• Nenhum resultado encontrado

Existem outras escolas: as escolas alternativas

4 REFLEXÕES SOBRE AS ESCOLAS NO BRASIL

4.2 Existem outras escolas: as escolas alternativas

Atualmente, se pedirmos a qualquer pessoa para descrever “o que é uma escola”, provavelmente a primeira lembrança que virá a mente será a de um prédio, com diversas salas de aula, divididas por turmas, carteiras enfileiradas, uma lousa, um professor a frente e alunos sentados em fileiras. Essa é a escola que a maioria da população teve a oportunidade de vivenciar. Porém, não é o único modelo de escola existente. Ao buscar por escolas que apresentassem concepções pedagógicas diferentes da tradicional e/ou tecnicista nos deparamos com o que a mídia denomina como “escolas alternativas”.

Tais escolas parecem propor abordagens mais amplas embasadas na formação de um ser humano integral, de forma a desenvolver no indivíduo aspectos culturais e sociais importantes além das habilidades cognitivas. Algumas reportagens e documentários, encontrados na pesquisa midiática, e alguns trabalhos advindos da literatura, encontrados na revisão bibliográfica, mostram que escolas com ambiente, organização e tendências pedagógicas diferentes da predominante atual existem já há algum tempo.

Estudos como os de Contreras (2003; 2004) e Palacios (1984) somam-se aos trabalhos trazidos até o momento (GADOTTI, 2003; LIBÂNEO, 1985; 2009; SAVIANI, 2005), mostrando que questionamentos quanto à constituição atual da escola e quanto à crise escolar enfrentada já existem há anos, sendo tais questionamentos provenientes de diversas áreas, tendo levado a diversos estudos e a criação de diferentes correntes pedagógicas. De acordo com Contreras (2003), experiências escolares distintas e escolas pensadas de outra forma surgem, geralmente, da insatisfação dada pela forma como se organizam predominantemente e majoritariamente as escolas.

Segundo o autor, “junto com o modelo convencional que reconhecemos hoje como tipicamente ‘escola’, sempre houve outras formas de escola e de educação” (CONTRERAS, 2004, p. 13). Tais escolas se diferenciam das convencionais por diversos motivos, porém, para Contreras (2003, p. 39), “essas são escolas onde o espaço, o tempo e as experiências respondem a outra filosofia acerca da infância e da juventude”. Em outras palavras, são escolas que apresentam uma outra filosofia de vida e que, exatamente por isso, desenvolvem diferentes tendências de ensino.

Para Palacios (1984) a escola, em todos os seus níveis de ensino, enfrentou uma crise generalizada e global, proveniente de diversos aspectos como os pedagógicos, psicológicos, políticos e sociais. De acordo com o autor a crise escolar pode ser discutida através de trabalhos de autores de diversos países e, entre os aspectos geradores dessa crise escolar, o autor menciona:

a sobreposição de planos de estudo, as condições de trabalho prejudiciais para estudantes e professores, a falta de espaço e material, a burocracia da organização e das relações, meios econômicos insuficientes, divergências entre demandas institucionais e necessidades individuais e sociais (PALACIOS, 1984, p. 7).

Passados trinta e cinco anos dos estudos de Palacios, ao observar a situação atual de nosso país, com cortes de verbas na educação e a implementação e/ou votação de projetos de Lei que ferem a autonomia escolar e a atuação do professor e, ao constatar alguns fatores levantados por Palacios (1984) como situações de trabalho precárias, falta de espaço e materiais, entre outros presentes em nossa prática enquanto educadores atualmente, podemos afirmar que tal crise escolar não só não foi superada como vêm se aprofundando nos últimos anos. Essas constatações, juntamente com a observação do cenário político, social e educacional atual que nos motivaram a buscar por escolas alternativas, com concepções pedagógicas críticas ao modelo educacional vigente.

