PERÍODO
6.7 Extrativismo vegetal e animal (exceto açaí e pesca)
As florestas de várzea estuarina são consideradas áreas ideais para o extrativismo, sendo manejadas pelas populações caboclas há milhares de anos, por meio da coleta de frutas, sementes, madeiras, lenhas e animais, fornecendo alimentos e renda para as famílias caboclo- ribeirinhas, sendo considerada uma atividade de exploração sustentável e economicamente viável (ANDERSON; IORIS, 1992; HIRAOKA, 1993).
A estrutura florestal e aquática da várzea estuarina, caracteriza-se por múltiplos usos dos recursos naturais e resulta em um modo de vida predominantemente extrativista21. Neste sentido, as florestas e os rios amazônicos se apresentam como uma importante fonte de sobrevivência para as populações ribeirinhas, pois neles podem encontrar a matéria básica para a sua alimentação, construção de meio de transporte fluvial, moradia, artesanato e farmacopeia (NODA; NODA, 1994).
Essa condição submete o caboclo-ribeirinho a viver em função de um ciclo sazonal dos recursos naturais, com múltiplas atividades voltadas à coleta, caça e pesca, durante todo ano (SILVA et al., 2007a).
O extrativismo no território do Baixo Tocantins é considerado uma atividade produtiva estratégica para os caboclos-ribeirinhos pela relação direta que estes têm com a natureza, que se dá pela exploração dos recursos vegetais nativos, por meio da coleta de
20 Na presente seção o extrativismo não se refere ao extrativismo de peixe, camarão e açaí já tratados em seções
anteriores, mas de caça, sementes, frutas, madeiras e lenhas.
21 O termo extrativismo refere-se ao sistema de exploração de produtos florestais destinados ao comércio
regional, nacional ou internacional. Em sentido, amplo, o extrativismo reúne todas as atividades de extração, aplicando-se quer a produtos vegetais, quer a produtos animais ou ainda minerais (EMPERAIRE, 1997, 2000). O termo extrativismo significa uma das formas de apropriação da floresta como diversificação da produção e alternativa de renda, devido às oportunidades do mercado (SILVA et al., 2007a).
produtos (madeireiro e não madeireiro) da floresta de várzea e pelo extrativismo animal (caça). Com relação ao desenvolvimento da atividade de extração de produtos da floresta, 60% dos caboclos-ribeirinhos entrevistados atuam no extrativismo, sendo que, desse total, 45% para consumo, 25% para venda e 30% para o consumo/venda.
O extrativismo vegetal e animal é uma atividade importante na reprodução social e produção econômica desta população, devido à grande quantidade e diversidade de espécies existentes na floresta. Com relação à presença de atividade voltada para práticas extrativistas no território do Baixo Tocantins foi possível verificar que os caboclos-ribeirinhos utilizam o extrativismo (madeira e fruto) e a caça como fonte de alimentação e também como complementação da renda familiar (Tabela 9).
Tabela 9 - Produtos florestais madeireiros e não-madeireiros mais extraídos no território do Baixo
Tocantins
Espécies Nome Científico
Frequência nas propriedades
Formas de uso
Consumo Venda Finalidade
Açaí Euterpe oleracea Mart. Muito Sim Sim Alimentação/Óleo Cosméticos
Murumuru Astrocaryum Murumuru Mediano Sim Sim Óleo Cosméticos/Isca
Ucuúba Virola surinamensis Muito Sim Sim Cosméticos/Lenha Óleo
Andiroba Carapa quianensis Aubl Muito Sim Sim Cosméticos/medicinal Óleo
Copaíba Copaifera officinalis Pouco Sim Sim Cosméticos/medicinal Óleo
Buriti Mauritia flexuosa L. Muito Sim Sim Alimentação
Bussu Manicaria saccifera Pouco Sim Não Alimentação
Seringueira Hevea brasiliensis Muell. Pouco Não Não Composição Florística
Taperebá Spondias mobim Mediano Sim Não Alimentação
Jutai Hymenae oblongifolia Pouco Não Não Composição Florística Bacuri Pari Platonia insignis Mart. Pouco Sim Não Alimentação
Anani Symphonia globulifera L.
Pouco Sim Não Construção
Virola Virola surinamensis Warb. Pouco Sim Não Construção
Macacaúba Platymiscium filipes Benth. Pouco Sim Não Construção
Pracuúba Mora paraensis Ducke Pouco Sim Não Construção
Pau-mulato Callycophyllum
spruceanum Benth. Pouco Sim Não Construção
Obs: Tipos de Finalidade: Lenha, Alimentação, Medicinal, Construção (moradias), Iscas (pesca e caça), Artesanato e Artefatos.
