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Liderança Transacional e Transformacional de J MacGregor Burns

2.2. E LEMENTOS CENTRAIS DO MLC: AS IDÉIAS DE LIDERANÇA E CRIATIVIDADE

2.2.1. Liderança Transacional e Transformacional de J MacGregor Burns

James MacGregor Burns é considerado um dos mais importantes contribuintes para as teorias de liderança que vieram após os anos 80 (Rickards, 1999: 123). Historiador, sociólogo e cientista político, Burns observou uma diferença fundamental de comportamento entre líderes que operavam em modelo próximo ao modelo econômico de trocas, o que ele chamou de Liderança Transacional, e líderes que mantinham comportamentos que transcendiam o egoísmo, que chamou de Liderança Transformacional (Rickards, 1999: 123).

O trabalho de Burns sobre a liderança teve como fundamento a história e o comportamento de grandes líderes como Stalin, Mussolini, Hitler, Gandhi, Mao, Churchill, Roosevelt e De Gaulle, e as mudanças sociais e políticas que muitos desses líderes causaram, diretamente ou indiretamente através de seus seguidores, em suas sociedades. Outro importante avanço que a obra de Burns introduziu na literatura sobre liderança foi a mudança de foco, que até então era dada ou aos líderes ou aos seguidores, para uma abordagem que privilegia as relações entre ambos, os líderes e os liderados.

Em outras palavras, como sugere Burns, um dos maiores fracassos do estudo da liderança foi a bifurcação entre uma literatura sobre os líderes e outra sobre os liderados (Burns, 1979[1978]: 3). O primeiro tipo de literatura lida com os heróis e os demônios da história e, utilizando a forma de biografias, freqüentemente sugere que a importância de tais líderes para a sociedade é equivalente à sua fama (Burns, 1979[1978]: 3). O segundo tipo de literatura lida com as massas, os eleitores e o povo, e utiliza a forma de estudos de opinião de massas ou de eleições, com a premissa de que a longo prazo os líderes atuem como agentes de seus seguidores (Burns, 1979[1978]: 3). Nas palavras de Burns:

A abordagem de líderes tende, muitas vezes inconscientemente, a ser elitista; ela projeta figuras heróicas contra o sombrio ambiente de massas prostituídas e incapazes. A abordagem de seguidores tende a ser populista e anti-elitista por ideologia (...) Eu descrevo liderança aqui não como um mero jogo entre elitistas e uma mera resposta populista mas como uma estrutura de ação que emprega pessoas, em vários graus, através dos níveis e entre os interstícios da sociedade. (Burns, 1979[1978]: 3).

É com a proposta de unificar esses dois tipos de abordagens sobre a liderança que Burns desenvolve sua obra (1979[1978]), afirmando que a liderança deve ser vista como parte da dinâmica de conflito e poder e que deve estar relacionada com um senso de propósito, em que a efetividade dos líderes deve ser medida por mudanças sociais que correspondam às intenções e às satisfações das necessidades e expectativas humanas (Burns, 1979[1978]: 3).

Em “Leadership” (1979[1978]), Burns aborda a teoria da liderança em cinco partes distintas. A primeira parte, “Liderança: poder e propósito”, discute o poder da liderança e sua estrutura moral. A segunda parte, “Origens da liderança”, apresenta o que Burns chama de “Matriz psicológica da liderança”, as origens sociais da liderança e as difíceis provas da liderança política. A terceira e a quarta parte, com maior importância para o presente trabalho, apresentam a Liderança Transformacional e a Transacional, respectivamente, e serão abordadas logo a seguir. Na quinta e última parte, “Implicações: teoria e prática”, Burns discute as implicações das teorias de liderança e as conseqüências práticas dessas teorias, relacionando temas acerca da liderança com decisão e mudança, uma proposta de uma teoria geral sobre a liderança e as implicações práticas da liderança política (Bruns, 1979[1978]).

Para os fins que se propõe, ainda que a obra completa de Burns mereça atenção exclusiva e em sua totalidade, este capítulo discutirá apenas a terceira e quarta parte do livro de Burns (1979[1978]), em que são abordados os tipos de liderança Transformacional e Transacional.

2.2.1.1. Liderança Transformacional

Está para o líder que procura identificar potenciais motivações em seus seguidores, procurando satisfazer as necessidades mais elevadas e engajar a “pessoa” completa de seus

seguidores (Burns, 1979[1978]: 4). “A liderança transformacional resulta em uma relação de estimulação e elevação mútua, que converte seguidores em líderes e pode converter líderes em agentes morais.” (Burns, 1979[1978]: 4).

