• Nenhum resultado encontrado

PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO

5.3. Validade da investigação

A emergência de novos paradigmas de construção do conhecimento, com especial realce para o discurso pós-moderno, veiculou o questionamento do paradigma positivista e dos seus fundamentos concetuais. Nesta linha, o termo “validade” não

constituiu exceção à regra e tem sido alvo de inúmeras considerações por parte da comunidade científica.

Tratando-se esta de uma abordagem interpretativa ao objeto de estudo, a sua validade não se coloca em termos positivistas, isto é, não se trata de granjear verdades absolutas acerca da problemática da investigação. Como sublinham Denzin e Lincoln (2005) a questão emerge em termos de autenticidade e de confiança: “The traditional positivist criteria of internal and external validity are replaced by such terms as trustworthiness and authenticity” (p.184).

Neste momento é essencial pensar sobre como foi assegurada a validade do estudo ora apresentado. A respeito de investigações de natureza qualitativa, quantitativa, naturalista e de métodos combinados, Cohen, Manion & Morrison (2011) esclarecem que há vários tipos de validade e de fiabilidade, sendo ponto assente que nenhum está isento de margem de erro.

Sugerem que a fiabilidade é um requisito necessário, contudo insuficiente, para a validade de um estudo, e que a validade pode ser uma condição suficiente, mas não necessária para a fiabilidade. Tendo por referência Winter (2000), apresentam exemplos dos diferentes contornos que a validade tem assumido: “ [it] might be addressed through the honesty, depth, richness and scope of the data achieved, the participants approached, the extent of triangulation, and the disinterestedness or objectivity of the researcher” (Cohen, Manion & Morrison, 2011, p.179).

Considerando que a noção de “validade” assume diferentes entendimentos dependendo se é entendida por referência ao paradigma quantitativo ou qualitativo (Cohen, Manion & Morisson, 2011; Denzin & Lincoln, 2005; Bogdan & Biklen, 1994), é imprescindível a sua clarificação. Assim, Guba e Lincoln (2005) propõem o sentido de “validade” como “autenticidade”, e não como “objetividade”: “objectivity is a chimera: a mythological creature that never existed, save in the imagination of those who believe that knowing can be separated from the knower” (p.207), numa tentativa de pensar 'fora’ do paradigma positivista, traduzida no recurso a um novo discurso e a uma nova linguagem.

Este é um conceito incontornável, alertam Lincoln e Guba (2005), e obriga a que quem investiga faça um cuidadoso escrutínio dos resultados alcançados por meio da pesquisa:

Validity cannot be dismissed simply because it points to a question that has to be answered in one way or another: Are these findings sufficiently authentic (isomorphic, to some reality, trustworthy, related to the way others construct their social worlds), that I may trust myself in acting on their implications? More to the point, would I feel sufficiently secure about these findings to construct social policy or legislation based on them? (p. 205).

Os mesmos acrescentam que uma das discussões em torno da noção de validade é a confluência entre método e interpretação. O discurso pós-moderno sobre esta matéria enfatiza que nenhum método de investigação é por si só garantia de obtenção da verdade. Embora possa ser quase consensual que, em função do objeto, há métodos mais adequados do que outros em ciências sociais, não existe um método único, ou mesmo uma combinação de métodos que possa ser considerada como “the royal road to ultimate knowledge” (Lincoln & Guba, 2005, p.205).

A importância do rigor no processo de interpretação é também indissociável desta problemática. Na tentativa de conceber parâmetros de autenticidade, para avaliar a qualidade do processo e dos resultados de um trabalho de pesquisa naturalista ou construtivista (e não, como os próprios afirmam, como forma de avaliar a aplicação do método), os mesmos autores elencaram cinco critérios de autenticidade num ensaio de 1989:

Those authenticity criteria – so called because we believed them to be hallmarks of authentic, trustworthy, rigorous, or “valid” constructivist or phenomenological inquiry – were fairness, ontological authenticity, educative authenticity, catalytic authenticity, and tactical authenticity (Guba & Lincoln, 1989, pp. 245-251).

