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4 ESCOLHAS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.8 Cuidados relacionados à pesquisa de campo e análise de dados

Alguns cuidados ao se realizar esse estudo de caso múltiplo devem ser considerados. Isso porque as escolhas metodológicas tomadas levam a trade-offs de rigor metodológico existentes em estudos de casos que devem ser expostos (GIBBERT; RUIGROK, 2010), demonstrando que o pesquisador não apenas tem consciência de suas escolhas, mas que conhece também suas limitações. A seguir, serão apresentados os principais cuidados a serem tomados na pesquisa de campo e na análise de resultados.

4.8.1 Cuidados com o gap entre a retórica dos entrevistados e a prática

Importante ressaltar ainda, que muitos estudos da área sofrem com a diferença entre o que os entrevistados falam e o que de fato ocorre na realidade organizacional. Isso acontece porque o pesquisador é uma intervenção no sistema social da organização que pode causar

reações defensivas por parte do sistema social (WOLF, 2004). Diante disso, no momento em que o entrevistado for oferecer informações sobre o contexto organizacional, sua fala pode estar contida de retórica sobre a realidade. Isso implica que tanto ele quanto a própria organização podem estar sendo apresentados de forma não condizente com a realidade.

De fato, no momento da entrevista, em que existe uma interação social entre o pesquisador e o entrevistado, a apresentação pessoal do gestor (entrevistado) realiza uma auto-apresentação de si, no intuito de tentar de alguma forma controlar as impressões geradas sobre ele naquele momento. Essa tentativa de auto-apresentação se extrapola também para a organização no momento em que o gestor, numa entrevista em que apresenta sua organização, assume-a como extensão de seu indivíduo de forma simbólica quando a apresenta ao pesquisador.

Para Swann Jr. (1987), a auto-apresentação pode ser autêntica, ideal ou tática. Michener et al. (2005) explica a diferença das três alegando que a auto-apresentação autêntica é quando o que se apresenta de si condiz com a realidade percebida de si próprio. A auto- apresentação ideal ocorre quando se tenta transmitir uma imagem de si coerente com o que se deseja que os outros percebam, Por fim, a auto-apresentação tática tem como objetivo “estabelecer uma imagem pública de nós mesmos, coerente com aquilo que os outros desejam ou esperam” (MICHENER et al., 2005, p. 271).

Devido a essas considerações, é importante a atenção para as retóricas expostas pelo entrevistado para que se consiga compreender de fato que tipo de auto-apresentação ele está realizando. Por mais que sua fala possa conter elementos mistos de auto-apresentação, uma das formas deve se sobressair e o que o entrevistado está apresentando pode não ser condizente com a realidade organizacional. Deve-se criar uma forma de verificar os dados e informações levantadas na pesquisa, portanto.

Nesse caso especificamente, cabe ao pesquisador não coletar informações da realidade apenas através de entrevistas do o gestor, dado a eminência de haver informações influenciadas por manipulações da auto-apresentação. Por isso, para este caso, a coleta de dados empíricos dar-se-á tanto pela entrevista quanto pela observação da rotina organizacional. Estabelece-se desta forma uma coleta de dados qualitativa em que a observação servirá de suporte para a entrevista, confirmando-a ou apresentando uma realidade diferente da retórica apresentada. Quando possível, pode-se também pedir aos funcionários operacionais que descrevam suas atividades rotineiras, a fim de se compreender qual o cotidiano da organização e a sua realidade.

4.8.2 Cuidados com a análise documental

Analisar documentos corporativos requer os devidos cuidados também. Raramente os documentos analisados nos estudos das organizações são elaborados exclusivamente para as pesquisas, o que requer cuidados no instante de sua análise. Carneiro da Cunha, Yokomizo e Bonacim (2010) sintetizam alguns cuidados que se devem ter numa análise documental:

 Contexto social: Para Prior (2004), os documentos escritos são produzidos dentro de um contexto específico, em que o seu criador expõe seus pensamentos e / ou dados organizacionais de maneira formalizada. Para a autora, existe um contexto que envolve a elaboração do documento, fazendo com que ele esteja inserido num contexto socialmente organizado, que pode ser decisivo na medida em que isso influencia diretamente a estrutura e o conteúdo do documento;

 Conhecimento prévio: trata-se do caso em que o conhecimento prévio do leitor (pesquisador) sobre o conteúdo disponibilizado pelo documento pode lhe oferecer uma amplitude maior de compreensão. Quando existem elementos que o leitor pode relacionar com suas experiências prévias, sua compreensão do texto é mais profunda e ele consegue despertar aspectos tácitos por meio dessa leitura (ALEXANDER; JETTON, 2000).

 Má compreensão do conteúdo: em contraposição ao item anterior, o leitor-pesquisador pode não compreender por completo os elementos contidos no documento (GIL, 2009) por falta de conhecimento desse conteúdo ou pela desorganização a qual o documento foi elaborado;

 Retórica do documento: assim como numa análise de entrevistas, um documento organizacional pode estar contido de retóricas para sua apresentação ao pesquisador. Segundo Martins (2008, p. 46), pela ética de pesquisa, “a permissão para se examinar os arquivos deve ser solicitada”, por isso, os documentos os quais o pesquisador tem acesso, na maioria das vezes, são aqueles os quais a organização permite;

 Fonte única de dados: recomenda-se que todas as análises documentais, quando possível, sejam feitas juntamente com outras estratégias de coleta de dados, de forma que o documento venha a se complementar com outro tipo de dado. Martins (2008, p. 46) afirma que “a realização de pesquisa documental é necessária [...] para corroborar evidências coletadas por outros instrumentos e outras fontes, possibilitando a confiabilidade de achados por meio de triangulação de dados e de resultados”.

4.8.3 Cuidados com a observação do cotidiano social

A observação, quando não participante, faz com que o pesquisador tenha uma visão externa da realidade social observada. Dessa forma, por não existir a imersão social do pesquisador, conforme Granovetter (1985) afirma ser importante para que o pesquisador possa compreender a realidade social na qual as relações ocorrem. Sem uma imersão considerável do pesquisador não existe a internalização de valores, das percepções mais profundas do contexto social e de todos os elementos implícitos do ambiente e das relações sociais, tal como Polanyi (1964) preconiza existir. Portanto, as observações realizadas num determinado instante social, ou seja, dentro de um retrato específico no tempo e no espaço da organização, podem ser específicas ou particulares, o que prejudicaria a acuracidade dos dados coletados por observação.