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Críticas e controvérsias sobre o conceito de capital social 1 O lado negro do capital social

Um capítulo que apresenta uma incursão ao conceito de capital social sem uma análise de todas as suas facetas - incluindo as menos abonatórias - ficaria aquém de uma abordagem holística, pelo que a seguir se dedica uma breve reflexão ao seu lado mais obscuro.

Se é profusa a literatura sobre os benefícios do capital social, tem sido dada menos visibilidade ao seu “lado negro”. “The dark side of social capital” é precisamente o título de um capítulo de Bowling Alone (Putnam, 2000, p. 350), tema ao qual são dedicadas umas escassas treze páginas, para além de referências pontuais ao longo do livro. O politólogo admite que um capital social elevado possa ser utilizado para fins danosos, aludindo ao ataque bombista de Timothy McVeigh em Oklahoma:

Network and the associated norms of reciprocity are generally good for those inside the network, but the external effects of social capital are by no means always positive. It was social capital, for example, that enabled Timothy McVeigh to bomb the Alfred P. Murrah Federal Building in Oklahoma City. McVeigh’s network of friends, bound together by a norm of reciprocity, enabled him to do what he alone could not have done (Putnam, 2000, p. 21).

O capital social pode ser catalisador do crime organizado, precisamente com base na reciprocidade e confiança, e nesta linha não difere de outro tipo de capital: “McVeigh also relied on physical capital, like the explosive-laden truck, and human capital, like bomb-making expertise, to achive his puposes” (Putnam, 2000, p.22).

Mesmo assim, Putnam (2000) assegura que o importante é saber de que forma as suas características positivas - tais como o apoio mútuo, a cooperação, a confiança e a eficiência institucional - podem ser aproveitadas para minimizarem os efeitos negativos do capital social: o sectarismo, o etnocentrismo, a corrupção. E sustém que as vantagens ultrapassam largamente os aspetos negativos, pelo que a balança pende para os benefícios, como por exemplo, “(…) our schools and neighborhoods don’t work so well when community binds slacken (…) our economy, our democracy, and even our health and happiness depend on adequate stocks of social capital” (pp. 27-28).

De entre os vários autores, Bourdieu (1980) foi identicamente uma voz que alertou para o seu lado negativo, como atrás foi mencionado, ao referir-se ao capital social como prerrogativa dos que têm estatuto social e económico privilegiado, sendo por esse motivo detentores de maior número de ligações sociais – um fenómeno passível de acentuar a desigualdade social.

Também Field (2008) se concentra sobre a forma como o capital social pode causar desigualdade social, na medida em que o acesso a diferentes redes de relações sociais pode estar distribuído de modo iníquo. Um pouco em linha com o que defende Bourdieu (1980), Field (2008) sublinha que os indivíduos que têm mais capital cultural e financeiro possuem geralmente mais capital social, por outras palavras, estão mais envolvidos com outras pessoas que por sua vez são “bem relacionadas” e ocupam posições favoráveis nas redes de relações sociais. Assim, aqueles que têm mais ligações têm tendência a usá-las em benefício próprio, o que reforça a inequidade social.

A desigualdade reproduzida pela distribuição - também ela díspar - das diferentes formas de capital (humano, social) é objeto de reflexão por Lin (2001, 2008),

que considera que esta não é uma característica exclusiva do capital social: “(…) inequality in different types of capital, such as human capital and social capital, brings about social inequality, such as in socioeconomic standing and the quality of life” (Lin, 2001, p.99).

Reportando-se a investigação realizada neste domínio, Lin (2001) defende que a inequidade social produzida pelo capital social resulta de dois fatores: défice de capital e défice de retorno de capital. Nas palavras deste autor, o défice de capital refere-se às consequências de um processo em que o diferencial no investimento ou no acesso a oportunidades resulta numa falta qualitativa ou quantitativa de capital entre dois grupos: “For example (…) different social groups may be embedded in different social hierarquies or social networks that facilitate or constrain their members’ capital acquisition”, (Lin, 2001, p. 100). Quanto ao défice de retorno, resulta de um processo em que uma determinada quantidade ou qualidade de capital gera um retorno diferencial para os membros de grupos sociais: “For example, males and females with a given quality or quantity of social capital, receive differential returns in status attainment – such as positions in organizations, occupational prestige, or earnings” (p. 100).