Para Burns, a liderança transformacional apresenta-se em diferentes categorias: a intelectual, a reformadora, a revolucionária, a heróica e a ideológica (1979[1978]). O conceito subjacente à liderança transformacional é o de que este tipo de liderança implica em uma modificação na estrutura social existente. Em outras palavras, seja qual for o tipo predominante de liderança transformacional (intelectual, reformadora etc...), sua operação tende a mudanças significativas diretamente na estrutura social do grupo em questão. Abordemos brevemente, então, as diferentes facetas da liderança transformacional na busca de exemplos que possam demonstrar sua operação e seu caráter transformador em diferentes contextos.

Segundo a definição de Burns, intelectual é aquela pessoa criticamente preocupada com valores, propósitos e fins que transcendem as necessidades práticas imediatas e, sendo um intelectual, une, através de uma imaginação disciplinada, as idéias analíticas (suas teorias) e as idéias normativas (sua moral) (1979[1978]: 141). A ambigüidade dos Líderes intelectuais, que lidam com ambas as idéias analíticas e normativas, está em se apresentarem como figura autônoma e separada de seus ambientes sociais, ao mesmo tempo em que estão comprometidos com um ambiente ou classe social instituído (Burns, 1979[1978]: 141).

Líderes intelectuais têm influenciado, ao longo do tempo, o humor de toda uma época, as ações e os pensamentos dos políticos, delineado o propósito “consciente” que há por detrás dos valores da sociedade e tentado explicar a verdadeira natureza do homem, do bem e do mau (Burns, 1979[1978]: 142). Os principais exemplos de líderes intelectuais

abordados por Burns (1979[1978]) são os filósofos franceses do século XVIII, os intelectuais ingleses do século XVII e os “The Founding Fathers” (n.t. “Os Pais Fundadores”, como Jefferson) e James Madison, dos EUA.

Burns chama a atenção para os líderes intelectuais franceses do século XVIII que estavam presentes nos “pontos de tensão” entre os conflitos sociais e intelectuais da época (Burns, 1979[1978]: 143), como Robespierre e sua sabedoria eclética, que durante as primeiras fases da Revolução teria clamado pela abolição da pena de morte e condenado “a temerosa doutrina da denunciação” e outros instrumentos de terror (Robespierre apud Burns, 1979[1978]: 145); Montesquieu e sua afirmativa de que a assembléia legislativa representava a essência da soberania e Rousseau, que desenhou a teoria da soberania popular, declarando que o Estado era uma entidade comum com uma única vontade, uma expressão do contrato social incorporando a fé de Rousseau de que “cada um unindo com toda vontade e ainda obedecendo a apenas a si mesmo” (Rousseau apud Burns, 1979[1978]: 145).

Já a experiência com os intelectuais ingleses do século XVII foi, sobretudo, mais influente e ampla do que com os intelectuais franceses, e concentraram suas atenções na defesa da liberdade contra o poder do Estado (Burns, 1979[1978]: 148). Os líderes intelectuais ingleses receberam marcadamente influências de pensadores como Hobbes e Locke, e seguiam as demandas sociais das camadas mais distintas da sociedade, uma vez que tanto os lordes quanto os commoners (n.t. cidadãos comuns), assim como “toda” a Inglaterra, vinham passando por experiências de absolutismo, governo republicano e a restauração de um monarca “amansado e importado” (Burns, 1979[1978]: 148).

Sobre os intelectuais norte-americanos, Burns destaca como este estilo de liderança transformacional tratou dos mesmos problemas “cardeais” que os compatriotas ingleses na

luta da liberdade contra o poder, e foi facilmente observado nas decisões políticas dos colonialistas e constitucionalistas norte-americanos (Burns, 1979[1978]: 153). Além da facilidade com que os intelectuais norte-americanos tinham em divulgar suas idéias, através da imprensa e do congresso, uma outra vantagem foi a imersão que possuíam em experiências políticas e filosóficas que traziam também da Europa (Burns, 1979[1978]: 153), como ele próprio destaca:

John Adams era um veterano da política de facções de Massachusetts, líder dos protestos coloniais contra a Inglaterra, e mais tarde um agente diplomático da pré-confederação de 1789 (...) Jefferson, um homem da Renascença com interesses intelectuais e práticos na ciência, invenção, arquitetura, política, educação e filosofia, (...) serviu como congressista Continental, governador da Virginia e diplomata para França (...) Madison foi congressista da assembléia da Virginia e um homem de amplos interesses. (Burns, 1979[1978]: 155)

Sobre a liderança transformacional reformadora, na visão de Burns, a Rússia teria contribuído para um dos os exemplos mais dramáticos através de Alexandre II, o “Grande Libertador”, o “Czar da Liberdade”, responsável por um dos mais significantes atos políticos da história da Rússia desde Pedro o Grande até a Revolução (Burns,1979[1978]: 182). Após a desmoralização e humilhação que sua nação recebeu durante a guerra da Criméia14, Alexandre II percebeu que a Rússia precisava se modernizar para continuar sobrevivendo, e ordenou a emancipação de todos os servos da Rússia, procurando, assim como quase todos os líderes reformadores, preservar o seu país (Burns, 1979[1978]: 181).