São escolas diversas, que possuem origem em diferentes contextos e que trazem, de alguma forma, críticas e discussões acerca da concepção de homem, de educação e do modelo escolar predominante. Entretanto, trata-se de escolas ainda pouco estudadas e pouco conhecidas pela sociedade. Não por falta de interesse nas mesmas, mas sim, porque, por questões históricas, o Brasil e diversos outros países adotaram como modelo de escola o modelo convencional utilizado atualmente. Uma escola em que os estudantes são separados por idade, se sentam na frente de um adulto para serem ensinados, há divisão correta de disciplinas ao longo da semana e a sequência correta de um currículo a ser seguido.

Assim como mencionado por Contreras, Palacios (1984) também considera a insatisfação com tal modelo de escola a grande motivadora das críticas que levam a novas experiências e diferentes iniciativas. Palacios (1984) analisa as críticas feitas ao modelo escolar vigente e classifica quatro grupos de acordo com as diferentes perspectivas ou com os diferentes aspectos adotados pelos autores dessas críticas e proponentes das novas ideias de escola, sendo eles os seguintes:

- A tradição renovadora: Rousseau, Ferrière, Piaget, Freinet, Wallon.

- A crítica antiautoritária: Ferrer, Neill, Rogers, Lobrot, Oury e Vásquez, Freud, Mendel.

- A perspectiva sócio-política do marxismo: Marx e Engels, Lenin, Makarenko, Blonskij, Gramsci, Althusser, Bourdieu e Passeron, Baudelot e Establet, Suchodolski.

- Dos pontos de vista da América Latina: Freire, Illich e Reimer. (PALACIOS, 1984, p. 15).

Um dos grupos críticos mencionado pelo autor emergiu em meio ao movimento Escola Nova e, pautado em discussões em torno de aspectos pedagógicos, critica a metodologia utilizada pela tendência tradicional de ensino. Tal grupo, denominado reformista, ou escolanovista, tem como propósito a reforma da educação de forma a retirar o foco do professor a passar o foco para o estudante, tornando-o mais ativo, utilizando para isso diferentes instrumentos pedagógicos como métodos de pedagogia ativa, contextualização do conteúdo de acordo com a realidade do aluno e relacionamento não apenas transmissivo entre professor e aluno (PALACIOS, 1984).

Ainda, há o grupo que surge a partir de orientações pedagógicas, psicológicas e sociais, denominado de crítico antiautoritário, e tem como objetivo a liberdade dos estudantes frente ao educador e à escola. Para eles, a educação deve ocorrer de forma libertadora. Os críticos antiautoritários “compreendem que a escola deve desempenhar uma função terapêutica, ou pelo

menos profilática, e que essa função é impensável no âmbito de uma relação direta e autoritária” (PALACIOS, 1984, p. 8).

Já um terceiro grupo, denominado por Palacios (1984) de grupo Marxista ou grupo sócio- político, tem como preocupação maior o papel que a sociedade atribui à escola e o papel social que ela assume. Preocupados mais com os aspectos sociais e políticos da educação do que com os metodológicos, tal grupo acredita que a crise escolar é reflexo de uma crise sociológica mais profunda. Para mostrar que as críticas a escola tradicional não se resumem aos aspectos levantados por estes três grupos, Palacios (1984) cria ainda um quarto grupo, o qual, através de critérios geográficos, políticos e sociais, denomina de grupo crítico da América Latina.

Dessa forma, o livro de Palacios (1984) aborda quatro diferentes maneiras de se pensar a escola, sendo as quatro perspectivas pedagógicas abordadas por ele vistas como alternativas para a construção de uma escola distinta da convencional. De acordo com Contreras (2004), exatamente pelas tendências pedagógicas adotadas pelas escolas alternativas não terem sido desenvolvidas de forma predominante, que as mesmas foram pouco estudadas ou não receberam tanta atenção. Entretanto, isso não significa que escolas com concepções pedagógicas diversificadas, norteadas por ideais críticos ao tradicional, não existiram concomitantemente com as escolas convencionais de cada época.

