• Nenhum resultado encontrado

3. ANÁLISE DO MODELO DE LIDERANÇA CRIATIVA DE R&M

3.2. O S ELEMENTOS INTERNOS CONSTITUTIVOS DO MLC

3.2.2. Criatividade

Durante o Capítulo 2, que trata da plataforma de entendimento de criatividade de Rickards, foram discutidas algumas teorias de criatividade e em algumas formas medi-la, mas ficou praticamente sem ser discutido o que é, afinal, criatividade para R&M e, especificamente, seu significado contido no MLC.

Para abordar este tema, a criatividade, lanço algumas interrogações que podem auxiliar a compreensão de seu conteúdo e que podem ajudar a compreender a operação da criatividade nas equipes criativas de R&M, que são: Se as equipes criativas pretendem “altas performances” criativas, então, o que é criatividade? O que é performance criativa? Qual é o conceito que R&M adotam para uma palavra que carrega tantos significados?

O conceito de criatividade permeia todo o trabalho de R&M (2000) desde de pressuposições sobre o estilo da liderança e seu enfoque na equipe (R&M, 2000: 274), a função dos membros na equipe (R&M, 2000: 279) e as “estruturas” benignas favoráveis à “produção” criativa (R&M, 2000: 276) e, porém, ainda não é um conceito fácil de ser compreendido (Isaksen & Murdock, 1990: 56). Sobre a dificuldade de se obter uma

38 A esse respeito é interessante lembrar autores psicanalíticos em administração como Otto F. Kernberg

(1998); Eugène Enriquez (1997); assim como outro autor da área administrativa, Gareth Morgan (1996[1986]), e seu célebre capítulo intitulado "As organizações vistas como prisões psíquicas".

definição de criatividade e a complexidade de sua conceitualização Boden (1999[1994]b) afirmou:

“A criatividade é um quebra-cabeça, um paradoxo, para alguns um mistério. Inventores, cientistas e artistas raramente sabem como suas idéias originais surgem. Citam a intuição, porém não sabem como ela funciona. (...) Além disso, muitas pessoas supõem que nunca haverá uma teoria científica da criatividade - pois como poderia a ciência explicar novidades fundamentais?” (Boden, 1999[1994]b: 81).

Resumidamente, a idéia de criatividade que está contida no MLC refere-se a um processo multifacetado através do qual resultados inovadores e relevantes emergem R&M (2000: 275). Esta idéia alinha-se com as contribuições mais recentes de Amabile (1996 apud R&M, 2000), que também afirmou que “(...) um produto ou idéia é criativa na medida em que observadores experientes concordam que isto seja criativo.” (Amabile & Hennessey, 1988: 14), e Csikszentmihalyi (1990).

O que parece, a primeira vista, é que a afirmação de Amabile & Hennessey (1988: 14) não oferece uma conceituação razoável de criatividade além daquela que se pode obter através do senso comum. Como é possível discutir com outrem seu gosto particular para o que é mais, ou menos, criativo? Ainda, ao que parece, esta afirmação sujeita as idéias criativas à dominação das “vozes dominantes”, como sugere Rickards (1999) sobre as vozes silenciadas das teorias de criatividade, o que pode por em detrimento idéias potencialmente criativas.

Entretanto, sob uma outra perspectiva, a afirmação de Amabile & Hennessey (1988: 14), em conjunto com as idéias de R&M (2000: 275) (no que se refere ao processo

multifacetado), Amabile (1996 apud R&M, 2000) e Csikszentmihalyi (1990) tornam-se de grande relevância para uma conceitualização da criatividade, particularmente em administração, ao levar em conta o importante caráter social-histórico da criatividade, como sugeriu Amabile & Hennessey (1988: 14), Eysenck (1999[1994]: 204) e também Boden (1999[1994]b: 82) e sua “criatividade-H”.

Boden (1999[1994]b: 82) distingue dois sentidos que o conceito de criatividade pode assumir: a) a criatividade num sentido psicológico, que chamou de “criatividade-P” e b) a criatividade num sentido histórico, que chamou de “criatividade-H”. O sentido da criatividade-P mede o quão valiosa é uma idéia criativa para uma pessoa, tanto uma idéia que ela própria não havia tido antes quanto uma que outras pessoas já tenham tido anteriormente e que ela, mesmo assim, considera valiosa (Boden, 1999[1994]b: 82). A criatividade-H mede o quão valiosa é uma idéia se ela é P-criativa e ainda ninguém mais a teve em toda a história da humanidade (Boden, 1999[1994]b: 82).

