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DIFERENCIAÇÃO ENTRE CRIMES DE LESÃO E CRIMES DE PERIGO

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 72-74)

Historicamente, o conceito de crime sempre esteve atrelado à ideia de lesão. Antes mesmo de definida a atual concepção de bem jurídico, era a efetiva lesão aos objetos valiosos ao homem que determinava a ocorrência de um crime.

Embora a ideia de crime de lesão tivesse perdurado desde os primórdios das relações humanas e orientado as primeiras codificações penais, o fato é que essa concepção de delito ligada à ideia de lesão a um bem não se sustentou por muito tempo com o advento da moderna dogmática, da teorização do Direito Penal e dos avanços nos estudos das ciências criminais. A manutenção dessa concepção de delito causaria, por exemplo, a impossibilidade de punição de qualquer tipo de tentativa e ou exposição a perigo do bem jurídico.

Diante da complexidade das relações sociais, a vida em sociedade passou a demandar ao Direito Penal um arcabouço protetivo mais amplo que satisfizesse as necessidades dos seres humanos e os orientassem a uma vida socialmente segura. Nesse sentido, esperar a materialização de uma lesão para só então mover a máquina penal no sentido de coibir a conduta lesiva parecia por demais falho e já não atendia aos interesses sociais.

Nesse contexto, surgiram os crimes de perigo, que Mendoza Buergo (2001, p. 1) considera como grande novidade jurídica e que a partir de meados do século XX ganharam proeminência e dividiram a cena penal com os delitos de lesão, sobre os quais, até então, se fundavam os sistemas penais.

A mudança de tendência tem lugar, sobretudo, por meio de considerar as condutas que não se dirigem de forma dolosa para atacar um bem e não desencadeiam consequências lesivas, não estão abarcadas por qualquer dos crimes culposos ou de tentativa, por isso foi necessário punir comportamentos perigosos sem exigir nem o dolo a respeito de uma eventual lesão final do bem, nem a produção desta.

Com a nova tendência agora exposta, em que os crimes de perigo se colocam em posição de proeminência e dividem o cenário jurídico-penal com os crimes de lesão, a dogmática penal busca conceituar os primeiros e estabelecer uma diferença entre ambos. No que tange à diferenciação, há certa homogeneidade de pensamento que busca na forma de ataque ao bem jurídico o fator relevante de distinção entre os crimes de lesão e perigo.

Praticamente todos os manuais de direito penal fazem referência à distinção entre delitos de lesão e delitos de perigo em atenção à forma de ataque ao bem jurídico protegido: nos primeiros o tipo requer a efetiva destruição ou menoscabo do bem jurídico para a consumação; nos segundos, é suficiente o perigo para o bem jurídico protegido, com a ameaça ao mesmo (RODRIGUEZ MONTAÑEZ, 1994, p. 13).

De forma clara e básica, parece que a distinção fundamental entre os crimes de lesão e perigo repousa exatamente na afetação do bem jurídico. Enquanto no primeiro faz- se necessária a efetiva lesão, a materialização do dano mediante conduta dolosa ou culposa, no segundo, a mera exposição do bem a perigo, sem, contudo, se efetivar a lesão, é o bastante à sua consumação. Dessa diferenciação surge, pois, o primeiro elemento fundante do conceito dos crimes de perigo e o objeto, a priori, de sua existência: a antecipação da tutela penal.

Nos crimes de lesão, a proteção penal é evocada quando o dano se materializa, quando o bem jurídico foi agredido. Nesse momento, consuma-se o delito e ao Direito Penal não resta outra alternativa senão mitigar os efeitos da conduta lesiva. Em certo sentido, tal postura evidencia um movimento retardado da lei penal e vai em sentido contrário a um de seus objetivos, que é exatamente evitar condutas delitivas e preservar o bem jurídico. Não serão exploradas aqui as questões relativas à prevenção geral e específica, positiva ou negativa, que a lei possui, vez que não são relevantes ao tema em estudo. Porém, esse aspecto ora evidenciado, de que o crime de lesão expõe uma fraqueza da lei penal, que não foi capaz de evitar o delito, é relevante para justificar os crimes de perigo.

A delimitação dos crimes de lesão e perigo nem sempre é fácil e goza de certa relativização, dependendo da configuração do bem jurídico que se pretende tutelar. O crime de incêndio é classicamente classificado como crime de perigo concreto, já que incendiar um edifício ou casa, por exemplo, expõe a perigo concreto a vida e a integridade física das pessoas. Tal concepção é verdadeira quando se parte da

premissa de que o bem jurídico tutelado é a vida ou a integridade física. Contudo, quando se considera que o bem jurídico é o patrimônio, ou seja, o próprio edifício ou casa incendiado, está-se diante de um crime de dano.

Justifica-se a existência dos crimes de perigo porque certos bens jurídicos são caros demais à sociedade, tão e tanto que a mera possibilidade de lesão a eles representa dano e abalo inimagináveis, talvez insuportáveis. Diante de tais circunstâncias, não se mostra razoável esperar a efetiva lesão do bem para só então o Direito Penal agir. Nesse contexto é que atuam os crimes de perigo, antecipando a tutela penal para a conduta do agente, não importando se o resultado naturalístico ocorreu ou não. Dentro do espectro jurídico, a doutrina define e divide os crimes de perigo em duas categorias: os crimes de perigo concreto e os de perigo abstrato. Sobre os primeiros, breves considerações serão feitas; sobre os crimes de perigo abstrato, por serem o objeto deste estudo, a análise será aprofundada.

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 72-74)