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2.3. O estado da arte do capital social

2.3.4. O contributo de Nan Lin

Nan Lin, Professor de Sociologia na Universidade de Duke, é também um investigador que se notabilizou em resultado do seu trabalho sobre o conceito de capital social e das redes sociais. Para Lin (2001, 2008), antes de uma análise do conceito de capital social impõe-se uma abordagem à própria noção de capital. Retrocedendo aos seus primórdios considera incontornável a referência a Marx (1933 [1849]), para quem o capital é sinónimo de investimento e de sobrevalor (Lin, 2001). Por outras palavras, o capital resulta do lucro criado pela diferença entre o custo de produção de um produto ou serviço (que inclui desde a matéria-prima, ao salário pago ao trabalhador) e o seu valor de mercado. Em ambas situações os únicos detentores de capital (os capitalistas) pertencem à classe dominante.

É um processo que tem início com o investimento feito pelo capitalista (o detentor de capital) para a produção de um produto ou serviço realizado com base num acordo com os trabalhadores, que contribuem com o seu trabalho. O capitalista paga aos trabalhadores em função do valor estimado para o produto, designado por Marx de “valor de troca”. Como o valor pago ao trabalhador é inferior ao valor criado pelo produto no mercado, gera-se lucro (Lin, 2001).

É amplamente reconhecido que a teoria de Marx se baseia na sua perceção da relação de exploração da classe trabalhadora pela classe capitalista. Contudo, o pressuposto de que a desigualdade de classes é necessária a uma sociedade capitalista, progrediu para o que Lin (2001) designa por teorias neo-capitais, onde se incluem os conceitos de capital humano, capital cultural, e capital social - sendo este último uma consequência dos dois primeiros. Como o mesmo refere, a ideia de que o capital é uma prerrogativa da classe dominante foi evoluindo, porque em vez de se encarar o capital como parte do processo de exploração de classes, observa-se o modo como os indivíduos fazem os investimentos necessários à obtenção de lucro do seu trabalho no mercado de trabalho.

Registam-se duas diferenças nas teorias neo-capitais na análise da noção de capital, comparativamente à teoria clássica (Lin, 2001): em primeiro lugar, a abordagem ao capital é feita a nível micro, em contraste com a abordagem exclusivamente macro proposta por Marx. Esta mudança fez com que o foco se orientasse para o trabalhador individual, na qualidade de ator que realiza os investimentos necessários à valorização do seu trabalho pelo mercado:

Rather than seeing capital as part of the process of class exploitation in society, the neo- capital theories favor a microlevel explanation of how individual laborers as actors make the necessary investments in order to gain surplus value of their labor in the marketplace (Lin, 2001, p. 17).

Em segundo lugar, decursivo desta mudança de perspetiva, as noções de escolha e de ação constituem elementos fundamentais das teorias neo-capitais, diferentemente da teoria clássica, na qual a ação é um privilégio da classe dominante. Atribui-se ao ator individual o papel de protagonista no processo de capitalização, no pressuposto de que tem autodeterminação na construção do seu percurso de vida. Em vez de ser observado como condicionado pela posição ocupada na estrutura social (da qual resultam apenas benefícios ou apenas prejuízos, dependendo se está na classe dominante ou na classe trabalhadora), o indivíduo é capaz de criar e mobilizar os recursos necessários à consecução dos seus objetivos (Lin, 2001). Deste modo, está ao seu alcance optar pelo investimento necessário à aquisição de competências e saberes que podem ser transacionados com os produtores, tal como um aumento do valor do seu trabalho no processo de produção.

Lin (2001) defende que o capital social se adquire através das relações sociais, e a sua obtenção implica que os atores sejam confrontados com constrangimentos e oportunidades, assim como ações e escolhas. Para si o capital social é uma teoria que encara os atores (individuais ou corporativos) como seres motivados por necessidades expressivas (destinadas a defender e a manter o seu nível de recursos) e instrumentais (orientadas para os aumentar), e que se ligam a outros atores para acederem a recursos e obterem melhores resultados:

Social capital is social and useful. It is ingrained in social relations and facilitated or constrained by them. But within such structural opportunities and constraints, action makes a difference; given the same extent and array of relations for two actors, the outcomes may differ, depending on their choice behaviors (Lin, 2001, p. xi).

