p. 601-37.

(tributo não vinculado, destinado e não restituível); empréstimos compulsórios (tributo não vinculado ou vinculado, destinado e restituível); taxas e contribuições de melhoria (tributos vinculados, não destinados e restituíveis).

Ademais, é importante destacar que, no âmbito da CF/1988, o dever fundamental de pagar impostos encontra amparo no seu art. 145, §1º,290 que dispõe:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – impostos; (...)

§1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Esse dispositivo não impõe um estado de sujeição permanente do contribuinte291, mas determina a arrecadação compulsória de tributos desvinculados cingidos aos direitos individuais e à capacidade contributiva, isto é, sem dependência da vontade ou da autorresponsabilidade dos cidadãos292.

Assim, a Constituição Federal é clara em assegurar direitos – e direitos fundamentais – aos contribuintes, mas também em afastar qualquer pretensão ao não pagamento dos impostos. Por outro lado, tanto quanto possível deve ser observada a capacidade econômica do contribuinte. Logo, as duas características essenciais do dever fundamental de pagar impostos estão presentes na CF/1988.

Ainda que o prevalecimento do Estado Fiscal sobre o Estado Tributário seja imperiosidade prática, como já exposto293, a Carta Magna indubitavelmente prestigiou os impostos em detrimento dos tributos vinculados.

De fato, os tributos vinculados autorizados pela Constituição são previstos em breves disposições, quais sejam, as taxas (art. 145, II e § 2º, CF/1988) e as contribuições de melhoria (art. 145, III, CF/1988), enquanto os impostos foram pormenorizados cuidadosamente, com diversas regras típicas de legislação infraconstitucional e, até, infralegal.

290 MENDES, Gilmar Ferreira & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed.

São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1368.

291 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica: metódica da

segurança jurídica do Sistema Constitucional Tributário. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.

332.

292 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. 3ª Reimpressão. Coimbra: Almedina,

2012. p. 186.

Quanto aos estados e municípios, a rigor, os impostos são quase a fonte de receita exclusiva, seja pelas competências diretas (arts. 155 e 156 da CF/1988), seja pelas repartições constitucionais das receitas dos impostos (arts. 157 a 162 da CF/1988).

Mesmo em relação à União, há evidente prevalecimento de competências e regras sobre impostos. Ressalte-se que eles também são hegemônicos comparados a outros tributos não vinculados previstos na Constituição e, em regra, de competência exclusiva da União.

No que se refere aos empréstimos compulsórios, a constituição só os autoriza, nos termos do art. 148 da CF/1988, em caso de despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência, bem como de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.

Por outro lado, quanto às contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, que têm ganhado bastante relevância nos últimos anos, trata-se de típicos tributos não vinculados, cujo prevalecimento não descaracterizaria o Estado Fiscal.

A rigor, essas contribuições têm as mesmas características essenciais dos impostos, com a única distinção de o produto de sua arrecadação estar dirigido à determinada finalidade constitucional294.

Não se confundem, portanto, essas contribuições com tributos especiais do direito comparado, tais como as contribuições de Portugal295, Beiträge da Alemanha, contribuciones especiales da Espanha, tributo speciale da Itália e cotisation sociale da França, que invariavelmente pressupõem benefícios aos contribuintes296. Apenas a contribuição de melhoria guarda alguma semelhança com esses tributos estrangeiros.

No que se refere ao peso na arrecadação global, os impostos permanecem como a maior fonte de receitas públicas no Brasil297, tendo arrecadado aproximadamente 892,78 bilhões de reais em 2013 nas três esferas. As contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e outras espécies de tributos não vinculados arrecadaram aproximadamente 815,78 bilhões reais, enquanto os tributos vinculados arrecadaram pouco mais de 28 bilhões de reais.

294 Cf. supra item 2.1.2.2.

295 Cf. BARRETO, Paulo Ayres. “Contribuições: classificação, destinação e limites”. Revista de Direito

Tributário n. 98. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 193 (194).

296 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 153-4. 297 Cf. Anexo II, sobre a arrecadação da União, Estados e Municípios.

É certo que há um peso cada vez maior das contribuições sociais, principalmente na arrecadação da União, mas, ao menos por enquanto, os impostos seguem como as mais importantes fontes de receita pública no Brasil.

Além disso, os próprios princípios fundamentais da CF/1988, presentes em seu art. 1º, apontam o prevalecimento do Estado Fiscal no Brasil, como se verificará a seguir.

2.2.2 Comparação das formas de receita

Examinadas as disposições constitucionais quanto às receitas originárias e derivadas, é possível a devida comparação para examinar se a CF/1988 privilegia certa forma de receita e, em caso positivo, determinar se o Estado Fiscal é decorrência necessária da Carta Magna.

2.2.2.1 Estado Fiscal e Federalismo

Em relação ao princípio do Federalismo, repita-se que a CF/1988 atendeu a antigo anseio de descentralização de recursos da União para os estados e municípios e de recursos dos estados para os municípios (cf. supra item 1.2.1.4; LEAL, 2012, p. 70), por meio da repartição de competências e das receitas dos impostos298.

Note-se que, em relação a outras fontes de receitas, já há o esforço na construção de novas fórmulas de descentralização, como a distribuição de royalties na exploração de recursos minerais e da contribuição de intervenção no domínio econômico relativa a petróleo e gás natural (art. 177, §4º, c/c 157, III, da CF/1988).

Todavia, os impostos contêm, mais do que qualquer outra fonte de recursos, regras de repartição de receitas e maior participação de estados e municípios no produto.

Nessa esteira, o prevalecimento dos impostos como principal fonte de recursos públicos implica, ao menos em maior extensão, maior autonomia financeira das entidades políticas descentralizadas, principalmente aquelas com maior dificuldade de obter recursos por sua própria arrecadação.

Ressalte-se que essa autonomia financeira, principalmente quanto aos municípios, é essencial para a efetivação de direitos fundamentaisjustamente nas áreas mais carentes,

298 OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. “A Evolução da Estrutura Tributária e do Fisco Brasileiro: 1889-2009”

in Texto para Discussão do IPEA, n. 1469, Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), jan. 2010. p. 1 (40). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1469.pdf . Acesso em: dez. 2014.

longe dos grandes centros urbanos e das capitais. A distribuição de recursos, nesse aspecto, amplia a efetividade dos direitos299.

A dificuldade de repartir verbas provenientes tanto da exploração do patrimônio e de atividade econômica do Estado quanto de tributos vinculados, como se verifica do impasse político na distribuição dos royalties atualmente, indica a vantagem dos impostos como principal fonte de recursos públicos.

Frise-se que essa vantagem reflete-se inclusive comparativamente aos tributos de arrecadação vinculada, como as contribuições sociais.

É certo que a União tem expandido aceleradamente a base das contribuições, principalmente das contribuições sociais, justamente por não precisar dividir o produto da arrecadação com estados e municípios. No entanto, essa inclinação pode prejudicar sensivelmente o equilíbrio federativo contra a clara tendência descentralizadora da CF/1988, constituindo mais uma razão para o prevalecimento dos impostos e do Estado Fiscal sobre a estrutura do Estado Federal brasileiro.

Dessa forma, o Estado Fiscal prestigia a máxima efetividade do Federalismo no Brasil em proveito, também, da eficácia dos direitos fundamentais.