Em relação às espécies madeireiras e não madeireiras com maiores frequências no ambiente de várzea pesquisada, o açaizeiro (Euterpe oleracea Mart.) é a mais imporante. Entretanto o extrativismo é constituído de muitas espécies como murumuru (Astrocaryum
Murumuru), ucuúba (Virola surinamensis), andiroba (Carapa quianensis Aubl), copaíba
(Copaifera officinalis), buriti (Mauritia flexuosa L.), bussu (Manicaria saccifera), seringueira (Hevea brasiliensis Muell.), taperebá (Spondias mobim), jutai (Hymenae oblongifolia), bacuri Pari (Platonia insignis Mart.), anani (Symphonia globulifera L.), virola (Virola surinamensis
Warb.), macacaúba (Platymiscium filipes Benth.), pracuúba (Mora paraensis Ducke) e pau-
mulato (Callycophyllum spruceanum Benth.).
Os produtos florestais não-madeireiros mais coletados no ecossistema de várzea são as sementes de murumuru (Astrocaryummururumuru), ucuúba (Virola surinamensis), copaíba (Copaifera officinalis), andiroba (Carapa quianensis Aubl) e Buriti (Mauritia flexuosa L.) (Fotografia 9).
Fotografia 9 - Tipos de sementes ou “caroços” de Andiroba (a) e Murumuru (b) extraídas das áreas de várzea do território do Baixo Tocantins
(a) Sementes de andiroba (d) Sementes de murumuru
(c) Extração artesanal de óleo de andiroba (d) Óleo de andiroba
Os produtos florestais não madeireiros têm duplo destino, segundo os caboclos- -ribeirinhos entrevistados: uma parte é destinada para uso e consumo domésticos para fabrição de óleo, cosméticos, isca, lenha, medicinal; e os produtos medeireiros são utilizados nas construções de moradias, cercas, galinheiros, marombas, pontes, palafitas e composições florísticas. Também entre as espécies nativas, várias são utilizadas como remédios medicinais, como andiroba (Carapa quianensis Aubl), copaíba (Copaifera officinalis) (Tabela 9). Outra parte das sementes são comercializadas para empresas de biocosméticos, que atuam no território, tais como, NATURA COSMÉTICOS S.A. e BERACA.
Segundo Mota et al. (2011), a coleta das sementes oleaginosas se apresenta como uma prática agroecológica diferenciada e com fortes indícios e anseios de ascensão para o desenvolvimento das comunidades, através de um processo inovador de transformações sociais, e práticas agrícolas que passam a ser encaradas como detentoras de saberes essenciais à conservação da biodiversidade. E tem se tornardo uma fonte de renda para algumas famílias.
O extrativismo animal é caracterizado pela captura de animais, como a caça que tem a finalidade de subsistência dos caboclos-ribeirinhos. A caça consiste numa atividade sazonal relevante como alternativa alimentar e fonte de proteína animal (MORÁN, 1990).
Os animais mais comumente capturados nas várzeas do Baixo Tocantins são o pato do mato (Cairina moschata), mucura (Didelphis marsupialis), paca (Cuniculus paca), tatu (Euphractus sexcintus), viado vermelho (Mazama americana), preguiça (Bradypus
tridatylus), macaco (Saguinus sciureus) e capivara (Hidrochoerus capivara) (Tabela 10.).
Tabela 10 - Distribuição das principais espécies de caça, citadas de acordo com sua forma de uso Espécies/Prod
uto Nome Científico
Frequência nas propriedades
Formas de uso
Consumo Venda Finalidade
Pato do mato Cairina moschata Muito Sim Não Alimentação
Mucura Didelphis marsupialis Muito Sim Não Alimentação
Paca Cuniculus paca Pouco Sim Não Alimentação
Tatu Euphractus sexcintus Pouco Sim Não Alimentação
Viado
Vermelho Mazama americana Pouco Sim Não Alimentação
Preguiça Bradypus tridatylus Pouco Sim Não Alimentação
Macaco Saguinus sciureus Pouco Sim Não Alimentação
Capivara Hidrochoerus capivara Pouco Sim Não Alimentação
Fonte: Pesquisa de Campo, 2013/2014.
Na atividade de caça, o conhecimento tradicional é fundamental para o sucesso da caçada, pelo conhecimento que os caboclos-ribeirinhos possuem sobre os ambientes e os
animais, baseados em observações contínuas de fenômenos naturais recorrentes da experimentação de decidir sobre os ambientes mais adequados e o uso das técnicas mais apropriadas para caçar (PEREIRA et al., 2007).
O extrativismo vegetal e animal, com exceção da pesca e do açaí na várzea do Baixo Tocatins, constitui um sistema de exploração dos produtos da floresta voltados para o consumo das famílias, com execeção das sementes oleaginosas que são comercializadas, caracteriza-se pelo nível reduzido de investimento e pela utilização de tecnologia rudimentar (LESCURE et al., 2002; VALIANTE; SIENA, 2008).
Em geral, o extrativismo, assim como todas as outras atividades desenvolvidas no ecossistema de várzea, insere-se no calendário da produção do caboclo-ribeirinho, com o uso da força de trabalho familiar, exercendo atividades de extração, transporte e transformação dos produtos, sendo também geradora de renda para unidade de produção familiar e importante fonte de subsistência, envolvendo novas alternativas de extração de recursos associadas com cultivo, criação e beneficiamento da produção.