O autor examina esta noção sob o prisma do próprio conceito de capital, pelo que atenta o capital social como um investimento em relações sociais com expetativa de retorno no mercado. Na prossecução deste entendimento, considera que há duas abordagens diferenciadas no que concerne o grau em que se obtém lucro ou retorno do investimento realizado: uma sobrevém ao nível do indivíduo, outra ao nível do grupo.

A corrente que foca o capital social no âmbito grupal apresenta duas linhas de estudo: uma associada à forma como os grupos desenvolvem e mantêm o capital social enquanto recurso coletivo, outra ligada ao modo como esse recurso amplia as oportunidades individuais de vida dos membros de um grupo. Lin (2001) situa o pensamento e o trabalho de investigação de Bourdieu (1980,1986), Coleman (1988, 1990) e Putnam (1993, 1995, 2000) nesta perspetiva de análise.

A abordagem centrada no indivíduo estuda o modo como as pessoas usam os recursos inerentes às suas redes de relações sociais para obter um emprego, por exemplo, ou para manter ganhos em ações expressivas (Lin, 2001). Por outras palavras, procura compreender como é que os indivíduos investem nas relações sociais, e como capturam os recursos integrados nas relações para gerar recursos. Neste curso de investigação incluem-se o trabalho do próprio Lin (1982, 2001), de Flap (1991, 1994), e também de Burt (1992).

Lin (2001, 2008) afirma que o capital social deve ser definido como os recursos embutidos numa estrutura social, que são acedidos e mobilizados através de ações intencionais. Um pouco em linha com o pensamento de Coleman (1988), Lin enuncia

quatro fatores que explicam por que o capital social granjeado em redes de relações sociais funciona, e que podem esclarecer por que este opera de modo instrumental e expressivo: “informação”, influência”, “credenciais sociais” e “reforço” (Lin, 2001).

Em primeiro lugar, o fluxo de informação é facilitado porque os laços sociais em posições estratégicas e/ou hierárquicas proporcionam ao indivíduo informação a que de outra forma não teria acesso (por exemplo, informação útil sobre oportunidades ou escolhas). Em segundo, estes laços sociais podem exercer influência nos agentes (tais como recrutadores, ou supervisores da organização) que desempenham um papel fundamental na vida do indivíduo: “(…) thus ‘putting in a word’ carries a certain weight in the decision making process regarding an individual” (p.20). Em terceiro lugar, os laços sociais podem funcionar como “credenciais sociais” (p.20) na organização a que o indivíduo pertence, uma espécie de livre-trânsito de admissão aos recursos através das redes de relações sociais, isto é, ao seu capital social. Por último, uma vez que os membros de um grupo ou de uma rede de relações partilham interesses e recursos, as relações sociais são suscetíveis de reforçar a identidade e o reconhecimento, o que é benéfico em termos de apoio emocional.

Deste modo, para Lin (2001) os recursos estão no centro de todas as teorias do capital, especialmente a do capital social. Assim, uma teoria do capital social deverá cumprir três tarefas: em primeiro lugar, explicar como é que os recursos adquirem valor e como são distribuídos na sociedade; em segundo, demonstrar como é que os atores individuais, através de interações e de redes de relações sociais, acedem de maneiras diferentes a esses recursos; finalmente, deverá esclarecer de que forma é que o acesso a esses recursos pode ser utilizado em benefício próprio.

Sobre a forma como os recursos são valorizados, Lin (2001) esclarece que estes podem ser materiais ou simbólicos, sendo o seu valor e o seu significado atribuídos por referência a três princípios: o primeiro relaciona-se com o facto de num grupo ou numa comunidade o valor dos recursos ser conferido pelo consenso ou pela influência. A valorização de um recurso através de um processo de influência pode ocorrer de três maneiras diferentes: pela persuasão (a capacidade de os atores, individuais ou coletivos, convencerem acerca do valor de um dado recurso, fazendo com que esse valor seja interiorizado e reconhecido como intrínseco); pela petição (a capacidade de um grupo de exercer pressão ou influência), ou pela coerção (o processo pelo qual os atores são forçados a reconhecer o mérito de um recurso sob pena de sofrerem represálias).