Para Contreras (2004, p. 13) “algumas experiências tiveram uma especial ressonância em diferentes épocas”. No século XIX, escolas como Yásnaia Poliana, de León Tolstói, e a Escola Laboratório, de John Dewey, emergiram como alternativas as escolas predominantemente tradicionais desse século. Já no século XX, o movimento Escola Nova surge com o objetivo de renovar a escola por meio de práticas educativas que considerem as etapas do desenvolvimento infantil. Influenciados por esse movimento, porém seguindo diferentes ideais e objetivos, diversos educadores fundaram escolas, as quais trouxeram em si o desenvolvimento de diferentes filosofias de vida, como a escola Summerhill, fundada em 1924 pela filha de Neill, Zoe Readhead; a escola Dartington Hall, fundada em 1926 na Inglaterra; a escola do francês Célestin Freinet, fundada em 1935; entre outras (CONTRERAS, 2004).

Como pudemos notar, esse movimento crítico contra os ideais da escola tradicional, como abordado por Palacios (1984), fez emergir as escolas “alternativas”, entre as quais podemos citar ainda as escolas Montessorianas, tendo como base os estudos de Maria Montessori; as escolas Waldorf, pautadas na antroposofia desenvolvida na Alemanha pelo austríaco Rudolf Steiner; as

escolas Freirianas, que seguem os ensinamentos de Paulo Freire; as escolas democráticas, inspiradas na Escola da Ponte, do português José Pacheco; entre outras escolas com as mais diversas abordagens pedagógicas existentes.

Não é objetivo do presente trabalho descrever cada uma dessas escolas e suas distintas concepções pedagógicas e/ou filosofias. Entretanto, a constatação dessas concepções pedagógicas distintas e, consequentemente, dessa variedade de escolas diferentes da convencional, trazidas por meio da literatura e das publicações midiáticas, é que auxiliaram o presente trabalho na definição do termo “escolas alternativas”.

De acordo com Feijó e Vieira (2012), as escolas convencionais atuais, subsumidas ao discurso da preparação para o mercado, ainda possuem sua prática baseada no conceito linear de aprendizagem, na qual o currículo funciona como um plano sequenciado e homogeneizado de aprendizagem, e as relações de poder ocorrem de forma verticalizada. Já as outras escolas em questão surgem com uma filosofia diferenciada e buscam fugir do modelo convencional proposto. Porém, cada escola adota uma concepção pedagógica diferente, de acordo com sua história e seu contexto. Sendo assim, podemos afirmar que, desde o século XIX, diversas “escolas alternativas” têm surgido, com modelos distintos do convencional, mas também, diferentes entre si.

Foi exatamente essa variedade de escolas, diferentes das convencionais conhecidas, que nos colocou diante de um impasse: qual o termo mais adequado para denominá-las? Chamá-las simplesmente de “alternativas” não parecia o termo mais apropriado, visto que a palavra “alternativa” nos remete ao significado de “o outro”, “a outra maneira”, e isso não seria o suficiente para expressar o que significam tais escolas (CONTRERAS, 2004). Porém, de acordo com Contreras (2004), a expressão “alternativa” também se refere ao que sai do convencional, do previsível, do que é considerado normal, a expressão “alternativa” também pode nos remeter a inovações. Esse foi, portanto, o termo escolhido para denominar essa variedade de escolas.

Ressaltamos ainda que, quando tomamos o termo “alternativas” para nomear tais escolas, estamos nos referindo a escolas diferentes das convencionais, que possuem uma filosofia educacional, social e cultural distinta, com práticas pedagógicas diversificadas e que seguem também uma outra metodologia e uma diferente forma de pensar a escola. O termo “alternativas” nesta dissertação se refere a outras escolas, ou seja, diversas escolas que adotam modelos pedagógicos distintos dos convencionais, não apenas a um outro e único modelo específico.

