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O princípio da proporcionalidade

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 40-43)

1.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

1.4.3 O princípio da proporcionalidade

A resposta estatal às afrontas aos bens jurídicos deve ser proporcional. Se penalmente irrelevantes, aplicam-se sanções de caráter civil e administrativa (menos gravosas); do contrário, sendo inaceitáveis e penalmente relevantes, incide a sanção penal (mais gravosa). Esta, por sua vez, inexoravelmente, consubstancia-se na pena, qualquer que seja seu caráter (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou pecuniária), e representa, em última análise, uma invasão na esfera pessoal do indivíduo e um ataque à sua dignidade humana.

Nem toda conduta penalmente relevante tem a mesma força ameaçadora da ordem pública e fere bens jurídicos da mesma forma e magnitude. Diante dessa constatação é que o princípio da proporcionalidade se apresenta como “vetor indispensável a um sistema penal fundamentado na dignidade humana” (BOTTINI, 2013, p. 160), porque, tendo em conta seu caráter altamente invasivo, a pena tem que ser aplicada sempre de forma proporcional, numa relação direta entre quantidade de pena e gravidade da conduta.

A origem do princípio da proporcionalidade remonta à Idade Antiga6, porém, desenvolveu-se intensamente às luzes do Iluminismo, sendo objeto de consideração já por Montesquieu, em seu “O espírito das leis”, de 1747, obra em que o filósofo francês observa que a desnecessidade de uma pena não é mais do que um ato de tirania. No mesmo sentido e contexto, Cesare Beccaria (2002) dedicou um capítulo de seu “Dos delitos e das penas” ao estudo da proporcionalidade, intitulando-o “Proporção entre os delitos e as penas”, evidenciando, já àquela época, um dos aspectos mais marcantes da proporcionalidade: seu juízo de necessidade.

A própria Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, exaltou a relevância do princípio, quando estabeleceu em seu art. 8º que “a lei não deve

estabelecer outras penas que não as estritas e evidentemente necessárias” (DECLARAÇÃO, acesso em 14 ago. 2015). Nos séculos seguintes, a proporcionalidade constitucionalizou-se, ganhou foros de princípio, sendo hoje objeto

6 Ferrajoli (2010, p. 414) observa na nota 150 de sua obra que “a exigência de que a pena seja proporcional à gravidade do delito já tinha sido expressada por Platão: ‘Não temos que distinguir entre o ladrão que rouba muito ou pouco, ou que rouba de lugares sagrados ou profanos, nem atenderemos a tantas outras circunstâncias inteiramente dessemelhantes entre si, como se dão nos roubos que, sendo variados, exigem que o legislador se atenha a elas impondo castigos totalmente diferentes?’”.

de constante análise e fundamento de decisões de cortes constitucionais de todo o mundo (FELDENS, 2005).

Não serão abordadas aqui questões relativas à controversa natureza jurídica da proporcionalidade (se princípio, regra, postulado ou máxima), cuja discussão, em que pese interessante, não cabe no presente estudo, ajustando-se mais aos interesses do constitucionalismo. Na seara penal, a proporcionalidade é comumente apreendida como proibição de excesso, ou seja, o Estado não pode se exceder, seja no momento da cominação, seja no da aplicação ou, por fim, no momento da execução da pena (PRADO, 2013).

Contudo, além da apreensão como proibição de excesso, há autores que evidenciam a proibição de proteção deficiente como aspecto da proporcionalidade, o que se convencionou chamar de dupla face da proporcionalidade (STRECK, 2006; GAVIÃO, 2008; FELDENS, 2005). Constituindo uma nova e moderna face do princípio em análise, a proibição de proteção deficiente toma por inconstitucional a omissão do Estado na proteção de direitos fundamentais ou, quando não omisso, estiver ele utilizando-se de meios ineficazes para garanti-la. Em sentido prático, a proibição de proteção deficiente não autoriza a incoerência estatal, na medida em que Estado não pode exigir determinada postura do cidadão, proibindo-o de certas condutas sem, contudo, instrumentalizar meios eficazes à proteção do direito fundamental ou bem jurídico tutelado. Quando o Estado exige por demais e, em contrapartida, faz de menos, afronta-se a proporcionalidade.

A proporcionalidade há de ser respeitada em todo o contexto do ordenamento jurídico, posto que normas de caráter civil ou tributário, por exemplo, também podem padecer de desproporcionalidade. Limitada, contudo, ao campo jurídico-penal, a noção de proporcionalidade que será admitida aqui diz respeito à sua concepção como proibição do excesso, caracterizando-a como mais um elemento limitador do ius

puniendi, inserida que está no âmbito da intervenção mínima.

