PERÍODO
6.8 Cultivos agrícolas em área de várzea
No território do Baixo Tocantins, assim como em todo estuário amazônico, o cultivo agrícola é praticado de acordo com as limitações impostas pelo excesso de água das áreas de várzea, desenvolvendo uma diversidade de espécies agrícolas, em conjunto de outras práticas produtivas consorciadas, principalmente, com a produção de açaí, pesca e criação de animais, ocupando diferentes ambientes e garantindo dessa forma, uma produção contínua durante o ano inteiro.
Nas várzeas do estuário amazônico são encontradas quantidades expressivas de áreas produtivas utilizadas pelos moradores ribeirinhos, para agricultura de subsistência, em pequena escala o cultivo de cupuaçu, seguido pela banana (Musa sp.), cacau (Theobroma
cacao), manga (Mangifera indica L.), goiaba (Psidium guajava L.) e graviola (Anona muricata L.), entre outros, cultivados consorciados, principalmente, com açaí. Como processo
de adaptabilidade à variação do nível de água na várzea, os caboclos-ribeirinhos constroem instalações suspensas para seus canteiros, visando o cultivo de suas hortaliças e algumas plantas medicinais.
As hortaliças são cultivadas em jiraus ou em vasilhas suspensas (Fotografia 10). As principais culturas produzidas envolvem o cultivo de coentro (cheiro verde), presente em 80%
dos agroecossistemas, seguido da cebolinha, com 60%; chicória, pimenta malagueta e de cheiro com 45%; jambu, com 25%; e couve, com somente 15% (Gráfico 25).
Gráfico 25 - Principais oléricolas cultivadas nos agroecossistemas de várzea do território do
Baixo Tocantins
Fonte: Pesquisa de campo, 2013/2014.
O cultivo de hortaliças é realizado, principalmente, para o consumo familiar, sendo realizado manualmente com a força do trabalho familiar e com a utilização de instrumentos de trabalho simples como a faca, terçado e enxada (CASTRO et al., 2007a). De acordo com os caboclos-ribeirinhos, a principal finalidade é para preparação da alimentação. O excedente entra no circuito da comercialização, por ser um produto escasso na região de várzea.
Como estratégia para conviver com as limitações impostas pelo excesso de água no solo, os caboclos-ribeirinhos têm desenvolvido um conjunto de práticas que incluem a seleção das áreas mais elevadas, período de cultivo, seleção das sementes e as práticas de cultivo em estruturas suspensas denominadas de jiraus, que designam um tipo de suporte para plantio, demonstrando uma forma de adaptação das famílias ribeirinhas à natureza (FRAXE, 2004). Portanto, o sistema de cultivo pode ser considerado ambientalmente sustentável por estar baseado no conceito da agrobiodiversidade, garantindo segurança alimentar e nutricional às famílias ribeirinhas.
Outro cultivo de grande importância para os caboclos-ribeirinhos são as plantas medicinais. Em 79% das residências pesquisadas, há presença de farmácia viva, ou seja, jiraus ou vasilhas suspensas, contendo plantas medicinais. Em função da subida e descida das águas dos rios, os caboclos-ribeirinhos constroem essas instalações suspensas para os cultivos de suas hortaliças e plantas medicinais, como processo de adaptabilidade a dinâmica da região de
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%
Cebolinha Chicória Couve Coentro Jambú Pimenta de
cheiro Malagueta Pimenta 60% 45% 15% 80% 25% 45% 45%
várzea. Castro et al, (2007b) mostram que o cultivo de plantas medicinais é de grande importância para os agricultores familiares da Amazônia (Fotografia 10, imagem (b)).
Fotografia 10 - Tipos de cultivos em área de várzea do território do Baixo Tocantins
(a) Cultivos de hortaliças em canteiros suspensos (b) Cultivo de plantas medicinais
Fonte: Pesquisa de campo, 2013/2014.
Para Lisboa (2002), as plantas medicinais fazem parte do cotidiano dos caboclos- -ribeirinhos, que utilizam mais de 60 espécies entre as cultivadas em canteiros residenciais e aquelas colhidas diretamente da floresta. Na região estudada, foi possível identificar uma diversidade de plantas medicinais presentes nos domicílios dos caboclos-ribeirinhos, com destaque para boldo (Vernonia condensata Backer), hortelã (Mentha sp), marupazinho (Eleutherine plicata Herb.), salsa-do-marajo (Hyptis crenata), capim-santo (Cymbopagon
citratus (DC)), arruda (Ruta graveolens L.), anador (Alternanthera dentata (Moe.)), babosa
(Aloe vera), elixir paregórico (Piper callosum Ruiz & Pav.), oriza (Pogostemum heyneanus Benth.), pirarucu (Kalanchoe pinnata (Lam)), pariri (Arrabidaea chica Verlot.), alfavaca (Ocimum basilicum L.), catinga-de-mulata (Tanacetum vulgare L) (Tabela 11).
