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Grafico 15 Principais agravantes dos problemas ambientais nas áreas de várzea do território do

6 DINÂMICA PRODUTIVA ADAPTATIVA E MANEJO SUSTENTÁVEL DO ECOSSISTEMA DE VÁRZEA DO TERRITÓRIO BAIXO TOCANTINS

6.3 Cultivo e manejo de açaí nativo em ecossistema de várzea

Nas áreas de várzeas, o manejo de recursos naturais tem se destacado como componente estratégico para o desenvolvimento desse ecossistema. Por isso, vários pesquisadores têm estudado sobre os sistemas de produção e manejo de açaizais, com destaque para os estudos de Anderson et al. (1985), Jardim e Anderson (1987), Anderson e Ioris (2001), Grossmann et al. (2004), Azevedo (2005), Nogueira et al. (2005), Nogueira (2006), Azevedo e Kato (2007), Homma (2010), Santos, Sena e Homma (2012), entre outros, que constatam que os caboclos-ribeirinhos estão usando técnicas de manejo dos recursos naturais, objetivando o aumento da produção de açaí e recuperação de áreas degradadas nos agroecossistemas de várzea.

O ecossistema de várzea do Baixo Tocantins foi marcado por uma diversidade de atividades econômicas desenvolvidas até o final da década de 1980, com base na exploração de madeira, seringa (borracha), produção de arroz, cacau e a monocultura da cana-de-açúcar e de subsistência dos caboclos-ribeirinhos com as atividades tradicionais de extrativismo (caça, pesca e sementes), com a agricultura sendo complementar ao extrativismo com criação de pequenos animais que contaram com momentos de expansão e declínio (HIRAOKA, 1993; ALMEIDA, 2010).

Com o declínio da cana-de-açúcar, as extrações dos açaizais nativos passaram a ser realizadas de forma intensiva e sem nenhum tipo de trato cultural na região, seguidas do colapso da agricultura e do extrativismo, provocando profundas mudanças econômicas e socioambientais, em decorrência da intensificação do uso dos recursos naturais, gerada, principalmente, durante o ciclo do palmito e pela oportunidade de mercado do açaí, a partir dos anos de 1990, que alteraram significativamente, o modo de vida da população, paisagem local, condições sociais, econômicas e culturais das populações caboclo-ribeirinhas e o ecossistema de várzea. O relato do caboclo-ribeirinho de Abatetetuba evidencia essa realidade:

Até o final dos anos 70, minha propriedade era explorada somente com plantação de cana-de-açúcar. Essa atividade econômica foi passada de meu pai, toda a produção era vendida para um engenho local. Muito trabalho e pouco recurso financeiro para sustentar a família com esta atividade. Eram

tempos muitos difíceis para nós. O cultivo da cana-de-açúcar levou ao desmatamento total do meu lote. Foi a partir do início dos anos 80 que a vida foi melhorando para nós ribeirinhos, moradores da várzea de Abaetetuba. Com a tomada do sindicato pelos trabalhadores rurais começamos a participar das reuniões do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Abaetetuba, da Associação de Produtores (ADEMPA), da Cooperativa dos fruticultores de Abaetetuba (COFRUTA) e do Centro de Tecnologia Alternativa de Tipiti, com o apoio da FASE, UFPA, EMBRAPA, entre outras organizações, a discutir projetos produtivos mais sustentáveis para os trabalhares rurais, que recuperasse as áreas degradadas pelo cultivo da cana- de-açúcar e também produzisse alimento para nós. Foi quando começamos a trabalhar com o cultivo e manejo do açaí diversificado no inicio dos anos 90 (Informação Verbal).

A exploração dos recursos naturais geraram processos de degradação ambiental no território, com o risco de colapso ecológico dos recursos naturais, especialmente, causado pela exploação do palmito e pelo plantio da cana de açúcar. Tal crise ambiental produziu um processo reflexivo da necessidade de fortalecer um novo paradigma de uso e manejo dos recurosos naturais, baseado em uma abordagem inovadora e criativa que considerasse não só a produção agroextrativista, mas também a preservação dos recursos naturais, adaptados às condições da população caboclo-ribeirinha e do ecossistema de várzea. Neste sentido, o cultivo e manejo do açaí vêm como alternativas de aproximação entre desenvolvimento e preservação ambiental, assim como uma oportunidade para conservação dos recursos naturais, atendendo às oportunidades de mercado e às necessidades de subsistência das famílias ribeirinhas.

