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2.3. O estado da arte do capital social

2.3.2. O contributo de James Coleman

Contemporâneo de Bourdieu, o sociólogo americano James S. Coleman também contribuiu com uma importante parcela para a edificação do conceito de capital social, ao estabelecer a sua ligação à Educação e à noção de capital humano como preditores de sucesso em gerações vindouras (Coleman, 1988).

Antes, porém, este investigador notabilizou-se na área da Educação em 1966, na sequência de uma investigação de grande escala sobre o sucesso escolar que concluiu que as origens e ambiente familiar e da comunidade têm maior influência sobre os resultados académicos do que as características da escola ou a qualidade dos professores. Levado a cabo em tempos socialmente explosivos, numa América que vivia ainda sob o espectro da segregação racial, o Equality of Educational Opportunity (Coleman, 1966),que ficaria conhecido por “Coleman Report”, surge a pedido do Congresso norte-americano num esforço de compreender os fatores de (in) sucesso na educação de crianças oriundas de minorias étnicas.

O survey foi realizado pelo Centro Educacional de Estatística do Departamento de Educação dos Estados Unidos, sob a supervisão de Coleman. Os instrumentos de investigação utilizados foram testes e questionários aplicados a alunos do primeiro, terceiro, sexto, nono e décimo segundo anos, e questionários aplicados a professores e diretores de escolas. Procedeu-se ainda à identificação dos recursos disponibilizados

pelas escolas, estabelecendo a sua correlação com a variável “etnia”, numa tentativa de averiguar se o rendimento escolar era influenciado por este fator.

Apesar de, por exemplo, se concluir que os alunos negros tinham menos acesso a instalações e condições físicas nas escolas às quais é associado o sucesso académico (tais como laboratórios de física, de química e de línguas, número de livros por aluno na Biblioteca Escolar), a verdade é que não se encontrou um padrão suficientemente consistente entre este fator e o sucesso obtido pelos alunos nos testes que foram aplicados nas escolas no âmbito deste estudo. Em contraste, a qualidade dos professores demonstrou ser um fator influente no sucesso dos alunos, assim como o seu meio familiar e socioeconomico.

Mais tarde, prosseguindo o seu interesse pelas questões da Educação e influenciado pelo trabalho do seu colega Gary Becker sobre a noção de capital humano (1964, 1965) e pelo contributo de Schultz (1961), o sociólogo publica “Social Capital in

the creation of Human Capital” (1988). Coleman afirma que o tempo e os recursos

aplicados por um indivíduo na construção do seu capital humano através da escolarização podem trazer-lhe benefícios futuros, tais como um emprego bem remunerado, maior satisfação e realização profissional, ou um estatuto social mais elevado (Coleman, 1988).

Tanto o capital físico como o capital humano têm uma natureza essencialmente privada e favorecem sobretudo os indivíduos que investem em bens (capital físico) ou em si próprios (capital humano). Em contraste, diz o investigador, o capital social resulta de mudanças nas relações entre as pessoas, que são por sua vez facilitadoras de ações e podem reverter a favor de um coletivo. Uma comparação entre os três tipos de capital – físico, humano e social – pode observar-se de modo sintetizado no seguinte quadro:

Capital Físico

Tangível Mensurável Estável, ainda que a sua

degradação possa ser medida. Capital

humano

Menos tangível do que o capital físico.

Mensurável Bastante estável, ainda que

se possa degradar. Capital

social

Intangível de forma direta, mas presente nas relações

sociais.

Funcional,mas suscita o problema

de como pode ser medido.

Depende de um contexto específico.

Neste artigo, Coleman (1988) parte do argumento de que há duas correntes intelectuais que explicam de forma distinta o que é a ação social: uma, de raiz sociológica, descreve a ação social em contexto social explicando como esta é moldada, limitada e alterada por esse mesmo contexto. A outra, de essência económica, vê o indivíduo apenas como agindo por conta própria e centrado sobre si mesmo.