Estes preceitos são aclarados do seguinte modo: a palavra “fairness” - que aqui traduzirei por justiça - é proposta no sentido de se referir à qualidade do equilíbrio que, na prática, se observa na inclusão das vozes e perspetivas de todos os participantes na investigação, incluindo a do próprio investigador; quanto ao critério de autenticidade ontológica e educativa, determina o nível de consciência individual despertado no investigador, e nos sujeitos com quem se estabeleceu contacto com um propósito social ou organizacional; finalmente, os critérios de autenticidade catalítica e tática dizem respeito à capacidade de uma dada pesquisa desencadear, num primeiro momento, ação

por parte dos sujeitos participantes e, numa fase posterior, de fazer com que o próprio investigador dê formação em formas concretas de ação social e política aos sujeitos participantes, se for de sua vontade – no que parece ser, como os autores reconhecem, uma influência da metodologia da investigação-ação (Guba & Lincoln, 2005, p.207).

Esta é, pois, uma questão complexa, como dizem Cohen, Manion & Morrison (2011, aludindo a Lincoln & Guba, 1989 e Bogdan & Biklen, 1994). Reitero que a validade em investigação qualitativa é regida por pressupostos distintos dos do positivismo e investigação quantitativa. Para mencionar apenas alguns, o ambiente natural é a principal fonte de dados; o contexto não é indissociável da investigação; os dados são socialmente situados; o investigador é parte integrante da investigação; os dados são descritivos e são analisados de forma indutiva.

Deste modo, o cuidado em desenvolver uma investigação com autenticidade esteve subjacente ao planeamento e à concretização desta investigação: a recolha de dados a partir de fontes diversas (entrevistas, inquéritos por questionário e documentos oficiais dos agrupamentos de escolas, tais como o seu Projeto Educativo, plano anual de atividades, regulamento interno); a análise e interpretação dos dados coincidentes e contraditórios, com vista à identificação de padrões. A fiabilidade e autenticidade do estudo foram ainda confirmadas pela comparação dos resultados obtidos em cada agrupamento de escolas.

A realização de um estudo à luz do paradigma interpretativo, com uma abordagem mista de métodos de investigação permite o recurso a instrumentos marcadamente quantitativos, como o questionário. Um dos desígnios desta investigação é alcançar uma visão holística do objeto de estudo (Schwandt, 1994), por recurso aos métodos e técnicas mais adequados, independentemente do paradigma ao qual convencionalmente são associados.

Uma abordagem mista, na qual os métodos qualitativos e quantitativos se complementam é aliás preconizada por alguns autores que defendem a utilidade desta combinação, na medida em que concorre para um conhecimento mais aprofundado da realidade que se pretende estudar (Denzin & Lincoln, 2005; Creswell, 2009; Creswell & Plano-Clark, 2011).

Como informa Creswell (2003) menos conhecida do que as estratégias qualitativa e quantitativa, a abordagem mista remonta a 1959, quando Campbell e Fiske usaram métodos múltiplos para estudar a validade dos traços psicológicos, tendo

incentivado outros investigadores a fazerem o mesmo, no reconhecimento das limitações da utilização de uma abordagem exclusivamente qualitativa ou quantitativa.

O recurso à metodologia mista permite a convergência de procedimentos, através dos quais o investigador utiliza dados qualitativos e quantitativos de forma a obter uma análise abrangente do objeto de investigação (Creswell, 2003): “In this design, the investigator collects both forms of data at the same time during the study and then integrates the information in the interpretation of the overall results” (p.16).

Considerando que se pretendia captar as perspetivas dos sujeitos participantes na investigação – Diretores dos Agrupamentos de Escolas e respetivos docentes – a abordagem mista foi considerada a mais adequada para responder à necessidade de se obter uma análise abrangente com recurso a instrumentos de investigação necessariamente distintos, como a seguir se detalha: a entrevista, no caso dos Diretores e o inquérito por questionário, no caso da totalidade dos professores de cada Agrupamento de Escolas envolvido neste estudo.

Evocando a expressão de Creswell (2003), alcançou-se o melhor de ambas abordagens (qualitativa e quantitativa), em conformidade com os objetivos da investigação: “(…) a researcher may want to both generalize the findings to a population and develop a detailed view of the meaning of a phenomenon or concept for individuals” (p.22).