Com a atividade produtiva do açaí e a procura pelo fruto do açaí a partir dos anos 1990, os caboclos-ribeirinhos do estuário amazônico criaram uma alternativa do uso da terra e permitindo a criação de tecnologias inovadoras nos sistemas de produção do açaí nativo, por meio do enriquecimento dos agroecossistemas de várzea, com uso de técnicas de manejo e práticas agroecológicas para a implantação de sistemas de produção diversificados. Segundo relatos do caboclo-ribeirinho do município de Igarapé-Miri:

O cultivo do açaí, na década de 80, nas áreas de várzea das ilhas não era visto como uma opção de renda, pois não havia mercado consumidor e a produção era destinada apenas para o consumo interno em pequena escala e sem nenhum tipo de trato cultural. Já no início da década de 90, com a expansão do mercado do açaí, a família passou a comercializa-lo e este passou a ser uma importante opção de renda, e foi a partir do surgimento da Associação Mutirão que a família teve acesso à informação por meio do incentivo da associação e passaram a realizar boas práticas de produção e o manejo dos açaizais nativos como o de desbaste dos perfilhos, roçagem, coroamento e limpeza dos estipes, visando aumentar a produção do fruto

para atender à demanda do mercado e garantir a estabilidade financeira da família (Informação Verbal).

As técnicas iniciais de manejo de açaí enriquecido foram desenvolvidas pelos caboclos-ribeirinhos e aperfeiçoadas, principalmente, por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal Rural da Amazônia e Embrapa Amazônia Oriental16, que foram combinando culturas nas propriedades tornando o sistema produtivo mais diversificado, o que ocasionou o aumento das áreas de manejo e oportunizou maior estabilidade aos caboclo-ribeirinhos, possibilitando a elevação de produtividade em comparação com o sistema de monocultivo do açaí, trazendo incremento de produtividade e renda.

O desenvolvimento dos modelos de sistema de manejo do processo de produção constituiu num novo paradigma tecnológico no qual se evidenciava o avanço no uso de técnicas agronômicas com vistas à sustentabilidade da produção de açaí adaptada à realidade dos caboclos-ribeirinhos do estuário Amazônico. De modo geral, os caboclos-ribeirinhos têm realizado o manejo dos açaizais, de acordo com suas condições socioeconômicas, culturais e conhecimentos acumulados (SANTOS; SENA; HOMMA, 2011).

O açaí tornou-se fonte prioritária pelo seu valor nutricional e alimentar, além do valor comercial, e passou a ser a atividade econômica mais importante da várzea na região, a partir dos anos de 1990, e determinou um ritmo de vida que reflete diretamente nas atividades produtivas, na renda familiar, na dieta alimentar, assim como na resiliência do ecossistema de várzea.

6.3.1 Cultivo de açaí nativo em área de várzea

As inovações nos processos recentes de produção de açaí se deram através de um conjunto de métodos e técnicas de manejo, possibilitanto colher açaí ao longo do ano, na safra e na entressafra, entre outras atividades.

Nos ambientes cultivados, observou-se a implantação de métodos ecológicos de produção e manejo que, por sua vez, contribuem para a manutenção e produtividade dos agroecossistemas, o que é facilmente percebido nas unidades produtivas familiares, como um

16 Segundo Nogueira (2011), a partir da década de 1980, foram iniciadas algumas atividades de manejo pela

Embrapa Amazônia Oriental, coletando dados sobre as práticas de manejo, coleta de germoplasma e da produção de açaí em pó, assim como do Museu Paraense Emílio Goeldi na utilização desses conhecimentos com as comunidades ribeirinhas (LOPES, 2001; NOGUEIRA; FIGUEIRÊDO; MULLER, 2005).

contínuo processo de manejo agroecológico diversificado do agroecossistema, possibilitando resgatar as práticas de manejo do açaí e garantir a biodiversidade dos sistemas tradicionais.

Nas áreas de várzea do território do Baixo Tocantins, os caboclos-ribeirinhos vivenciam e cultivam a terra, em especial, com a plantação e extração do açaí, a partir de sistemas de cultivos adaptados às condições locais. Estes sistemas apresentam importantes elementos de sustentabilidade, ou seja, adaptados ao ambiente.

O sistema de manejo da produção de açaí é caracterizado por sistema de manejo de açaí nativo, manejo de açaí plantado e de manejo misto (os dois tipos). Na pesquisa de campo, foi identificado que 60% das propriedades possuem sistemas mistos (manejo + plantio); 39%, açaizal manejado (açaí nativo); e em apenas 1%, o açaí é plantado (Gráfico 20).

Gráfico 20 - Sistema de manejo da produção do açaí em área de várzea do território do

Baixo Tocantins

Fonte: Pesquisa de campo, 2013/2014.