Seguindo as idéias de Amabile & Hennessey (1988) e Boden (1999[1994]b) faz sentido afirmar que há importância em se tomar tanto a criatividade como um aspecto psicológico quanto como um aspecto social histórico. Um grupo de experts pode tomar o sentido da “criatividade-H” ao comparar uma idéia com outras idéias criativas em seu domínio e, talvez, em outros à medida que a idéia em questão torna-se totalmente original na história da humanidade conhecida por eles até aquele momento. Este mesmo grupo de experts pode tomar o sentido da “criatividade-P” quando eles associam suas próprias idéias com a que se está avaliando, da mesma maneira quando eles passam a reconhecer a origem da criatividade, neste caso, na mente de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos.

Eysenck, ao citar Vernon (1989 apud Eysenck, 1999[1994]: 204), também sugere que a criatividade “(...) denota a capacidade de uma pessoa para produzir idéias,

concepções, invenções ou produtos artísticos novos ou originais, que são aceitos pelos especialistas como tendo valor científico, estético, social ou técnico”. Assim, Eysenck (1999[1994]: 204) também está contribuindo para a idéia de que a criatividade deve incorporar a aceitabilidade ou adequabilidade do “produto” criativo.

Eysenck (1999[1994]) sugere dois tipos de criatividade, um como “traço pessoal” e outro como “realização”, que, de certa forma, também se alinham com a criatividade-H e a criatividade-P de Boden (1999[1994]). Como “traço”, Eysenck (1999[1994]: 206-7) considera a criatividade como as características de uma pessoa que a leva a produzir atos, objetos e fatos de novidade privada, associadas às características regulares do “produto” criativo e da pessoa “criativa”, como a inteligência e a personalidade. Como “realização”, Eysenck (1999[1994]: 210-1) observou que a criatividade pode estar associada a um valor social, abrangendo critérios públicos de produção, como número de publicações ou concessões de patentes, critérios de reconhecimento profissional, como premiações concedidas em função de novas idéias ou valor no campo de trabalho e critérios de reconhecimento social, como o julgamento de colegas de trabalho ou superiores.

Mas Eysenck (1999[1994]) não pára sua contribuição apenas afirmando que se deve considerar o aspecto histórico-social da criatividade e preocupa-se também em apresentar um modelo para o processo criativo, que pode ser resumido na figura 8 logo abaixo. Pelo o que pode ser observado na figura 8 nota-se que o modelo do processo criativo de Eysenck (1999[1994]) procurou compreender uma gama maior de variáveis e fatores que influenciam o processo da criatividade. Também é possível notar que é pequena a correlação dada por Eysenck (1999[1994]: 213) entre a criatividade como traço e a criatividade como realização.

Fonte: Eysenck (1999[1994]: 213).

Voltando para a criatividade segundo R&M, devo admitir, não foi tarefa simples encontrar uma definição explícita e precisa de criatividade no trabalho de R&M (2000) que compreendesse tanto a criatividade como traço psicológico quanto com realização para um contexto social. No entanto, a partir das seguintes afirmações de R&M (2000) foi possível chegar a algumas conclusões sobre a definição de criatividade adotada por R&M:

“Nós reconhecemos as notórias complexidades relatadas ao se chegar a definições de termos como criatividade, liderança, estruturas e efetividade de equipes. Para os propósitos deste trabalho, nós tentamos capturar as suposições prevalecentes sobre a natureza da criatividade em contextos sociais.” (R&M, 2000: 275). Variáveis cognitivas • Inteligência • Conhecimento • Habilidades técnicas • Talentos especiais Variáveis ambientais • Fatores político-religiosos • Fatores culturais • Fatores sócio-econômicos • Fatores educacionais Variáveis de personalidade • Motivação interna • Confiança • Não-conformismo • Criatividade como traço

Criatividade como Realização

“A abordagem sistêmica tem sido descrita como ‘uma nova visão de criatividade existente dentro de um sistema maior de redes sociais, domínios de problemas e áreas de iniciativa. Esta visão sistêmica não obstrui a visão individual, entretanto. Particularmente, ela fornece insights adicionais a respeito de pessoas e produtos criativos e suas funções na sociedade como um todo’” (Tardif & Sternberg, 1988: 429 apud R&M, 2000: 275). Também foi possível coletar maiores evidências sobre uma definição de criatividade de R&M a partir do texto “Handbook for Creative Team Leaders” (1999b), que afirma:

“Existem muitas definições de criatividade. Para nosso propósito, sugerimos: Criatividade = novidade + valor agregado. A implicação é a de que criatividade é um processo que é julgado dentro de um contexto social. A novidade é o que faz diferença para aqueles mais diretamente preocupados com o processo. (...) Sob esta definição não há dificuldade em aceitar que todos nós temos a capacidade de ser mais criativos e que esta criatividade pode ser aplicada em nosso ambiente de trabalho. (...) Você irá perceber que em nossa equação, novidade não é suficiente; para ser criativo em um contexto de trabalho você precisa idéias que são acionáveis e relevantes para a situação.” (R&M, 1999b: 43).

