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DIVERSIDADE PRODUTIVA E USO MÚLTIPLO DOS RECURSOS NATURAIS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO

2 AS BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM ÁREAS DE VÁRZEA

2.2 Da crise ambiental ao desenvolvimento sustentável

A exploração dos recursos naturais pelo processo de desenvolvimento econômico gerou processos de degradação ambiental dos recursos naturais, com risco de colapso ecológico, denominado de crise ambiental, que resultam da racionalidade econômica e tecnológica dominante orientada para as necessidades da acumulação do capital.

A noção de crescimento econômico despontou em 1776, com a obra de Smith (1937), “A Riqueza das Nações4”, ao estudar a formação da riqueza de uma nação, raciocinando sobre

o funcionamento dos mercados e da expansão dos mesmos, para ganho de escala de produção,

em que os custos médios seriam reduzidos e permitiriam gerar lucros, tendo o consumo objetivo e desígnio único da produção no sistema capitalista.

O núcleo central da discussão do desenvolvimento nas sociedades modernas é o crescimento para níveis cada vez mais elevados de riqueza material, pois, segundo essa lógica, o crescimento econômico está associado apenas à variação quantitativa do produto e, como determinante de sua busca, a acumulação de riqueza e do aumento de poder, a principal fonte de progresso econômico, e os lucros, a fonte do novo capital no sistema capitalista (HUNT, 2005).

Segundo Leff (2005), essa concepção de desenvolvimento caracteriza-se como um processo que denominou de "economização do mundo", mostrando-se a partir do progresso de cinco séculos atrás, tendo no sistema econômico capitalista e nos sistemas políticos e culturais seus pressupostos essenciais.

A economização do mundo tem induzido à homogeneização dos padrões de produção e consumo, contra uma sustentabilidade global, com base na diversidade ecológica e cultural. Esta homogeneização foi deixando de lado outras definições ou formas alternativas de pensar e construir a "natureza" e o "meio ambiente" — e, até mesmo, o "homem" —, com base nas possibilidades de "sustentabilidade" de acordo com o sistema econômico vigente (LEFF, 2005).

No decorrer da história, foi possível observar que o desenvolvimento sob o viés do crescimento econômico se estabeleceu diante de interesses minoritários, induzindo a parte massiva da sociedade ao crescimento desenfreado, pensando ser um acontecimento benéfico e inevitável. Porém, atualmente, toda a sociedade pode sentir os prejuízos do sonhado “progresso”, que parece ter atingido seu ápice em razão da escassez dos recursos naturais e da destruição do meio ambiente.

A ideologia do crescimento econômico e do produtivismo baseia-se nos modelos dos países industrializados, de economias de mercados que priorizam o uso dos recursos naturais, de forma indiscriminada, tendo como finalidade a acumulação de riqueza. Esse modelo de acumulação de capital tem aumentando, cada vez mais, o desnível entre classes sociais nas diferentes perspectivas, sejam elas de ordem econômica, social e/ou ambiental (CHESNAIS, 1996).

Esse modelo possibilitou a industrialização como motor de desenvolvimento da sociedade moderna, visando a atingir o bem-estar social por meio do uso indiscriminado dos recursos naturais, ocasionando impactos sociais e ambientais de diversa natureza. Assim, o almejado “progresso” resultou da racionalidade econômica, desenvolvida pelo homem, tendo

como consequências não só a transformação da natureza, mas também a destruição de valores humanos, culturais e sociais.

Até meados da década de 60, os custos ambientais em termos do uso intensivo dos recursos naturais e da degradação da natureza eram considerados normais e necessários no processo de “desenvolvimento”. A natureza era pensada como um elemento imutável, fonte inesgotável de matéria-prima, e não como um sistema vivo com processos e funções próprias (DIEGUES, 1993).

No final do século XX, presenciou-se a degradação do meio ambiente decorrente do processo de desenvolvimento, a partir do crescimento econômico. O aprofundamento da crise ambiental, juntamente com a reflexão sistemática sobre a influência da sociedade, conduziu a um novo conceito, ou seja, o desenvolvimento sustentável. Este último tem alcançado destaque, a partir da década de 1970, tornando-se um dos termos mais utilizados para se definirem novos modelos de desenvolvimento (VAN BELLEN, 2004).

Os problemas relacionados ao modelo da racionalidade econômica, baseados no crescimento e no progresso faz surgirem as primeiras preocupações sobre o uso sustentável dos recursos naturais e a relação entre homem e meio ambiente, bem como sobre a preservação de seus sistemas biológicos e as diversidades dos recursos naturais.

Segundo Lowi (2005), o modelo econômico capitalista gerou uma diversidade de impactos ambientais no modo de vida das sociedades modernas, conduzindo a desastres ambientais, como poluição do ar nas grandes cidades, aquecimento do planeta, desertificação, degelo polar, destruição da camada de ozônio, entre outros.