O segundo princípio está ligado à assunção de que todos os atores, individuais ou coletivos, tomam a iniciativa de defenderem os seus interesses para manterem ou ganharem recursos que valorizam. Este é um processo pautado pela reciprocidade, em que um indivíduo que detém um estatuto superior (por ter mais recursos) e capacidade de decisão acaba por beneficiar também os interesses da comunidade:

Conferred status further reinforces the loyalty to the collectivity of the individual actors in possession of the valued resource, because it confirms and protects the values of the resources. Thus, status conferral for possession of valued resources promotes the mutual interests of the community and the participating individual actors (Lin, 2001, p. 31).

Por outro lado, este autor elucida que os indivíduos com menos recursos e detentores de uma posição mais baixa na hierarquia social, podem tomar dois tipos de ações: apropriar-se de recursos mais valiosos, ou mudar o valor que lhes é atribuído. A apropriação de recursos pode concretizar-se em ações legitimadas pela sociedade (como por exemplo o investimento no prosseguimento de estudos), ou, pelo contrário, em comportamentos desviantes suscetíveis de serem sancionados (pela prisão ou privação de recursos, ou a expulsão da comunidade).

O terceiro princípio assenta nas ideias de que manter e obter recursos valiosos são os dois principais motivos para desencadear uma ação. Tanto a comunidade como o sujeito a título individual lutam, em primeiro lugar, por manter os bens ou recursos que já possuem. Apenas depois de considerarem que estes estão seguros procuram obter recursos adicionais.

Sobre a formalidade das estruturas sociais, um outro aspeto que releva do pensamento de Lin (2001, 2008), sendo impossível definir o grau de formalidade de todas, é contudo seguro afirmar que varia entre as designadas organizações formais - como as empresas, corporações e agências - e as associações voluntárias e redes de relações sociais informais. Concentrando a sua atenção sobre as que são mais formais, Lin (2001) argumenta que as estruturas sociais hierárquicas têm tendencialmente uma composição piramidal.

Por outras palavras, quanto mais elevado é o nível de autoridade, menor o número de posições e seus ocupantes. Neste pressuposto, os indivíduos que ocupam as posições mais altas da “pirâmide” têm acesso a mais recursos, mais informação, e podem exercer autoridade e mesmo coação sobre os que se encontram em posições mais

baixas. Não obstante, a existência de regras e procedimentos que definem a atuação das posições e dos seus agentes contribuem para uma uniformização de ações e de interações entre posições. Fica assim assegurada a preservação e expansão dos recursos.

Quanto às redes de relações sociais, Lin (2001) sublinha que representam uma estrutura social de natureza mais informal, na medida em que praticamente não há formalidade na definição de posições, nas regras, e na atribuição de autoridade aos seus membros: “In social networks, fluidity characterizes the occupants, positions, resources, and rules and procedures” (p.38). Deste modo, explica o investigador, uma rede social pode evoluir naturalmente, ou ser socialmente construída com um propósito específico, como o caso de um movimento ambiental, ou em favor dos direitos das mulheres.

No geral, uma rede de relações sociais surge em torno de múltiplos interesses, e uma vez que o capital social não representa apenas os recursos individuais de cada participante (nó) da rede social. Podem estar em causa a interseção de vários recursos, já que os diferentes elementos de uma rede podem por sua vez estar ligados a outras estruturas e redes de relações sociais:

For example, individual actors may interact because of their shared interest in gun control or abortion issues, but they also bring to the interacting context their other personal and positional resources, such as their jobs and authority positions, wealth, affiliations with religious institutions and political parties, as well as the networks and resources of their spouses, relatives, friends, and fellow workers (Lin, 2001, p. 38).

Neste contexto, a noção de interação assume particular relevância: são convocados os interesses pessoais dos indivíduos, bem como as suas ligações a outras redes e estruturas, razões pelas quais Lin (2001) defende que as interações entre os indivíduos devem ser analisadas como padrões de recursos ligados em padrões de interação.