Parece-me, assim, que estas definições de criatividade (R&M, 2000: 275; Tardif & Sternberg, 1988: 429 apud R&M, 2000: 275 e R&M, 1999b: 43) aproximam-se das idéias de Boden (1999[1994]b) tanto no que se refere à criatividade com sentido psicológico

(“criatividade-P”) quanto com sentido histórico (“criatividade-H”), assim como das idéias de Eysenck (1999[1994]) quanto à criatividade como traço ou como realização.

Avançando na discussão sobre criatividade, R&M (2000) levantam um outro importante questionamento sobre a conceitualização da criatividade no trabalho com equipes criativas, que vai além se definir com precisão o conceito da criatividade, que é como aumentar a “performance” criativa de uma equipe? Dizendo de outra forma, se criatividade é “isto” como podemos fazer “isto” melhor? Como podemos estimular “isto” para que se possa obter uma elevada performance “nisto”?

Durante o capítulo39 sobre a plataforma de entendimento de criatividade de Rickards (1999) deste trabalho, foram discutidas algumas técnicas para estimular a criatividade através de intervenções estruturadas, como as técnicas de brainstorming de Osborn (apud Rickards, 1999: 28), as técnicas associadas ao pensamento vertical e lateral de De Bono (apud Rickards, 1999: 32) e a “cinética” de Gordon (apud Rickards, 1999: 33). Ainda neste mesmo capítulo, foi relacionada a teoria de criatividade de De Bono (apud Rickards, 1999: 32) com a exploração de mapas de espaços conceituais de Boden (1999[1994]a) e de Perkins (1999[1994]), trazendo à luz o processo criativo como “exploração de mapas mentais”.

Sobre o processo criativo como “exploração de mapas mentais” (Boden, 1999[1994]a) e Perkins, 1999[1994]), que possui forte relação com as idéias de processo criativo de Rickards (2000: 274 e R&M, 1999b), para o MLC, R&M (1999b) oferecem um modelo para o estímulo de idéias criativas em equipes.

39 Capítulo 2, sub-tópico 2.2.2.2.

O modelo apresentado por R&M (1999b) denomina-se MPIA40 (“Mapping, Perspectives and Ideas in action”) e sua principal diferença em relação aos mapas mentais de Boden (1999[1994]a) e Perkins (1999[1994]) é que apresenta uma estrutura que secciona os estágios do processo de exploração mental em etapas distintas, como pode sugerir a figura 9 logo abaixo.

Figura 9 – Os estágios do modelo MPIA de R&M

Fonte: R&M (1999b: 53).

As setas da direita, apresentadas na figura acima por R&M (1999b), sugerem que o processo do MPIA é seqüencial, caracterizando cada etapa do processo de mapeamento e busca por idéias criativas. A seta da esquerda sugere que o processo do MPIA é cíclico, se tomado como um instrumento de aprendizado, já que desta forma os resultados das ações ou tomadas criativas de decisão podem ser avaliadas em um processo de retro-alimentação do mapa mental.

40 Em português quer dizer: Mapeamento, Perspectivas e Idéias em Ação.

Mapeamento

Perspectivas

Idéias

Embora o conjunto de trabalhos sobre as técnicas de estímulo da criatividade terem assumido essa última como uma valiosa característica de equipes engajadas na geração de novos “produtos” (R&M, 2000: 274), R&M sugerem que um importante assunto ficou praticamente inexplorado, que é “o que pode diferenciar equipes criativas de outras equipes que atingem apenas os resultados “padrões” ou esperados.” (R&M, 2000: 274).

Ao tentar responder a tal questionamento, tomando apenas as obras de criatividade abordadas neste trabalho, não foi possível encontrar muito mais do que as já citadas sugestões sobre a influência de um contexto social no processo criativo, por exemplo, das teorias de Eysenck (1999[1994]: 213) e Amabile & Hennessey (1988).

A falta de respostas também me levou a indagar sobre outras interrogações que poderiam responder ao questionamento de R&M (2000: 274), que são: qual é a influência da criatividade individual de cada membro no “produto” da equipe criativa? A performance criativa da equipe é a soma da capacidade criativa de cada membro desta equipe? Quem deve ser mais criativo: o líder ou os membros da equipe?

A resposta para a primeira pergunta, de R&M, e as respostas para estas interrogações parecem muito mais pertinentes ao processo de trabalho das equipes criativas do que à capacidade criativa individual de seus membros, processo este que R&M têm chamado de “liderança criativa”. Espero que o próximo tópico, que trata especificamente de examinar a liderança criativa, possa responder a estas questões que ainda permanecem em aberto e, ao que me parece, têm sido também as principais questões que R&M tentam desvendar com o desenvolvimento do MLC.