À formação do juízo de proporcionalidade, a doutrina e jurisprudência alemãs desenvolveram um raciocínio escalonado em três fases, no qual são analisadas, segundo Alexy (2011, p. 116-117), as “três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em

sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito)”. O Tribunal Constitucional alemão entende que adequado é o meio “quando mediante sua utilização torna-se possível lograr o resultado desejável, quando o legislador não poderia ter optado por meio distinto, igualmente eficaz, que não limitasse, ou que o fizesse em menor grau, o direito fundamental” (FELDENS, 2005, p. 161-162).

O exame de adequação ou de idoneidade pode ser sintetizado na relação de adequação medida-fim. O Estado sempre objetiva um fim, consubstanciado no interesse público. Para o alcance de tal fim, necessário se faz o desencadeamento de meios, a execução de medidas. Tais meios devem ser adequados e idôneos à consecução desses fins, caso contrário, mostram-se inidôneos e, por consequência, desproporcionais, na medida em que não superaram a primeira fase do juízo de proporcionalidade (FELDENS, 2005). Se o Estado objetiva a segurança viária, parece adequado editar norma administrativa que imponha multa a quem transitar acima da velocidade permitida. Inadequada, por seu turno, seria a edição de lei penal que, também objetivando a segurança no trânsito, previsse pena de prisão ao motorista que excedesse a velocidade máxima.

No que diz respeito às normas penais, inicialmente há que se identificar o bem jurídico que se pretende proteger e, especialmente, quais os fins mediatos e imediatos da proteção, para que se possa determinar se o legislador se excedeu ou não no rigor da pena. Depois, o exame de adequação deve passar pelo crivo constitucional, a fim de averiguar se sua proteção jurídico-penal não é ilegítima, ou, noutros termos, se o bem jurídico não está proscrito e se é, igualmente, relevante socialmente (FELDENS, 2005).

A necessidade ou exigibilidade confunde-se mesmo com os aspectos da subsidiariedade e da intervenção mínima, na medida em que condiciona a validade da norma penal à não disponibilidade, por parte do Estado, de outro meio menos gravoso e eficaz ao alcance do fim desejado, de modo que seja inexigível outra ação estatal que não a vinculada à criação da lei penal.

O exame de necessidade deve ser realizado aprioristicamente à elaboração da norma. Contudo, depois de editada, esta restará eternamente vinculada e sujeita ao exame de necessidade, para acompanhar a evolução social, o desenvolvimento das ciências

etc. Uma vez detectada a possibilidade de se alcançar com norma não penal, de modo mais eficaz e menos gravoso, a mesma proteção jurídica que com a lei penal se almeja, esta há de ser excluída do ordenamento, em favor de intervenções civis ou administrativas. Digna de nota é a relação necessidade-eficácia que se espera da norma, ou seja, a eficiência é elemento norteador na tomada de decisão. Vale dizer que, mesmo que haja meio menos gravoso para se proteger o bem jurídico, ele deve mostrar-se no mínimo igualmente eficaz à norma penal que pretende substituir (FELDENS, 2005).

Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, também chamada de justa medida, estabelece uma relação entre as desvantagens dos meios e as vantagens dos fins. Ao juízo de proporcionalidade estrita devemos sempre ter a consideração de que a proteção de bens jurídicos, por vezes, demanda a afetação de direitos fundamentais. Assim, ao objetivar um fim (proteção do bem jurídico), alguns direitos fundamentais (que também são bens jurídicos) podem ser afetados e a proporcionalidade da norma estará em constatar que, sopesadas vantagens e desvantagens, evidencia-se que maiores são as vantagens, legitimando-a, portanto.

O exame de proporcionalidade estrita é particularmente sensível às questões relacionadas à proporção das penas e, no mundo jurídico-penal, relaciona-se sobretudo com o princípio da insignificância. Isso porque, partindo da valoração de bens jurídicos sob o critério constitucional, auxilia na determinação da justa medida das penas, relacionando a quantidade da pena com a gravidade da conduta e com a afetação ao bem jurídico.

Demonstrada a forma de equalizar as normas penais de modo a lhes garantir efetividade e legitimidade em face do princípio da proporcionalidade, também fica evidente, por consequência, a importância do princípio na correção de distorções e na promoção da aplicação justa e proporcional das penas, como representação da concretização de Direito Penal voltado à dignidade humana.

No documento EDUARDO ROMUALDO DO NASCIMENTO (páginas 40-43)