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JAKOBS: O MODELO FUNCIONAL DO DIREITO PENAL E A SUPRESSÃO DO

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 54-57)

Em que pese a importância da inovação introduzida por Welzel na concepção da teoria do bem jurídico, com reflexos diretos na própria teoria do delito, ao considerar o Direito como realidade social e ressaltar a importância do valor da ação sobre o valor do resultado, nos anos seguintes aos seus postulados, parece ter ocorrido o processo inverso, na medida em que se observa, na dogmática penal, um distanciamento da realidade social e a retomada da busca por um conceito material e concreto de bem jurídico. Na verdade, os problemas ligados à determinação, fundamento e legitimidade dos bens jurídicos penais jamais foram superados, de modo que nem a doutrina formalista de Binding, tampouco o materialismo de Birnbaum e Liszt conseguiram delimitar e estabelecer um quadro aceitável do que seria e do que não seria bem jurídico.

A complexidade do mundo no pós Segunda Guerra introduziu um elemento complicador a mais, na medida em que a sociedade de risco pós-moderna apresentou sua face com uma multiplicidade de condutas que expunham a perigo de lesão direitos individuais e coletivos, ameaçavam bens naturais coletivos de gerações futuras e a estabilidade econômica. Diante de tudo isso, a teoria do bem jurídico, nos moldes de Feuerbach, Birbaum, Binding, von Liszt, Welzel e outros, não conseguia dar uma resposta satisfatória à criminalização, de um lado, e à limitação do ius puniendi, de outro.

Nesse contexto, o funcionalismo concebido a partir da teoria dos sistemas de Luhmann busca exatamente a preservação do sistema e tem no Direito Penal um importante instrumento à consecução desse objetivo. Günther Jakobs é o representante maior do chamado funcionalismo-sistêmico, cuja teoria rompe com a tradicional concepção de bem jurídico e defende a ideia de que a função do Direito

Penal não mais está centrada na proteção de bens jurídicos, e, sim, na vigência da norma (LUZ, 2013).

As primeiras objeções de Jakobs com relação ao bem jurídico dizem respeito às deficiências na fundamentação do conceito. Quanto à delimitação da proteção penal de bens jurídicos, ele sustenta que,

[...] se forem incluídos todos os bens que devem ser protegidos de modo incondicionado, ou seja, sem limite algum, dentre os bens jurídicos, logo se constata que na grande maioria dos casos perecem de um modo que não interessa ao direito, muito menos ao direito penal (JAKOBS, 2005, p. 32).

Ao servir-se do exemplo da deterioração natural à qual grande parte dos bens, inclusive a própria vida, está sujeita, Jakobs (2005) sustenta que a morte por velhice é a perda de um bem, mas nem por isso deve ser amparada pela lei penal. De outra sorte, a morte causada por punhaladas é um homicídio e lesa o bem jurídico vida, de modo que interessa ao Direito Penal. O fundamento da proteção jurídica em Jakobs é muito interessante, pois não é o bem jurídico vida que deve ser protegido, ou melhor, o bem jurídico vida deve ser protegido somente de certos ataques. Desse modo, o fundamento da proteção não se encontra na intangibilidade do bem jurídico, mas na relação entre as pessoas; quando um indivíduo se relaciona com outro de modo a lhe causar lesão é que entra em cena o Direito Penal. Segundo Luz (2013, p. 141),

nessa perspectiva, o mundo em que opera o Direito Penal deixa de ser visto como um complexo de bens a ser protegido e passa a ser compreendido como um mundo de titulares de direitos que, de modo recíproco, têm o dever de respeitar os direitos alheios.

No que diz respeito à descrição do bem jurídico, Luz (2013) destaca que estão presentes três questionamentos na obra de Jakobs. O primeiro diz respeito à pouca ou nenhuma importância dada pela teoria do bem jurídico para compreender, para além da proteção do bem jurídico, a proteção das condições básicas à sua utilização, que também são fundamentais.

O segundo questionamento tem como pano de fundo a complexidade social da sociedade de risco, que exige do Estado uma participação de cunho preventivo na defesa dos interesses coletivos. Nesse sentido, Jakobs entende que a segurança deveria ser convertida em um direito exigível do Estado. Porém, se assim o fosse,

como descrever o bem jurídico segurança? A teoria do bem jurídico, por seus próprios fundamentos, não daria conta de fazê-lo.

Por fim, conforme Luz (2013), o autor entende que o uso de leis penais em branco é uma necessidade emergente no Direito Penal contemporâneo. Isso porque a linha do lícito e do ilícito, das condutas morais e imorais, é altamente cambiante. Falta, pois, um consenso absoluto sobre tais aspectos. As normas penais em branco serviriam de instrumento para acompanhar essa variação social, algo que ao bem jurídico seria impossível, porque a teoria do bem jurídico busca previamente objetos dignos de proteção penal.

Porém, é no déficit crítico da teoria do bem jurídico que Jakobs e seus seguidores repousam as maiores críticas. Nesse aspecto, tal teoria estaria realizando um papel avesso ao de sua finalidade, já que o bem jurídico sempre foi alardeado como um limitador do ius puniendi e sua delimitação se daria, como no modelo constitucional proposto por Roxin, de forma negativa. Porém, diante das necessidades conjunturais da sociedade contemporânea, a teoria do bem jurídico assumiu um critério positivo de delimitação e justifica a expansão do Direito Penal, na qual o poder legislativo de caráter penal tem se mostrado muito atuante, com a criação de novos bens jurídicos penais.

Absolutamente relacionado com essa expansão do Direito Penal, estaria o que Jakobs considera um falso garantismo no conceito de bem jurídico. Porque, partindo do pressuposto de que o bem jurídico é um limitador do poder punitivo, a determinação de um bem como bem jurídico penal deve atender aos critérios próprios da teoria, o que, segundo o autor, não acontece. Há, inclusive, uma aparente contradição, na medida em que seria impossível evitar danos aos bens jurídicos se há uma limitação nas formas de proteção. Por fim, Jakobs acredita que a atual teoria desconsidera a esfera jurídica do autor, foca somente na intangibilidade dos bens e não aborda questões relativas à esfera de liberdade, competência, direitos e deveres dos cidadãos, conforme mencionado por Luz (2013).

Seriam essas, em linhas gerais, as mais contundentes críticas à teoria do bem jurídico que Jakobs propõe ao lançar mão de sua teoria funcional-normativista. Cabe, por ora, refletir sobre elas e tomar uma postura diante da ruptura proposta pelo jurista alemão:

deve-se considerar o bem jurídico ainda como elemento basilar da teoria do crime, um limitador do ius puniendi e uma medida de garantias, ou deve ele ser renegado, diante da problemática conceitual exposta e, principalmente, por sua suposta inaptidão para lidar com as questões da contemporaneidade relativas à sociedade marcadamente de risco que se produziu na segunda metade do século XX?

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 54-57)