Ainda assim, é importante reconhecer a dificuldade em atribuir responsabilidades exclusivas à existência de capital social na criação de iniquidades sociais, étnicas, económicas e culturais, pelo que Field (2008) aprofunda o que designa por efeitos perversos do capital social. Muito embora essa perversão possa estar no olhar de quem observa (“One person’s terrorist is another person’s freedom fighter”, Field, 2008, p. 92), o mesmo aventa que deve distinguir-se entre redes de relações sociais que geram resultados favoráveis aos seus membros e à comunidade alargada, e as que são “perversas”, nas palavras do autor (p. 92). Destas últimas são exemplos o crime organizado (gangues de rua, cartéis de droga, grupos terroristas), onde a corrupção é facilitada pela amizade, confiança e reciprocidade.

Desta forma, Field (2008) questiona se os resultados perversos do capital social são o resultado de um tipo particular de capital social. É que, explica o autor por referência a Putnam (2000), o capital social negativo tem sido associado à existência de laços estreitos entre as pessoas e ao capital social exclusivo (bonding), isto é, ao capital que resulta das ligações entre as pessoas num grupo relativamente fechado ou exclusivo dos seus membros. Este capital reflete a tendência do que Field (2008) designa por “particularized trust” (p. 96), e que define como “(…) a propensity to trust those to

whom one is related through kinship or personal acquaintance, or who share membership of a known common grouping such as a church or an association” (p.96).

Esta confiança particularizada pode resultar de fatores externos, e da prudência de não confiar em estranhos (Field, 2008), um fenómeno que reforça os laços internos de uma estrutura - excluindo os que lhe são exteriores - e que pode ter um efeito opressivo nos seus membros: para encarar o capital como recurso deve predominar a confiança mútua, mas também é necessário aceitar e interiorizar os valores da estrutura. A sua transgressão pode resultar em fortes penalizações, o que pode resultar num desejo de fuga ao controlo exercido (Field, 2008).

Sobre se o capital social está em guerra com a igualdade social, Putnam (2000) reconhece que a tendência decrescente do volume de capital social nos Estados Unidos desde a década de cinquenta, a par de um aumento na tolerância, parece indicar que hoje uma América mais tolerante do ponto de vista racial, de género e social, resulta daquele decréscimo, uma vez que “The abundant social capital of the 1950s was often exclusionary along racial and gender and class lines” (Putnam, 2000, p. 358).

Porém, um olhar mais atento a outros indicadores (a educação, os rendimentos, o urbanismo, por exemplo) permite que o autor enverede pelo argumento de que a mudança geracional - a substituição de gerações mais conservadoras por gerações mais respeitadoras da liberdade individual - estará na origem do crescimento da tolerância face a tópicos como o casamento interracial, a igualdade de género e a homossexualidade. Assim, o tipo de capital social necessário depende dos problemas aos quais é necessário dar resposta: “For ensuring that small children get the stimulation and structure they need bonding social capital may be optimal (…) For improving public schools we need social capital at the community level (…)” (Putnam, 2000, p. 363).

Ao longo deste capítulo procurou enquadrar-se o objeto de investigação deste trabalho de pesquisa, pelo que se procedeu à apresentação do seu quadro de referência teórico. Foram enunciados os quatro principais autores deste campo de saber, cujo pensamento e investigação constituiu o suporte epistemológico ao estudo empírico realizado. Foi feita a descrição do estado de arte do conceito de capital social e referidas as suas principais facetas e entendimentos. Finalmente, foram mencionados os aspetos que mais têm sido criticados pelos especialistas, como forma de concluir uma abordagem que se pretendia holística. O próximo capítulo prossegue a reflexão aqui iniciada, abordando a relação do capital social com a educação.

CAPÍTULO 3

CAPITAL SOCIAL, DIMENSÃO DA ESCOLA E LIDERANÇA