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3.5. Desafios à Liderança do Diretor de um “mega-agrupamento” de Escolas

3.5.1. O Diretor de escola: um novo paradigma de liderança

Importa agora dedicar uma breve ponderação desta temática situando-a na realidade educativa portuguesa. No que constitui uma modificação substancial do paradigma anterior em vigor (que assentava num órgão colegial), o atual modelo de gestão e administração escolar apresenta uma perspetiva diferente de gestão da escola, centrada num órgão unipessoal, o diretor. O Ministério da Educação pretendeu criar “condições para que se afirmem boas lideranças e lideranças eficazes, para que em cada escola exista um rosto, um primeiro responsável, dotado da autoridade necessária para desenvolver o Projeto Educativo da escola (…) ” (DL n.º 75/08).

Curiosamente, pelas condições criadas nas escolas as evidências apontam uma direção burocrática e não uma liderança pedagógica (implicada, por exemplo, no desenvolvimento do Projeto Educativo da escola), o que pode constituir um obstáculo ao imperativo de produzir bons resultados e um ensino de qualidade. Nesta ordem de ideias “A limitação a uma gestão burocrática dos estabelecimentos de ensino, nas condições actuais, torna-se cada vez mais insuficiente” e constitui um aspeto “sem dúvida problemático” (Bolívar, 2012, p.51). Terá forçosamente de ser encontrada uma solução “(…) para reduzir a imensa carga administrativa dos diretores, para que possam dedicar a maior parte do tempo a gerir os processos institucionais e pedagógicos dos seus estabelecimentos” (Bolívar, 2012, p.53).

Em Portugal este é justamente o cenário que se observa: posicionado entre o Ministério e a organização que tem de gerir, o diretor vive frequentemente dilemas relacionados com a tomada de decisões (Mesquita, 2011). Como sublinha Barroso (2011), “Há muitos directores que vivem, hoje, uma espécie de esquizofrenia funcional na tentativa de satisfazerem injunções paradoxais emanadas da administração ou de conciliarem a obediência às directivas das autoridades governamentais com a diversidade dos contextos em que actuam” (p.20). A este respeito também Lima (2011) afirma que o diretor escolar se encontra numa

contraditória condição (…) por um lado a de um sujeito que concentra novos poderes sobre os subordinados na organização escolar (…) mas por outro lado, e em simultâneo, a de objecto de um mais profundo processo de subordinação e dependência face ao poder central, concentrado e desconcentrado, sobre quem recaem, individualmente e imediatamente, todas as pressões políticas e administrativas (pp. 47-48).

A acrescer a este mal-estar, em boa verdade, o diretor está cada vez mais enredado numa multiplicidade de tarefas de pendor administrativo e impedido de atender às necessidades dos professores e dos alunos e de exercer plenamente a sua liderança - algo que também será possível confirmar nos testemunhos dos diretores participantes nesta investigação.

Em apoio deste argumento basta elencar as competências legalmente atribuídas ao diretor de Escola. De acordo com o Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho (a segunda alteração ao Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de abril), é-lhe confiada “a gestão administrativa, financeira e pedagógica”; compete-lhe submeter o Projeto Educativo elaborado pelo conselho pedagógico à aprovação do conselho geral, assim como o regulamento interno, plano anual de atividades, relatório anual de atividades, propostas de celebração de contratos de autonomia, plano de formação e de atualização do pessoal docente e não docente. São ainda competências especiais do diretor:

a) Definir o regime de funcionamento do agrupamento de escolas ou escola não agrupada; b) Elaborar o projeto de orçamento, em conformidade com as linhas orientadoras definidas pelo conselho geral; c) Superintender na constituição de turmas e na elaboração de horários; d) Distribuir o serviço docente e não docente; e) Designar os coordenadores de escola ou estabelecimento de educação pré-escolar; f) Propor os candidatos ao cargo de coordenador de departamento curricular nos termos definidos no n.º 5 do artigo 43.º e designar os diretores de turma; g) Planear e assegurar a execução das atividades no domínio da ação social escolar, em conformidade com as linhas orientadoras definidas pelo conselho geral; h) Gerir as instalações, espaços e equipamentos, bem como os outros recursos educativos; i) Estabelecer protocolos e celebrar acordos de cooperação ou de associação com outras escolas e instituições de formação, autarquias e coletividades, em conformidade com os critérios definidos pelo conselho geral nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 13.º; j) Proceder à seleção e recrutamento do pessoal docente, nos termos dos regimes legais aplicáveis; l) Dirigir superiormente os serviços administrativos, técnicos e técnico -pedagógicos. k) Assegurar as condições necessárias à realização da avaliação do desempenho do pessoal docente e não docente, nos termos da legislação aplicável; l) Dirigir superiormente os serviços administrativos, técnicos e técnico -pedagógicos (Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, art.º 20.º).

A investigação empírica nacional realizada no âmbito desta temática também confirma esta visão. Embora se situe no modelo de gestão escolar anterior àquele que se encontra presentemente em vigor, a tese de doutoramento de Castanheira (2010) dedicada à investigação da “Liderança e Gestão das Escolas em Portugal: o Quotidiano do Presidente do Conselho Executivo” traz dados que confirmam o excesso de responsabilidades administrativas atribuídas ao responsável máximo da escola.