Em ambas teorias Coleman (1988) reconhece virtudes e falhas: a que provém da sociologia tem como positivo o facto de descrever a ação em contexto e como defeito a circunstância de olhar para o ator como não tendo vontade própria, nem iniciativa. A de orientação económica apresenta a bondade de ter um princípio de ação, o de maximizar a utilidade, mas o problema de olhar para o indivíduo como um ser totalmente guiado por objetivos individualistas, e alheado do contexto social em que vive. Uma visão que colide com a realidade empírica: as ações das pessoas ocorrem em contexto social, e são reguladas por normas, confiança mútua, redes de relações, com implicações não apenas na organização social em que se desenvolvem, mas também na própria economia.

Assim, o que este autor propõe é uma nova orientação teórica representativa do melhor dos dois mundos, motivo por que a noção de capital social se afigura ideal. Define este conceito pela sua função considerando que não se trata de um entidade única, mas de uma variedade de entidades que têm dois denominadores comuns: são parte de uma estrutura social e são facilitadoras de ações sociais (Coleman, 1988).

Nesta visão estão incorporadas as noções de reciprocidade, isto é, expetativas e de obrigações, de confiança, do acesso à informação, de normas e sanções, mecanismos catalisadores e reguladores dos laços criados entre pessoas que integram uma mesma estrutura.

Começando pela ideia de obrigações e expetativas, o autor afirma que se o sujeito “A” faz algo a “B” e confia que este lhe devolva o favor ou a ação futuramente, a situação cria uma expetativa em “A”, e uma obrigação em “B”. Esta obrigação representa um “talão de crédito para “A”, por ter feito uma ação a “B”. Assim, se A possuir muitos “talões de crédito”, de muitas pessoas com quem se relaciona, é possível estabelecer uma analogia direta com a noção de capital, diz Coleman (1988). De acordo com Coleman (1988), este tipo de capital social depende de dois fatores: o grau de confiabilidade do ambiente social, e o grau em que as obrigações são assumidas, sendo que o volume de capital social é proporcional à sua densidade e prevalência.

Uma outra forma de capital social resulta do potencial de informação que apresentam as relações sociais, escreve Coleman (1988), dando como exemplo a

situação de alguém que embora não tenha especial interesse nas notícias mas goste de estar informado, possa poupar tempo conversando com alguém que acompanha a atualidade. Neste contexto, as relações sociais são uma forma de capital social, que facilita a ação de acesso à informação.

As sanções e as normas são também configurações de capital social: por exemplo, nas situações em que uma norma inibe a criminalidade, ou contribui para o sucesso educativo de uma escola, ou quando uma comunidade envolvente recompensa os bons resultados escolares (Coleman, 1988). A norma com maior potencial de reunir capital social é a que tem em conta o bem e os interesses coletivos. Quando reforçadas por recompensas como o estatuto social e a honra, as normas desta natureza são o capital que edifica nações, fortalece as relações familiares e que favorece o desenvolvimento de movimentos sociais norteados pela vontade de trabalhar para o bem público (Coleman, 1988).

No respeitante às estruturas sociais mais facilitadoras da criação e desenvolvimento de capital social, Coleman (1988) é perentório, defendendo que as que são fechadas exibem melhores garantias por ser mais fácil e eficaz a aplicação de normas. Numa estrutura aberta, a aplicação de normas é mais difícil, uma vez que os elementos que dela fazem parte podem nem sequer interrelacionar-se todos entre si, colocando em risco a combinação de forças necessárias ao cumprimento de normas, e à imposição de sanções. A eficácia (ou não) do cumprimento de normas e a imposição de sanções é mais notada numa estrutura fechada, já que, como diz Coleman (1988) a capacidade de as manter depende das características tais como a oclusão. Torna-se mais fácil observar o fluxo e acesso à informação entre os seus elementos, o grau de confiabilidade entre as pessoas, e os efeitos que essa confiabilidade tem nas suas relações: um nível elevado de confiabilidade representa um capital social elevado, um baixo nível de confiabilidade é um fator inibidor de capital social: “Closure of the social structure is important not only for the existence of effective norms but also for another form of social capital: the trustworthiness of social structures that allows proliferation of obligations and expectations” (Coleman, 1988, p.107).

Ancorado nestes fundamentos, o investigador elegeu o núcleo familiar e a Escola para o estudo do capital social por serem consideradas estruturas fechadas, e pelo princípio de que o capital social aí gerado poder ter uma influência substantiva na criação do capital humano de gerações futuras. Em ambas o sociólogo procurou investigar a relação entre capital social e o sucesso escolar dos alunos, isto é entre os

que prosseguem estudos até ao final do secundário, ou, pelo contrário, abandonam precocemente a escola.