14 A guerra da Criméia ocorreu durante o período de outubro de 1853 a fevereiro 1856 na península da

Pode-se observar que, em geral, nos exemplos de liderança transformacional reformadora, os grupos de atores envolvidos no processo de reforma pertencem a classes mais elevadas da sociedade, como da nobreza e aristocracia (Burns, 1979[1978]: 199). Esta é uma tendência observada nestes casos de liderança, já que os grupos de classes menos privilegiadas, apesar de muitas vezes estarem a frente das mudanças sociais apoiando os líderes intelectuais, e ainda serem os principais agentes de demandas sociais, estão distantes dos mesmos recursos que levam os líderes intelectuais à frente dos movimentos reformistas (Burns, 1979[1978]: 199).

Uma outra tendência da liderança reformadora é a de não atender as “reais” mudanças sociais que os líderes prometem, isto porquê os líderes intelectuais, a priori, não rejeitam as estruturas políticas e sociais correntes, e seus esforços são inevitavelmente comprometidos pela natural inércia às mudanças das instituições presentes (Burns, 1979[1978]: 200). “Líderes reformadores tendem a agir sobre a benevolente noção de que a verdadeira política é simplesmente moral aplicada às necessidades sociais, mas eles descobrem, no calor da batalha, que política é a briga e a barganha no mercado governamental e político” (Burns, 1979[1978]: 200). No fim, mudanças de longo prazo acabam sendo implementadas mais pelos políticos, que muitas vezes misturam suas ambições políticas com a reforma, e menos pelos líderes reformadores, mesmo tendo um papel vital para a direção da reforma (Burns, 1979[1978]: 200).

Comparando a liderança transformacional reformadora com a revolucionária, Burns argumenta que os processos de reforma devem ser equilibrados entre liderança transformacional e a transacional, “transformacional em espírito e postura, transacional em processos e resultados” (Burns, 1979[1978]:200). Esta é, a princípio, uma das principais diferenças entre os líderes reformadores e os revolucionários, que entendem esta

“tensão” entre os dois estilos de liderança na reforma, e procuram evitar ou diminuir os processos e os custos transacionais, em troca de outros (Burns, 1979[1978]: 200).

Para Burns, em um sentido mais amplo, revolução significa a completa e generalizada transformação de um sistema social, com o nascimento de uma nova e radical ideologia e de um movimento social voltado para esta nova ideologia, a derrubada do governo estabelecido com a criação de um novo sistema político, a reconstrução da economia, educação, comunicação, leis etc... (Burns, 1979[1978]: 202). O nascimento da idéia, ou visão, que impele a revolução, e a sua subseqüente adoção por um importante número de pessoas são, provavelmente, os passos mais cruciais para a transformação de uma sociedade (Burns, 1979[1978]: 202). “A origem desta idéia ou visão em um líder, ou em um pequeno grupo de líderes, pode ser tão misteriosa quanto a origem das centelhas de criatividade em um artista ou escritor” (Burns, 1979[1978]: 202).

A liderança revolucionária talvez seja o principal exemplo de uma liderança transformacional, e Burns (1979[1978]) traz como principais exemplos deste tipo de liderança a Revolução de Martin Luther (Martinho Lutero), a Revolução Francesa , a Revolução de Lenin e de Mao Tsé-Tung. Adverte Burns (1979: 202), contudo, que a “pura” forma de liderança transformacional revolucionária é tão rara quanto o líder revolucionário que perdura até o final do ciclo de batalha, vitória, consolidação do poder e direção do processo de transformação social da revolução:

A Revolução francesa consumiu com seus líderes. Lenin gozou poucos anos de ditadura. Apenas Mao, Fidel Castro, e talvez uns outros poucos experimentaram, como forças transformadoras, as revoluções que eles ajudaram a iniciar. (Burns, 1979[1978]: 202)

A liderança transformacional revolucionária requer conflito, como em quase todos os estilos de liderança, mas, neste caso em particular, um tipo de conflito mais extremo, marcado pelo estabelecimento de elites e rebelados, de doutrinas e propósitos, por um poderoso senso de missão e valores finais, pelo surgimento de uma conscientização política e social tanto por parte dos líderes quanto dos liderados (Burns, 1979[1978]: 202).