A degradação intimamente ligada ao crescimento do capitalismo e não a fatores naturais possibilitou vários espaços de debate e discussões, aumentando a preocupação com as relações entre homem e natureza. Lowi (2005) mostra que a questão ambiental, em termos mundiais, está em situação extrema, pois a humanidade vem estabelecendo uma relação cada vez mais destrutiva com a natureza, em face do modelo capitalista de produção.

Essa realidade tem demonstrado, seguidamente, que os interesses da acumulação de capital se colocam como os principais responsáveis pela crise ambiental. Os requisitos inerentes ao sucesso da empresa capitalista encerram incompatibilidades flagrantes com as propostas de preservação da vida. Entre tais requisitos, pode-se destacar a necessidade de volumes sempre crescentes de investimentos (para manter taxas constantes de crescimento), a perspectiva de tempo econômico, pautado no curto e médio prazo, já que a rentabilidade depende da maior rotatividade do capital, visa ao crescimento ilimitado e a lucros imediatos (CAVALCANTI, 2003).

Essas características pressupõem um consumo crescente de recursos naturais e energéticos, um comportamento consumista por parte dos compradores e um estímulo obsessivo na busca do ganho rápido e fácil, divorciado de quaisquer considerações éticas. Essa conjugação de características e objetivos resulta numa equação insustentável, com impactos perversos sobre a vida humana, em especial, a força de trabalho que torna tal sistema possível sobre o meio ambiente (CAVALCANTI, 2003).

A transformação da racionalidade econômica, com a introdução de variáveis socioambientais, em resposta à crise ambiental, passa a ser denominada de “racionalidade ambiental”, a qual se funda em uma nova ética, manifestada em comportamentos humanos em harmonia com a natureza, em princípios de uma vida democrática e em valores culturais que dão sentido à existência humana. Tais comportamentos se traduzem em um conjunto de práticas sociais que transformam as estruturas do poder associadas à ordem econômica estabelecida, mobilizando um potencial ambiental, para a construção de uma racionalidade social alternativa (LEFF, 2001b).

Historicamente, podem-se considerar os anos do pós-guerra como o marco inicial do processo de conscientização social da destrutividade do sistema tecnocientífico humano, e da ameaça potencial desse sistema para a continuidade da própria vida no planeta. Esta conscientização cresceu, gradualmente, até os dias atuais, através do trabalho persistente de setores da comunidade científica, da militância dos movimentos ambientalistas, pacifistas e da contracultura, como uma primeira fase; na etapa seguinte, com a adesão da atuação de órgãos governamentais, não - governamentais e internacionais como Organização das Nações Unidas (ONU), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), da iniciativa privada, dos meios de comunicação de massa, e dos demais movimentos sociais e religiosos, mas, muitas vezes, preso ao discurso (LIMA, 1997).

A multiplicação de acidentes e de problemas ambientais tem mobilizado a ação dos movimentos ecológicos, sobretudo a partir da década de 1970, compondo uma força crítica ao modelo de desenvolvimento industrial e despertam para uma nova consciência, atenta à dimensão ambiental da realidade. A crítica ao modelo dominante reforça as inquietações e manifestações dos analistas ambientais, políticos e sociais, denunciando as falácias do progresso, suas irracionalidades e promessas descumpridas, seja nos países industrializados, seja nos países em desenvolvimento.

Sachs (1986a) chama a atenção para as discussões sobre a utilização dos recursos naturais pelas sociedades modernas, fator que tem provocado profundos desequilíbrios. A

situação requer a implantação de práticas políticas e alternativas de desenvolvimento que busquem uma maior racionalidade e equilíbrio entre a utilização dos recursos naturais e a existência humana, num âmbito global.

Para Santos (2008, p. 60) a emergência de um novo paradigma “[...] não pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente)”, cujos pressupostos tratam de um conjunto de pensamento e instrumentos cientíticos que constituem uma “revolução científica que ocorre numa sociedade ela própria revolucionada pela ciência”.

A aposta em um paradigma que trate do desenvolvimento econômico e social contínuo, humanizado, com gestão racional do ambiente passa pela definição de objetivos e modalidades de ação, em contraposição às diretrizes de uso dos recursos naturais das sociedades modernas, baseadas no progresso linear e na economia de mercado. Essas alternativas têm amadurecido o debate teórico-prático da relação entre desenvolvimento e meio ambiente, a partir das experiências empíricas, emergindo, de forma mais decisiva, das discussões acerca do desenvolvimento sustentável.

Neste contexto, modelos sustentáveis de desenvolvimento que englobem aspectos econômicos, sociais e ambientais, aparecem como desafios contemporâneos, intrínsecos à evolução do conceito de desenvolvimento sob a ótica da sustentabilidade, pois a complexidade e a gravidade dos problemas sociais e ambientais com os quais a humanidade se depara, exigem a necessidade e a possibilidade de se projetar e implementar estratégias ambientalmente adequadas para promover um desenvolvimento socioeconômico equitativo ou sustentável.

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