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CRIMES DE PERIGO ABSTRATO-CONCRETO

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 85-88)

Os crimes de perigo são divididos em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato. Porém, alguns tipos penais não encontram nessas tradicionais definições a justa adequação, sendo, portanto, difícil defini-los como sendo de um ou outro tipo. Assim, criou-se uma nova categoria de crimes de perigo, os crimes de perigo abstrato- concreto, que reúnem elementos das duas categorias anteriores.

Bottini (2013, p. 90) define os crimes de perigo abstrato-concreto como delitos que “descrevem uma conduta proibida e exigem expressamente, para a configuração da tipicidade objetiva, a necessidade da periculosidade geral, ou seja, que a ação seja apta ou idônea para lesionar ou colocar em perigo um bem jurídico”.

A elaboração teórica da categoria dos crimes de perigo abstrato-concreto deu-se com Schröder, que acreditava que tais delitos traziam em si uma combinação dos crimes de perigo abstrato e concreto. O autor alemão partiu dos conceitos de delitos de perigo concreto e abstrato já sedimentados pela doutrina e notou que, para certos tipos, a submissão a qualquer um dos dois era inadequada (SILVA, 2013; BOTTINI, 2013; MENDOZA BUERGO, 2001).

Como exemplo de delito de perigo abstrato-concreto, Schröder (citado por MENDOZA BUERGO, 2001) oferece o tipo de envenenamento, previsto no Código Penal alemão, o qual, segundo ele, não se pode afirmar que seja um delito de perigo abstrato, pois nesses o juízo de periculosidade emana do legislador (presunção juris et de jure),

mas, no caso do tipo incriminador, o juízo de periculosidade sobre a conduta é competência do juiz, o que tornaria o tipo de perigo concreto.

De outra banda, o juízo de periculosidade da conduta é levado a cabo exclusivamente considerando os elementos probabilísticos do caso concreto. Trata-se de um juízo ex

post, típico dos delitos de perigo concreto. Se, porém, o juízo de periculosidade

considerar a experiência geral, aquelas ações que geralmente causam dano, estaríamos diante de crime de perigo abstrato, determinado por um juízo ex ante (MÉNDEZ RODRÍGUEZ, 1993).

Citado por Silva (2013), Schröder apresenta os crimes de perigo abstrato-concreto de duas formas. Na primeira, o juiz, no processo de investigação e determinação da periculosidade, limita-se a certos elementos aptos a causar dano impostos pela lei. Em linhas gerais, a lei determina uma conduta como abstratamente perigosa e apresenta elementos que o juiz deve observar no caso concreto. Na segunda, a lei confere ao elemento do tipo (seja coisa ou ação) a capacidade de produzir determinados eventos, sem precisar contra qual bem ou objetos jurídicos o perigo deve ser dirigido.

A definição de delito de perigo abstrato-concreto de Schröder é alvo de críticas, por exemplo, de Méndez Rodríguez (1993), que argumenta que o autor alemão parte de uma concepção equivocada de delitos de perigo concreto, já que os define como aqueles em que o perigo é um elemento do tipo, algo que, à autora espanhola, não é regra, tanto que o próprio Schröder utiliza crimes de perigo concreto que não trazem no tipoo elemento perigo, em nítida contrariedade com seu próprio postulado.

De outra banda, no que tange os delitos de perigo abstrato, Schröder novamente adota o conceito clássico de que a periculosidade da ação é determinada pela lei. Porém, nos casos analisados e que na sua visão merecem a qualificação de perigo abstrato, o perigo se constitui em um elemento que deve ser verificado pelo juiz. Dessa forma, mais uma vez, segundo Méndez Rodríguez (1993, p. 190), “a definição

assumida com caráter geral não corresponde, tampouco, com a que depois é utilizada na elaboração do ‘tipo misto’”. Assim, conforme observa Mendoza Buergo (2001, p. 39), “nem esta terminologia, nem a caracterização que deles fez Schröder tem logrado uma aceitação unânime e não tem conseguido impor-se”.

No Brasil, Ângelo Roberto Ilha da Silva (2013) também questiona a pertinência e vantagem da categoria dos crimes de perigo abstrato-concreto, reputando-a como de formulação conceitual não muito clara. Bottini (2013), por outro lado, aceita a categorização intermediária, explicitando que o elemento caracterizador e diferenciador dos crimes de perigo abstrato-concreto é a criação de um ambiente de periculosidade decorrente da conduta proibida. Um dos exemplos de delitos de perigo abstrato-concreto oferecidos por ele é o previsto no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que incrimina o ato de “dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando o perigo de dano”10

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Ante a análise do tipo sob a luz do pensamento do autor, não há porque refutar a adoção categórica dos crimes de perigo abstrato-concreto. Esclarece ele que na situação do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, “se faz necessário um dano potencial, intermediário entre a mera realização da conduta e a colocação de um bem efetivo e concreto sob ameaça” (BOTTINI, 2013, p. 91). Nesse sentido e sob tal prisma, tipo em comento trata-se, efetivamente, de um delito de perigo abstrato- concreto, já que o dano potencial intermediário disposto na lei é o fato de o motorista estar sem a devida permissão para dirigir ou habilitação, considerado como tal porque é de se pressupor que uma pessoa não devidamente habilitada deixou de passar por todo o processo de aprendizagem de condução segura do veículo, incluindo aí não somente aspectos de dirigibilidade, mas também de conhecimento da legislação de trânsito, exames técnicos, físicos e psicotécnicos que o instrumentalizam e o habilitam a uma condução segura. Esse dano potencial é de caráter abstrato, advém da lei a periculosidade da conduta de dirigir sem habilitação.

De outra banda, há que se verificar a concretude do perigo em um juízo ex post, típico dos crimes de perigo concreto, já que, mesmo não tecnicamente habilitado, pode ser que o sujeito conduza seu automóvel de forma absolutamente não perigosa, ou seja, a conduta seria inidônea para causar dano. A caracterização do delito, portanto, prescinde da observação do injusto no aspecto abstrato (dano potencial de dirigir sem habilitação) e no aspecto concreto (efetiva condução geradora de dano).

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No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 85-88)