Burns inicia sua descrição da liderança revolucionária a partir de Martinho Lutero, que poderia parecer tão inapropriado como um líder revolucionário, já que tivera vivido boa parte de sua vida como um pobre monge, sem formação política específica ou um partido ou organização política que o defendesse, mas que trouxe um grande impacto nas atitudes políticas e religiosas de sua era, seguido pelo tumulto e violência que causou sua revolução (Burns, 1979[1978]: 203). Lutero desafiou o papado pregando a abolição das indulgências e revolucionou todo o pensamento de uma sociedade, que já procurava por novas formas de ver o mundo, e tivera sido apoiado, de certa maneira, por forças indiretas de pensadores que pregavam o humanismo, como Erasmus e outros (Burns, 1979[1978]: 205).

A Revolução Francesa também não poderia deixar de servir como exemplo da manifestação de uma liderança transformacional revolucionária. A França já demonstrava, em torno dos anos de 1780, as principais características de um país a beira de uma revolução: uma monarquia fraca, descompromissada, ancorada em uma estrutura aristocrática e corporativista que ignorava qualquer tentativa de reforma; o iminente conflito entre a Coroa, a aristocracia e a alta burguesia; e principalmente, entre estas entidades, uma sub-classe que estava sofrendo, que incluía intelectuais e jornalistas inspirados por Rousseau e os filósofos franceses da época (Burns, 1979[1978]: 206).

Em Abril de 1789 o povo foi às ruas na França. Em uma ação que durara praticamente dois dias, marcados por saques e tumultos que tomaram as ruas de Paris até a

Bastilha, centenas de sans culottes revoltaram-se, motivados praticamente pela fome (Burns, 1979[1978]: 207). Líderes surgiam “espontaneamente” na multidão e levavam o povo à frente da luta, mesmo contra soldados armados. Burns, assim como Freud e vários outros estudiosos que viriam a estudar os fenômenos da liderança que se manifestaram na multidão durante Revolução Francesa, cita Gustave Le Bon ao descrever o comportamento da multidão rebelada:

O líder inicia-se, mais freqüentemente, como um dos liderados. Ele por si próprio hipnotizou-se pela idéia, e dela então se tornou um apóstolo. Ela tomou posse dele. (…) Os líderes foram recrutados dentre as morbidamente nervosas, excitadas e semi-insanas pessoas que estão à beira da loucura. (Le Bon apud Burns, 1979[1978]: 207)

Burns compara as revoluções Francesa e Americana enfatizando que o exemplo francês serviu como um arquétipo histórico de revolução para as gerações de radicais e revolucionários que estariam por vir, afirmando que enquanto a Revolução Francesa fez história em todo o mundo, a Revolução Americana, tão triunfante, permaneceu apenas como um evento de importância local (Burns, 1979[1978]: 211). A Revolução Francesa, de certa forma, chamou atenção para os líderes mundiais para o conflito entre os conceitos de liberdade e igualdade, que fez com que os cidadãos famintos se mobilizassem politicamente, através de seus próprios líderes, exigindo que o governo atendesse às suas necessidades sociais (Burns, 1979[1978]: 211).

O segundo exemplo de Burns (1979[1978]) não poderia deixar de ser a tão citada Revolução Russa. Á frente da Revolução Russa estava Lenin que fazia parte de um grupo de intelectuais russos perseguidos por sua formação marxista e com formação política e

intelectual estrangeira (Burns, 1979[1978]: 215). Talvez o ponto principal de diferenciação entre a Revolução Russa e a Francesa foi a presença marcante de um líder intelectualizado e disposto mobilizar o povo e levá-los à frente das ações políticas durante a própria Revolução (Burns, 1979[1978]: 215).

O que chama atenção na revolução de Lenin foi que, ao final, Lenin estava contraditoriamente trocando os valores marxistas que havia abraçado, e os valores Iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade que o inspiraram, com o valor “instrumental” da Revolução e da busca por poder (Burns, 1979[1978]: 227). Em síntese, Burns critica os meios que Lenin usou para conseguir poder e depois a forma como procurou mantê-lo, violando as liberdades individuais e políticas que supostamente faziam parte do sistema Comunista de valores, o que comprometeu a natureza do regime Soviético que seguiria (Burns, 1979[1978]: 227).