Diversos autores também abordam o termo “escolas alternativas” nesse sentido e apontam que tal denominação, utilizada para essas escolas com concepções diferentes da convencional, surgiu em meados das décadas de 1960 e 1970, juntamente com os movimentos de contestações desta época, denominados genericamente de “contracultura”. Entretanto, segundo Künzle (2011, p. 11):

Embora mundial, o movimento da contracultura tomou formas próprias em diferentes países. No caso do Brasil, a onda de contestações aos valores considerados ultrapassados e tradicionais (que marcaram a contracultura na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo), confrontou-se com uma Ditadura Militar instalada em 1964, dando origem a diferentes movimentos políticos de resistência.

Dessa forma, no Brasil, o termo “escolas alternativas” emergiu e passou a designar, no contexto da Ditadura Militar, as escolas que garantissem um desenvolvimento adequado para as crianças e que tinham como motivo político a luta contra a ditadura militar e por mudanças nas relações sociais e nos valores. Em sua tese, Kassick (1997) afirma que as escolas alternativas do Brasil surgiram na década de 1970, quando pais e professores descontentes com o sistema escolar vigente buscaram se associar em cooperativas e desenvolver alternativas para educação, através de escolas organizadas com novos princípios.

As escolas alternativas atuais, apesar de já não se situarem mais no mesmo contexto político, econômico e social, também partem de princípio parecido, o princípio de modificar a estrutura escolar e os modelos de ensino predominantes. Feijó e Vieira (2012) colocam que, nas escolas alternativas tem-se a quebra da concepção de verticalização, com relações mais horizontalizadas, que buscam romper com a lógica da ordem escolar estabelecida.

Como pudemos observar, o termo “escolas alternativas” se remete a uma grande variedade de escolas, sendo que a orientação das mesmas se diferencia de acordo com o modelo pedagógico adotado. Ao longo da história, diversas correntes pedagógicas emergiram conforme a necessidade política, social e econômica da época, sendo que algumas delas permanecem presente em algumas escolas nos dias de hoje e outras, emergentes de forma dispersa ao longo do globo, tem influenciado escolas e ganhado maior visibilidade atualmente no Brasil.

Libâneo (1985), Palacios (1984) e Saviani (2005) ainda nos lembram de um grande educador brasileiro, Paulo Freire, também crítico ao contexto escolar predominante em sua época, defendendo uma educação antiautoritária, formulando entre os anos de 1971 e 1976 os princípios

da concepção pedagógica denominada libertadora. Suas obras são estudadas até os dias de hoje e seus ideais ainda orientam escolas e professores para o desenvolvimento de uma pedagogia da autonomia, com a liberdade dos estudantes, a relação horizontal entre professor e aluno, a liberdade da prática pedagógica, da escolha dos conteúdos e uma educação para todos.

Dessa forma, constatada a pluralidade de escolas alternativas existentes no Brasil e ao redor do globo, sentimos a necessidade de compreender um pouco mais sobre a dinâmica das mesmas, o que nos levou a buscar o que temos de estudos e publicações sobre elas. Para isso, realizamos um levantamento midiático e uma revisão bibliográfica. Entretanto, antes de seguir com o trabalho, gostaríamos de esclarecer que, frente a polissemia dos termos “tradicional/convencional” e “alternativo”, a presente dissertação adota como definição de escolas tradicionais/convencionais aquelas em que o modelo pedagógico adotado é caracterizado por uma concepção tradicional e/ou tecnicista, na qual o estudante deve atingir o conhecimento com mérito do seu próprio esforço, os conteúdos são transmitidos como verdades inquestionáveis e o professor é a autoridade da sala e o objetivo escolar é a formação para o mercado de trabalho. Denominamos de escolas alternativas aquelas que têm adotado em seus princípios o antiautoritarismo, a valorização da experiência vivida como base da relação educativa, a ideia de autogestão pedagógica, ou ainda, valorização da ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta.