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4 BAIXO TOCANTINS: TERRITÓRIO RIBEIRINHO EM MOVIMENTO

5 VÁRZEA: TERRITÓRIO DE VIDA DOS CABOCLOS-RIBEIRINHOS AMAZÔNICOS

Por via prazerosa, o homem da Amazônia percorre pacientemente as inúmeras curvas dos rios, ultrapassando a solidão de suas várzeas pouco povoadas e plenas de incontáveis tonalidades de verdes, da linha do horizonte que parece confinar com o eterno, da grandeza que envolve o espírito numa sensação de estar diante de algo sublime (LOUREIRO, 1995, p. 59).

5.1 Ecossistema de várzea amazônica: conceitos e categorias aperativas

A planície amazônica forma a maior bacia sedimentar do planeta Terra. Uma parte significativa dessa bacia é formada por área de várzea, compreendendo uma grande extensão de área alagada desse território. De acordo com estudos de Ayres (1995), Goulding (1997), Sternberg (1998), Vieira (2000) e Surgik (2005), a planície amazônica abrange uma área de 6 milhões de Km², sendo que, desse total, aproximadamente de 400.000 a 500.000 km² são áreas inundáveis da Bacia Amazônica, dos quais 300.000 km² são planícies que alagam periodicamente e situam-se nas bordas dos grandes rios (WITKOSKI, 2010).

A paisagem amazônica está dividida em dois ambientes, denominados de ecossistemas de terra firme e ecossistemas de várzea. O ecossistema de várzea apresenta sociobiodiversidade dinamizada pelos caboclos-ribeirinhos e mantém suas subsistências em perfeito equilíbrio com a natureza.

Na região amazônica, as áreas de várzea é um ecossistema rico em biodiversidade e diversidade dos recursos naturais, com potencial de uso múltiplo dos recursos. Esse ecossistema possui cerca de 400 anos de exploração, com a população local em forte inter- -relação e dependência do ambiente aquático e terrestre (RIBEIRO et al., 2004, p. 135).

A várzea é um ecossistema complexo, com imensa riqueza biológica passível de apropriação humana. Os rios amazônicos11 e suas áreas inundáveis cobrem mais de 300.000 Km². Há muitas gerações, essas áreas inundáveis vêm sendo utilizadas por populações

11 Os rios amazônicos em suas próprias dinâmicas e, de acordo com o aspecto das águas, classificam-se em rios

de águas pretas, rios de águas brancas e rios de águas claras, sendo que essa classificação se origina de linguagem nativa (FRANÇA, 2013). Os rios são sistemas abertos que recebem material da paisagem circunjacente. As propriedades morfológicas, físicas e químicas dos diversos rios que compõem a bacia amazônica variam muito, pois dependem da história geológica, da litologia, do clima, da geomorfologia, da pedologia e da vegetação que recobre a área de drenagem. Assim, para compreender a diversidade dos rios amazônicos, devemos considerar primeiro as diferentes paisagens amazônicas (ADAMS, 2002).

tradicionais, tanto no período de seca quanto no de cheia. No entanto, a manutenção da vida humana, nessas regiões, depende da conservação desse ecossistema (SURGIK, 2005).

O conceito de várzea abrange aspectos químicos da água, relevo das áreas inundáveis, riqueza do solo e consequente vegetação adaptada a inundações periódicas no estuário amazônico, que são utilizados para determinar legalmente suas possibilidades de uso das áreas de várzea de acordo com as necessidades da população local, de maneira que atinja os preceitos constitucionais e científicos.

Para Sioli (1968, 1991), Junk (1984) e Junk et al. (1989), as várzeas são áreas periodicamente inundáveis por ciclos anuais regulares de rios de água branca, ricas em sedimentos. Os solos dessas áreas possuem alto teor de nutrientes e são constantemente renovados. Há grande diversidade de espécies de vegetação, com alta biomassa especialmente em função das árvores grandes e de crescimento rápido. É o mais comum de todos os tipos de mata inundáveis da Amazônia e também chamada de várzea estacional.

As várzeas são áreas situadas às margens de rios de águas brancas ou barrentas, formando um mosaico de ambientes fundamentais para a diversidade de uso que os caboclos- -ribeirinhos fazem dos recursos, em função da alta produtividade de peixes e fertilidade do solo (RIBEIRO; FABRÉ, 2003). É o ambiente mais rico da bacia em termos de produtividade biológica, biodiversidade e recursos naturais. A várzea é um ambiente onde há possibilidade de conciliar uma ocupação relativamente intensiva com a conservação dos ecossistemas e biodiversidade.

A várzea é um ecossistema rico e único na Amazônia em termos de biodiversidade, onde os rios e lagos, bem como, outros corpos de água, abrigam 25% das espécies de peixes de água doce do mundo, diversidade de uso dos recursos naturais (madeira, produtos não madeireiros e pescado). Os solos são os mais férteis da Amazônia em virtude da renovação periódica dos nutrientes. Isso ocorre por causa dos pulsos de inundação, por meio dos quais as partículas orgânicas e os minerais transportados pelos rios de águas brancas são depositados nos solos da várzea (JUNK, 1984).

A várzea, assim, oscila entre uma fase terrestre e outra aquática e, portanto, comporta organismos terrestres e aquáticos adaptados a essa alteração. Especialistas de sistemas terrestres tratam-na como um ecossistema terrestre periodicamente perturbado por inundação, enquanto os especialistas de sistemas aquáticos fazem o oposto. No entanto, essa heterogeneidade espaço-temporal, envolvendo a interação das duas fases, é a função central desse sistema (JUNK, 1984; JUNK et al., 1989).