Tabela 11 - Relação de espécies vegetais de plantas medicinais cultivadas nas comunidades
ribeirinhas, no território do Baixo Tocantins
Espécies (nome
popular) Nome Científico Partes Usadas Finalidade Formas de uso
Boldo Vernonia condensata
Backer
Folhas Dor de estômago, fígado, diarreia, dor de barriga
Chá Hortelã Mentha sp Folhas e talos Diarreia, vômito, tosse,
febre Chá
Marupazinho Eleutherine plicata
Herb. Batata e folha Diarreia, ameba, infecção intestinal, Fígado
Salsa-do-Marajo Hyptis crenata Folhas Vômito, cólica menstrual
diarreia, verme Chá Capim-santo Cymbopagon citratus
(DC) Folhas Queda de pressão,calmante Chá
Arruda Ruta graveolens L. Folhas Cólica, hemorragia,
inchaço Chá, sumo, macerado Anador Alternanthera
dentata (Moe.)
Folhas Dor, febre, diarreia Chá, sumo
Babosa Aloe vera Folhas Baque, queda de cabelo,
queimadura Mucilagem Elixir paregórico Piper callosum Ruiz
& Pav. Folhas Fígado, cólicas, gases Intestinais Chá
Oriza Pogostemum
heyneanus
Benth.
Folhas Infecção uterina, tosse,
coceira, dor de cabeça, Febre Chá, banho Pirarucu Kalanchoe pinnata
(Lam)
Folhas Infecção, ezipla, gripe gastrite, estômago, fígado, dor de ouvido, tosse, feridas,
útero, cólica menstrual, pedra nos rins
Chá, sumo, xarope
Pariri Arrabidaea chica
Verlot. Folhas, talos uterina, asma, dor no fígado Anemia, tosse, infecção Chá Alfavaca Ocimum basilicum L. Folhas Cólica, hemorragia,
inflamação Chá, sumo Catinga-de-
-mulata
Tanacetum vulgare L Folhas Convulsão, epilepsia,
paralisia, infecção, dor de cabeça, febre,
tosse, hemorragia
Chá, sumo
Fonte: Pesquisa de campo, 2013/2014.
Os caboclos-ribeirinhos utilizam partes das plantas (folhas, talos e batatas) para o preparo de chá, xarope e sumo para o tratamento de diversas enfermidades, tais como: diarreia, dor de cabeça, vômito, tosse, gripe, febre, dor de estômago, fígado, dor de barriga, verme (ameba), infecção intestinal, cólica menstrual, queda de pressão, calmante, hemorragia, inchaço, hematomas, queda de cabelo, queimadura, gases intestinais, infecção uterina e urinária, coceira, ezipla, gastrite, dor de ouvido, feridas, pedra nos rins, anemia, convulsão, epilepsia e paralisia. O preparo e uso das plantas medicinais ocorrem sob a forma de chá, sumo, xarope e banho.
Castro et al. (2009) mostram que os caboclos-ribeirinhos cultivam plantas medicinais nos quintais ou sítios florestais pelos conhecimentos sobre a utilização de curas que são transmitidos de geração a geração através dos pais, avós, bisavós, vizinhos, rezadeiras ou curandeiros pela importância no tratamento e na prevenção de doenças como gripe, dor de cabeça, gastrite, inflamação no ouvido, entre outras.
Nas áreas de várzea, a parte da planta mais utilizada para fazer os remédios caseiros são as folhas, de preferência frescas. No caso de cascas, caules, raízes e flores são secadas e
armazenadas em potes e sacos de plásticos, saco de papel, vidros, com a preocupação de estarem bem fechados para evitar a entrada de insetos e umidade (SILVA et al., 2007b).
A estratégia de cultivo e uso de plantas medicinais, pelas comunidades ribeirinhas, é uma necessidade, principalmente, pela dificuldade dos caboclos-ribeirinhos acessarem o sistema público de saúde pela ausência dos serviços nas comunidades ribeirinhas dos municípios de Abaetetuba e Igarapé-Miri.
O cultivo agrícola é influenciado diretamente pela inundação das florestas, das áreas habitadas e cultivadas das áreas de várzea, pelas águas do rio Tocantins, ricas em sedimentos e nutrientes, o que permite a deposição de sedimentos no solo diariamente. Essa fertilização natural com a subida das águas tem possibilitado aos caboclos-ribeirinhos, a utilização de tecnologias e inovação na agricultura de subsistência em agroecossistema de várzea. Segundo Lima, Teixeira e Souza (2007), a riqueza do solo, por um lado, é fundamental para garantir o crescimento das espécies cultivadas, sem a necessidade de adição de fertilizantes, reduzindo os custos de produção e garantindo produtividade elevada, em um nível baixo de manejo do solo.
7 DIVERSIDADE PRODUTIVA E USO MÚLTIPLO DOS RECURSOS NATURAIS