O último exemplo de liderança revolucionária, de Burns (1979[1978]), foi a Revolução Chinesa de Mao Tsé-Tung. A liderança revolucionária da China foi notadamente efetiva na prática, suportada por setecentos milhões de pessoas solidariamente contra o imperialismo, e anômala em teoria, porquê, mesmo seguindo os preceitos fundamentais de Marx, os chineses teriam desenvolvido as mais elaboradas teorias sobre lutas e conflitos, ainda que, notoriamente, glorificavam a harmonia (Burns, 1979[1978]: 228). Como líder revolucionário, Mao desenvolveu uma liderança mais pragmática, com bases nos problemas concretos das massas agrárias, compreendeu as reais necessidades de seus seguidores e soube, além de identificá-las, como essas necessidades poderiam ser canalizadas e ativadas em prol de sua liderança (Burns, 1979[1978]: 235).

Em resumo, o sucesso da liderança revolucionária está em seu sistema rigoroso e poderoso de valores em resposta às necessidades de um povo e, ainda que intolerante aos

“heréticos”, depende de suporte institucional e de liderança coletiva para sobreviver (Burns, 1979[1978]: 239). Por outro lado, sacrifício e crueldade acompanham quase sempre as revoluções, e dicotomizam sua essência enquanto liderança, pois são igualitárias em teoria, mas nem sempre na prática, e deixam de se qualificar como liderança quando sua reciprocidade em situações de conflito aberto dá lugar ao poder bruto (Burns, 1979[1978]: 239). Burns Ilustra essa problemática:

A liderança da Revolução Francesa se deteriorou para tornar-se mero terrorismo, embora sua visão ética primeira tenha sobrevivido (…) para tornar-se inspiração para futuras gerações. A liderança da Revolução Russa subverteu-se em reformismo (…) A liderança da Revolução Chinesa foi a mais transformadora das três, mas ela, também, teve sua crueldade massiva e suas vítimas. (Burns, 1979[1978]: 239)

A idéia de uma liderança heróica, seguindo a descrição de Burns, está no conceito de carisma atribuído ao líder, que nos remete aos atos heróicos de Moisés e sua “inspiração” divina ou à figura heróica de Joana D’arc e suas freqüentes vitórias atribuídas às “vozes” que ouvia, assunto que foi também muito abordado por Weber (Burns, 1979[1978]: 242-3). Para Weber, a sociedade passa por uma seqüência de três tipos de autoridade: a carismática, a racional-legal e a tradicional, e esses três tipos de autoridade manifestam-se em um ciclo (Weber apud Burns, 1979[1978]: 243).

Assim, a sociedade após um período em que o carisma toma corpo através de seus líderes, surge em seqüência, e em oposição, uma autoridade racional e burocratizada,

instituída através de meios legais15 (Burns, 1979[1978]: 243). Logo que esta sociedade institucionaliza suas práticas legais e burocracias, e assume um estado de estagnação, surge novamente a oportunidade para o surgimento de um líder carismático, e o ciclo procede (Burns, 1979[1978]: 243)

Ao descrever a liderança heróica e ideológica, Burns (1979[1978]) cita Freud e sua obra “Moisés e o Monoteísmo”, que descreve Moisés como um líder “carismático”, um herói para a sua época, ao liderar o seu povo e, ao mesmo tempo, ter servido como uma ideologia (Burns, 1979[1978]: 242). O que Burns quer mostrar através do exemplo de Moisés é que o líder carismático traz consigo a força da ideologia que prega, e que pode transparecer através de seus atos como herói de toda uma sociedade (Burns, 1979[1978]).

O termo liderança heróica significa a crença em um líder em função de sua capacidade, experiência e posicionamento diante de problemas, a fé na capacidade do líder em superar crises, a capacidade em outorgar poder ao líder quando preciso e apoio de um povo expresso diretamente ao líder sem intermediários ou instituições (Burns, 1979[1978]: 244). A liderança heróica também significa um tipo de liderança que é uma relação entre líder e liderado, operada basicamente pelo carisma, em que não há conflito entre líder- liderado já que o líder atua como “uma solução simbólica para a resolução dos conflitos internos e externos” do grupo (Burns, 1979[1978]: 244).

A proximidade da definição de liderança heróica e ideológica na perspectiva de Burns é grande. Ambos os líderes heróicos e ideológicos se dedicam a objetivos explícitos que requerem substancial mudança social, e na organização e liderança de movimentos que buscam tais objetivos, mas os líderes ideológicos, diferentemente, personificam muito mais

15 Burns usa como exemplo aqui Jesus Cristo ou Muhammad, que passaram pela transição de uma sociedade

em que a autoridade teria deixado de ser exercida pelo carisma e passado a ser exercida por meios legais, “por