Para uma melhor compreensão da noção de interação, Lin (2001) refere o trabalho de investigação de Hofman (1950), cujos estudos de pequenos grupos resultaram na definição de três postulados nas relações baseadas na reciprocidade: a interação, o sentimento e a atividade: “The more individuals interact, the more likely they are to share sentiments and the more they engage in collective activity. Likewise, the more individuals share sentiments, the more likely they are to interact and engage in activities” (p.39). A este propósito, Lin (2001) lembra também o princípio da homofilia,

isto é, a noção de que as interações tendem a ser mais frequentes entre indivíduos que têm estilos de vida e estatuto socioeconómico semelhantes.

Sob este ponto de vista, e partindo do princípio de que as características socioeconómicas e os estilos de vida refletem os recursos dos indivíduos, e suas posições hierárquicas e localização nas redes de relações sociais pode afirmar-se, de acordo com Lin (2001), que o princípio da homofilia implica uma relação positiva entre indivíduos com recursos idênticos e a quantidade das suas interações.

Em síntese, Lin (2001) sustém que o capital social consiste nos recursos integrantes de uma estrutura social hierárquica, aos quais os indivíduos acedem e/ou usam de modo intencional. Este acesso pode ser diferenciado, segundo a posição que cada sujeito ocupa nessa mesma hierarquia ou na rede social, com implicações no seu grau de interação com outros indivíduos. A posse de recursos, entendidos como bens valorizados por uma sociedade, como por exemplo a riqueza, a reputação e o poder, promove a preservação e sobrevivência individual e coletiva dos membros de uma organização ou rede. O reconhecimento social confere identidade e reputação, proporcionando aos indivíduos que são alvo desse reconhecimento ainda mais recursos, e um sentimento de merecimento dentro da estrutura.

Ao mesmo tempo que pretende clarificar a sua aceção do conceito de capital social, Lin (2001) reflete sobre perspetivas divergentes das suas. Por um lado, considera estar em sintonia com Bourdieu, Coleman, Putnam, no sentido em que o capital social consiste em recursos inseridos em relações e estruturas sociais, por sua vez mobilizáveis sempre que alguém quer aumentar a probabilidade de sucesso numa ação intencional.

Contudo, também se demarca de alguns aspetos do seu trabalho. Assim, por exemplo, critica o facto de a investigação daqueles autores se mover livremente pelos diferentes níveis de análise, macro vs. relacional, o que suscita dúvidas sobre se o capital social tem cariz individual ou coletivo. É igualmente crítico em relação à oclusão ou a densidade das redes de relações sociais como requisitos indispensáveis à existência de capital social (como defendem Bourdieu, Coleman e Putnam).

A visão estrutural de Bourdieu (1990), que identifica a classe dominante e a capacidade de reprodução da nobreza como a principal explicação para o capital social levanta algumas questões a Lin (2001). Como atrás foi referido, por estar representado pelo número de membros de um grupo e pelo volume de capital que possuem, Lin (2001) declara que esta perspetiva apenas faz sentido quando todos os indivíduos de um

grupo ou rede mantêm fortes relações de reciprocidade, unicamente possível numa rede institucionalizada ou muito densa.

Da mesma maneira, é crítico de Coleman (1988), que aplica o conceito nas mais variadas ações, desde a mudança para uma comunidade mais segura, à mobilização de participantes em movimentos sociais, e cuja perspetiva classifica de tautológica já que as causas do capital social são também os seus efeitos: “(…) Clearly it would be impossible to build a theory in which causal and effectual factors are folded into a singular function” (Lin, 2001, p. 28).

Em conformidade com este argumento, Lin, Cook & Burt (2008) defendem que por ser um bem relacional, o capital social deve ser distinguido de outros recursos e bens coletivos como a cultura, normas e confiança, no que se afigura como uma diferença substancial do entendimento de Coleman (que define as normas e a confiança como formas de capital social) e de Putnam (para quem o capital social são a confiança, as normas e as redes de relações sociais).

Assim, sustêm que podem ser formuladas proposições causais, como por exemplo, os recursos coletivos como a confiança promovem as relações e as redes de relações sociais, aumentando a utilidade dos recursos incorporados, mas não pode afirmar-se que a confiança é o mesmo que capital social (Lin, Cook & Burt, 2008).

2.4. Críticas e controvérsias sobre o conceito de capital social