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Teoria da periculosidade geral ou periculosidade como motivo do

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 82-85)

3.4 CRIMES DE PERIGO ABSTRATO

3.4.3 Fundamentos dogmáticos da punição nos crimes de perigo abstrato

3.4.3.2 Teoria da periculosidade geral ou periculosidade como motivo do

proibição de comportamentos que de um modo geral conduzem o bem jurídico tutelado a um estado de periculosidade. Tal teoria considera que existe uma classe de condutas que são tipicamente periculosas, de modo que na tipificação desses delitos são descritas somente tais condutas, sendo desnecessário, pois, a descrição do perigo como resultado. Seus adeptos consideram que a periculosidade é a razão, o motivo da tipificação, e o fundamento da punição não está no fato de que o comportamento típico lesione ou ponha em perigo o bem jurídico, mas, sim, porque o comportamento pertence a uma classe de conduta que geralmente produz consequências indesejáveis, quer dizer, perigosas (MENDOZA BUERGO, 2001). Por óbvio que há entre as teorias da presunção e da periculosidade grande similitude. Contudo, o aspecto diferenciador básico entre ambas é que na primeira o perigo é presumido a partir da concorrência das condições descritas no tipo, enquanto que na segunda não há presunção de perigo, mas, sim, a verificação da prática de uma conduta classificada como periculosa e que, num juízo prévio do legislador, restou comprovada que aquela classe de conduta desenvolve um resultado perigoso com relativa frequência.

De forma direta, em Direito Penal, parece que o termo presunção realmente incomoda, sobretudo quando utilizado em interesse contrário ao réu, de modo que a teoria da periculosidade parece tentar resolver esse problema, na medida em que afasta a ideia de presunção e a substitui pela de probabilidade. Portanto, não mais se diz que o perigo de determinada conduta é presumido, mas, sim, que resulta provável. A teoria da periculosidade pretende estabelecer que, por ser motivo de incriminação, a periculosidade não deve ser comprovada. A ideia de periculosidade geral como motivo, portanto, afasta qualquer tipo de discussão sobre prova; tipicidade e injusto são constatados com a realização da conduta descrita no tipo, basicamente.

Conforme assevera Mendoza Buergo (2001, p. 77), busca-se uma “relação de implicação necessária entre a consideração da periculosidade como razão da incriminação, que não se integra como elemento expresso no tipo e a afirmação de que, por isso, a mesma não deve ser comprovada pelo juiz”. Destaca a autora que a maioria dos adeptos da teoria a concebe como forma eficaz de proteção a bens jurídicos. Os funcionalistas, em particular, veem-na como um facilitador da administração e organização, pois permite a exclusão de algumas condutas do campo do socialmente adequado, graças à imputação de periculosidade geral que pode ser a elas atribuída.

A crítica à teoria da periculosidade geral é que nem sempre restam claros os critérios do legislador para estabelecer qual classe de condutas é apreensível como fomentadora de resultados possivelmente lesivos, pois não se pode confirmar sua periculosidade numa perspectiva ex ante. Esse aspecto é particularmente preocupante, pois pode ensejar a criação de tipos penais que efetivamente não visam à proteção de bens jurídicos ameaçados, mas, sim, a inibir condutas de caráter contestador político, social, econômico etc.

Segundo Mendoza Buergo (2001), hoje, a teoria da periculosidade geral como motivo do legislador é predominante na Alemanha, Espanha e Itália, encontrando-se entre seus seguidores Roxin, Jakobs, Jescheck. No Brasil, ao menos no que diz respeito à doutrina consultada, sua adoção não se mostra pacífica. Ângelo Roberto Ilha da Silva (2013) fala em perigo presumido, o que remete à percepção de que seria adepto da teoria da presunção. Bottini (2013), por sua vez, trata de condutas arriscadas com potencialidade de perigo, o que dá a ideia de probabilidade. Denomina os crimes de perigo abstrato também de delitos de risco ou de delitos de periculosidade, denotando sua filiação à teoria da periculosidade como fundamento da punição dos crimes de perigo abstrato.

Independentemente da corrente majoritária relativa ao fundamento de punição, o relevante aos estudos é que, no seio da doutrina consultada, nenhum autor nega a concepção normativa de perigo ou periculosidade, seja qual for o fundamento da punição, posto que nenhum deles autoriza a flexibilização do conceito, admitindo, pois, hipóteses de prova em contrário do perigo presumido ou da periculosidade da conduta.

O mesmo se vê na jurisprudência, pois não há acolhimento à tese de que à consumação do delito de tráfico de drogas, por exemplo, seja necessário flagrar o agente entregando a droga ao consumidor, prevalecendo, portanto, a concepção normativa de que o objeto jurídico já estava exposto a perigo com a mera posse da substância entorpecente pelo traficante.

O entendimento majoritário, inclusive doutrinário, é que o delito existe mesmo que ninguém tenha adquirido a droga do traficante e que a entrega da mesma se configura mero exaurimento da conduta delitiva. Portanto, da análise doutrinária e jurisprudencial, deduz-se que a concepção normativa de perigo não comporta relativização; tem, portanto, caráter absoluto, o que é entendimento predominante no País.

Pois bem. Estabelecida a premissa de que a concepção normativa não admite flexibilização, há que se analisar se no espectro das condutas normativamente perigosas seria possível estabelecer graus de periculosidade. Noutras palavras, seria possível dizer que determinada conduta é mais ou menos normativamente perigosa? Em casos concretos, seria mais perigoso (sob o ponto de vista de ataque ao bem jurídico) traficar na frente de uma escola ou de um bar? Portar dez, 20, 100 gramas ou um quilo de droga? Seria mais perigoso portar maconha, cocaína ou crack? A resposta é positiva à primeira pergunta, ou seja, é possível dizer que determinada conduta é mais ou menos normativamente perigosa, desde que estabelecida na norma – e o art. 40 da Lei de Drogas indica isso, porque estabelece que o tráfico de drogas, quando associado às condutas previstas no referido artigo, implica aumento de pena, logo, é mais reprovável e o é porque expõe o bem jurídico tutelado a perigo de forma mais acintosa. Portanto, traficar drogas é presumidamente perigoso. Contudo, traficar em frente a uma escola (inciso III do art. 40) é mais perigoso ainda. De outra banda, quando não expressos na norma, é impossível determinar graus de periculosidade, de modo que, ao rigor dogmático, mostra-se impensável dizer que traficar maconha seja menos ou mais perigoso do que traficar crack. Isso porque o juízo de periculosidade foi feito ex ante pelo legislador, unificando a conduta em traficar drogas, sem apontar uma em especial. Se houvesse a intenção de valorar a

periculosidade, tal valoração deveria fazer parte do tipo penal, em respeito aos princípios da legalidade, taxatividade e proporcionalidade.

A ideia ora exposta é relevante porque orientará a discussão sobre as questões relativas às propostas de descriminalização do delito de porte de drogas destinado ao consumo próprio, a ser feita mais adiante. Nesse contexto, a concepção normativa de perigo é fundamental para expor alguns aspectos incoerentes da abordagem que se está levando a cabo na discussão, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, que julga um caso concreto que pode levar à descriminalização aludida.

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 82-85)