A experiência do enriquecimento do açaí com outras culturas fez surgir uma nova dinâmica produtiva agrícola nas comunidades de várzea, responsável pela recuperação de áreas desmatadas com diversificação dos sistemas de produção, passando a se tornar importante nas atividades agroextrativista das comunidades ribeirinhas do Baixo Tocantins (REIS, 2008; REIS, ALMEIDA, 2012).

O cultivo e manejo de açaí geraram (e estão gerando) uma diversidade de arrajos produtivos consorciados com espécies de árvores frutíferas e essências florestais. Dentre as principais espécies encontradas e utilizadas no enriquecimento do ecossistema de várzea, destacamos: acaí (Euterpe oleracea), andiroba (Carapa guianensis Aubl.), ucuúba (Virola

Surinamensis), buriti (Mauritia flexuosa), cacau (Theobroma cacao L.), cupuaçu (Theobroma 39%

60%

1%

grandiflorum), manga (Mangifera indica), noni (Morinda citrifolia), sapotilha (Manilkara zapota) e coco (Cocos nucifera) no ecossistema de várzea, sendo este último de maior

produção e maior importância econômica na composição da renda familiar (Figura 4).

Figura 4 - Croqui do sistema de produção de açaí nativo na várzea de Igarapé-Miri

Fonte: Pesquisa de Campo, 2013/2014.

As práticas de cultivo e manejo de açaí nativo, desenvolvidas pelos caboclos- -ribeirinhos para formação dos açaizais enriquecidos com outras espécies florestais, visa à

melhoria da produção e à regeneração natural da espécie, garantindo, desta forma, o uso contínuo da espécie, reduzindo a competição entre ela(s) e outras espécies de menor valor comercial, permitindo aos açaizais manterem as características funcionais e estruturais da floresta, além de propiciar ao caboclo-ribeirinho a concentração de espécies de valor econômico (BRONDIZIO et al., 1993; PINTO, 2010).

A combinação de culturas nas propriedades tornou o sistema produtivo mais diversificado e ocasionou o aumento das áreas de manejo e estabilidade aos caboclos- ribeirinhos, possibilitando a elevação de produtividade em comparação com o sistema de monocultivo do açaí.

6.3.2 Manejo de açaí nativo em área de várzea

As técnicas de manejo utilizadas pela população caboclo-ribeirinha do Baixo Tocantins apresentam algumas características semelhantes aos métodos e técnicas pesquisados em Anderson et al. (1985), Jardim e Anderson (1987), Grossmann (2004), Jardim (2004), Nogueira (2006), Azevedo e Kato (2007), Reis (2008), Reis e Almeida (2012) que mostram, por meio de estudos realizados nas áreas de várzeas, que as práticas de manejo utilizadas nas comunidades ribeirinhas do estuário amazônico consistem basicamente de: a) raleamento seletivo de espécies concorrentes na mata, com a eliminação de espécies de melhor valor econômico; b) desbaste seletivo nas touceiras de açaizeiros, permitindo a extração de palmitos, com tratos culturais de roçagem, preparo da área, corte seletivo e raleamento, dispersão de sementes e mudas, e capina de plantas competidoras, colheita e pós- colheita.

Nas várzeas do Baixo Tocantins, o sistema de manejo também é similar consistindo, fundamentalmente, da técnica de limpeza e preparo da área, cultivo, desbastes a partir da eliminação das plantas de espécies consideradas de baixo valor comercial, enriquecimento das áreas e colheita que são influenciadas pelo clima, maré (lançante e morta) e pelos principais períodos de produção (entressafra e safra), conforme Quadro 3.

O açaizeiro é formado de múltiplas touceiras, chamadas de estirpes, das quais, geralmente, brotam de 5 a 6 caules longos e finos da palmeira. Nesta fase de crescimento das árvores, os caboclos-ribeirinhos iniciam o desbaste das touceiras, por meio do corte dos perfilhos para reduzir a competição entre os açaizais de janeiro a junho.

Os tratos culturais de desbaste visam à retirada dos estipes mais velhos e altos, que dificultam a colheita ou ainda açaizeiros improdutivos, finos, defeituosos ou que apresentem

pouca produção de frutos, mantendo de 3 a 4 plantas por touceira, as quais são chamadas popularmente, pelos caboclos-ribeirinhos de árvore mais velha ou planta mãe às árvoes adultas; e filhas, às mais jovens. Nesta etapa, é retirado o palmito das estipes colhidas.

Quadro 3 - Ciclo produtivo e técnicas de manejo de açaí nativo em área de várzea do território do

Baixo Tocantins

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