Trata-se de um estudo de caso que incidiu sobre duas escolas secundárias, com recurso à observação participante, notas de campo e entrevistas a três presidentes do conselho executivo e a quatro vice-presidentes do mesmo órgão. A investigadora concluiu que de todas as tarefas atribuídas ao Presidente do Conselho Executivo, a que ocupa a maior percentagem do seu tempo está associada a procedimentos administrativos, tais como:

(…) o correio, outro tipo de procedimentos administrativos mais gerais e procedimentos administrativos relacionados com a instauração de processos disciplinares, a preparação do ano lectivo seguinte, a delegação de funções, as estratégias de gestão curricular e de gestão do trabalho docente (na medida em que são criadas as estruturas necessárias para a gestão do trabalho dos professores) e a gestão e manutenção de espaços e equipamentos (p.163).

Um estudo de caso levado a cabo na região do Alentejo (Inocêncio, 2013), dedicado à investigação de estilos de liderança do Diretor de escola à luz do Decreto- Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, tendo por referência o quadro conceptual de Bass & Avolio (2004), partiu da seguinte questão: “qual é a perceção que os diversos seguidores (professores e assistentes operacionais e técnicos) têm do comportamento de liderança protagonizado pelo(a) Diretor(a), tendo em conta o modelo de direção e gestão escolar vigente em Portugal?”. O trabalho teve como objeto de estudo o estilo de liderança em oito escolas secundárias não agrupadas (num total de vinte e quatro) pertencentes à Direção Regional de Educação do Alentejo, O objetivo consistiu em compreender as perceções do corpo docente e não docente dos agrupamentos sobre o estilo de liderança do diretor, para aferir a existência de comportamentos de liderança compagináveis com uma liderança transformacional, transacional ou laissez-faire.

Recorreu-se à entrevista exploratória e semiestruturada, à aplicação de um questionário e à análise documental como instrumentos de pesquisa (Inocêncio, 2013).

O estudo devolveu as seguintes conclusões: o modelo em que mais frequentemente se enquadra a atuação do Diretores é o de liderança transformacional, tendo as categorias com maior expressividade sido a “motivação inspiracional” (tendo como indicadores a motivação, envolvimento,diálogo e cooperação), “atributos de influência idealizada” (com referência à “confiança nas pessoas”), os “comportamentos de influência idealizada” (com referência aos “comportamentos assumidos pelo líder e às suas opções, enfatizando o sentido coletivo de missão da organização”), a “estimulação intelectual” (“abertura à inovação e ao diálogo”) e a “consideração individual” (“valorização dos docentes” e “interações positivas”). Mas também aqui se confirma que “grande parte dos diretores refere que, neste momento se dedica mais às tarefas de gestão do que propriamente às questões da liderança na escola” (Inocêncio, 2013, p.391).

Para concluir esta reflexão, e em alusão aos desafios colocados à liderança em escolas de grandes dimensões (assunto diretamente ligado ao objeto de investigação), importa evocar Copland & Boatright (2004), cujo trabalho sobre os fatores de sucesso de escolas de pequena dimensão lhes permitiu construir oito princípios a aplicar na liderança de escolas de grande dimensão (frequentadas por mais de 750 alunos). Assim, em primeiro lugar, propõem que as escolas grandes definam um projeto educativo claro: “Focus on a clear learning agenda” (p.764). O segundo princípio aponta a imprescindibilidade de o Diretor conhecer todas as pessoas e de ser conhecido por elas, uma vez que um dos fatores de sucesso das escolas de menor dimensão é justamente o conhecimento individual dos alunos e dos professores. Não menos relevante, o terceiro assenta na aplicação de critérios de justiça e de equidade, considerando que nas escolas grandes é frequente uma “mentalidade de seleção” (Coapland & Boatright, 2004, p.764): uma percentagem dos alunos irá concluir o seu percurso escolar enquanto os restantes (estimados entre 25% a 30% pelos autores) irão abandonar a escola precocemente. Por seu turno as escolas pequenas dão uma resposta à desigualdade proporcionando oportunidades aos alunos para se desenvolverem em ambientes onde os professores os conhecem e se preocupam com eles.

A partilha de poder para a obtenção de resultados é o quarto princípio; a maioria das escolas secundárias grandes funciona sob uma cadeia de comando burocrática cuja autoridade está no topo, o que pode ser um obstáculo ao profissionalismo dos

professores e ao próprio clima de escola. O quinto baseia-se no exercício da liderança através da indagação e não por via do decreto (Copland & Boatright, 2004): ao contrário do que ocorre nas escolas de grandes dimensões, nas escolas pequenas os professores conseguem recolher dados sobre os alunos num curto espaço de tempo e decidir quais são as prioridades de aprendizagem à volta de uma mesa.

O sexto princípio reflete a pertinência de encarar os problemas como oportunidades. A este respeito, Copland & Boatright (2004) afirmam que independentemente da dimensão da escola, os professores vivem assoberbados pelo trabalho inerente ao processo de ensinar, pelo que é difícil antecipar problemas. O sétimo princípio destaca a importância de acarinhar, construir e apoiar a comunidade professional. Finalmente, o oitavo princípio aponta o imperativo de construir relações fortes com as famílias e as comunidades, um outro fator que concorre para o sucesso das escolas de pequena dimensão. Os diretores destas escolas encaram como uma vantagem a possibilidade de manterem um relacionamento com as famílias da sua comunidade, algo que se afigura difícil nas escolas maiores.

Muito embora tivessem sido elaborados por referência à realidade norte- americana que é diferente da portuguesa, sob o ponto de vista educativo, cultural e histórico, considera-se que os oito princípios acima elencados podem perfeitamente ser aplicados pelos diretores das escolas portuguesas, sobretudo no presente cenário dos “mega-agrupamentos” de escolas.

CAPÍTULO 4

ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO DOS MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO ESCOLAR E DO ORDENAMENTO DA REDE:

UMA PERSPETIVA DIACRÓNICA