No que concerne a família, Coleman (1988) toma como ponto de partida o item ‘ambiente familiar’ dos discentes, analisando-o por referência a três indicadores: o capital financeiro (rendimentos ou à riqueza da família), o capital humano (habilitações académicas dos pais), e o capital social (o resultado das relações entre pais e filhos, traduzido no grau de presença e na atenção dada pelos progenitores).

Em contexto fora da família, o investigador analisou a taxa de abandono escolar, realizando um estudo comparativo entre alunos da escola pública, e alunos das escolas privadas católicas. Coleman (1988) escolheu como indicador o número de vezes que um aluno mudou de escola porque a família mudou de residência, no pressuposto de que as relações sociais (a base do capital social) são quebradas cada vez que há uma mudança.

Foi avaliada a correlação da mudança de residência familiar com a taxa de abandono escolar, procurando daí retirar ilações sobre o capital social destes alunos. O sociólogo concluiu que quanto mais vezes os alunos mudam de escola, mais elevada é a taxa de abandono, sendo este um fator que tem peso superior neste fenómeno comparativamente a diferenças no estatuto socioeconómico das famílias, por exemplo.

O outro indicador foram as características das próprias escolas que integraram o estudo: escolas secundárias públicas, escolas secundárias católicas privadas, e escolas privadas não religiosas. As que apresentaram taxas mais baixas de abandono foram as escolas privadas católicas, o que incita Coleman (1988) a defender o argumento de que, por estarem inseridas em comunidades inter-geracionais fechadas, prolongam o seu campo de ação e funcionam como fator preventivo no abandono escolar. Esta ideia reforça o parecer de que, quando o capital social da comunidade envolvente da escola é alto tem efeitos positivos no desempenho escolar das suas crianças e jovens.

Para Coleman (1988) o capital social foi especialmente útil na compreensão da relação entre os resultados escolares e a desigualdade social, tendo o seu contributo neste campo sido feito através de estudos empíricos sobre estas questões (Baron Field & Schuller, 2000). Para além de registar melhores níveis de desempenho escolar nas escolas privadas católicas, Coleman também observou que as expetativas dos seus professores eram mais altas do que nas outras escolas, o que, na sua opinião, beneficiava sobretudo os alunos oriundos de meios mais desfavorecidos.

Em afinidade com o sociólogo francês Bourdieu, o interesse de Coleman adveio das suas tentativas de explicar a relação entre desigualdade social e o desempenho

académico nas escolas (Baron Field & Schuller, 2000; Field, 2008), um pouco na linha do trabalho desenvolvido na década de sessenta com o Coleman Report (1966), atrás mencionado. Contudo, em resultado das suas investigações o académico norte- americano conseguiu demonstrar que o capital social não é uma prerrogativa dos mais poderosos, como defendia Bourdieu, mas também acarreta reais benefícios nas comunidades pobres e marginalizadas (Field, 2008).

A sua exploração do conceito levou a que se saísse da ideia circular apresentada por Bourdieu, sugerindo que na relação entre capital social e o acesso aos recursos, os poderosos mantinham-se poderosos por causa dos seus contactos e relações com outras pessoas poderosas (Baron Field & Schuller, 2000).

Mais tarde, Coleman viria a apurar a sua definição de conceito social, sem no entanto perder de vista a estreita relação com o acesso a recursos: “Social capital is the set of resources that inhere in family relations and in community social organization and that are useful for the cognitive or social development of a child or a young person” (1994, p. 300). O sociólogo defende que o capital social que influi no desenvolvimento de um jovem não existe apenas na família, pode também encontrar-se na comunidade (por exemplo nas relações entre os pais e as suas instituições).

Em síntese, para este autor o capital social são os recursos reais ou potenciais obtidos através das relações sociais em estruturas fechadas. Os indivíduos que pertencem a uma rede social envolvem-se em processos de intercâmbio ou transferência de recursos ao serviço dos seus próprios interesses.

Na perspetiva de Coleman, a forma como os atores exercem controlo sobre os recursos, mas também o seu interesse pelo resultado (retorno) de processos controlados por outros atores e que facilitam as ações individuais num grupo ou rede social, constituem a base do capital social.