As várzeas amazônicas podem ser divididas em dois grupos de acordo com o sistema hídrico: as várzeas de marés, que estão sujeitas aos pulsos de inundação diária; e as várzeas sazonais, que são submetidas ao ciclo anual de enchente e vazante (PRANCE, 1979). Para Morán (1993; 1995), a várzea da Amazônia é dividida em três regiões distintas: alto e baixo Amazonas, e região estuarina. A várzea estuariana, área de estudo da tese, é caracterizada pela rica biodiversidade animal e vegetal, com predominância para certas espécies, muitas delas palmeiras de valor econômico.

Esse padrão é provavelmente, resultado do manejo realizado pelas populações humanas locais, que teriam percebido as vantagens do estuário com relação a sua localização, que permite acesso tanto dos recursos fluviais quanto marítimos. A pesca é extremamente beneficiada por essas condições e as atividades extrativas têm alta produtividade e podem ser sustentáveis quando manejadas de forma apropriadas (MORÁN, 1993).

Para Morán (1990), a várzea de estuário diferencia-se dos outros tipos de várzea da Amazônia pela influência diária da água salina, das marés e pela riqueza aquática. A várzea é o ambiente mais rico da bacia em termos de produtividade biológica, biodiversidade e recursos naturais. É habitada por uma população que ocupou a região há muito tempo e que detém um amplo saber sobre o ambiente amazônico e suas diversas formas de proveito econômico (FISCHER, 1997; VIEIRA, 1992; 2000).

Essa característica levou ao processo de ocupação da região, desde os tempos coloniais, nas margens da várzea, influenciada ainda pelos recursos naturais e ao fato de o rio ser a principal via de transporte. Em consequência, quase todas as principais cidades da Amazônia, nos primeiros momentos da ocupação, estão localizadas na beira do rio Amazonas e seus principais afluentes. Segundo Mcgrath e Gama (2005), a várzea sempre foi o corredor central da ocupação no Amazonas e, até a década de 1970, quando a atual malha rodoviária começou a ser construída, as cidades, vilas e lugarejos foram se concentrando dessas áreas para as margens das rodovias.

O mapeamento da faixa de terra alagável e da amplitude da várzea, ao longo da calha dos rios, e a variabilidade anual das chuvas são aspectos importantes para conhecerem-se as características distintas, posto que são determinantes nas formas de ocupação humana, no desenvolvimento de atividades produtivas e de manejo de recursos naturais. Além das características do ambiente, existem fatores de ordem social determinantes no processo de ocupação das várzeas e na permanência da população (LIMA; ALENCAR, 2000).

Fernandes (2005) define que o sistema de várzea é um ecossistema composto por floresta, com árvores altas, predominando as palmeiras, como o açaí (Euterpe olerace), considerada a principal fonte de alimentação e renda da população caboclo-ribeirinha.

Devido à deposição de sedimentos, a várzea está localizada em solo rico em nutrientes, complexo e com pH próximo do alcalino, ao contrário da maioria dos solos da Amazônia, usualmente ácidos e pobres. Possui alta produção de biomassa, grande número de espécies vegetais adaptadas à inundação e uma interação dinâmica entre as cadeias alimentares dos rios e das várzeas, sendo responsável pela enorme produtividade das áreas adjacentes ao leito do rio, compostas por formações florísticas parcialmente alagadas. Ao contrário da floresta de terra firme, a várzea é um ambiente onde há possibilidade de conciliar uma ocupação relativamente intensiva com a conservação dos ecossistemas e biodiversidade (FISCHER, 1997).

5.2 A várzea do estuário amazônico: possibilidades e limites

O modo de vida da população caboclo-ribeirinha das margens baixas dos rios está ligado a uma região de colonização das mais antigas da Amazônia, onde foram instalados os primeiros núcleos de ocupação, a partir do século XVII, por meio das fortificações, e também pelos aldeamentos missionários, que fundaram grandes fazendas às margens do estuário amazônico (LIMA, 2005), no encontro do rio Amazonas com o oceano Atlântico, formando as áreas de várzea, havendo dois ciclos diários, de enchentes e vazantes (JUNK et al., 1989; HIRAOKA; 1992; 1993, RABELO, 1999; PAROLIM et al., 2004; QUEIROZ et al., 2007; FARIAS, 2012).

O estuário amazônico, portanto, é formado por um complexo de ilhas e por regiões adjacentes, onde existem as florestas de várzeas caracterizadas por serem regiões planas, recortadas por canais de drenagem natural (igarapés), constituídos por terrenos sedimentares, com ausência de rochas (JUNK et al., 1989). O estuário amazônico abrange o litoral do Amapá, Pará e Maranhão; morfologicamente, divide-se em sub-estuários a saber: do rio Amazonas de águas barrentas, do rio Tocantins de águas brancas, do rio Pará de águas misturadas e dos rios Mojú e Guamá de águas pretas (Mapa 3).

No que se refere à área emergida ou continental, o estuário se constitui de ilhas grandes, medianas, pequenas e microilhas; baías, rios dentro das ilhas e igarapés e furos que interconectam rios de águas brancas e pretas, às vezes salobres, gerando habitats mistos. (SANCHES, 2005; MORÁN, 1990).

As ilhas do estuário amazônico, em especial dos municípios de Abaetetuba e Igarapé- -Miri do território do Baixo Tocantins, são caracterizadas como áreas de várzea formadas por extensas áreas úmidas, periodicamente inundadas, que sofrem influência diária dos movimentos de enchente e vazante da maré, constituídas de rios, entrecortadas por uma série de cursos d’água conhecidos como furos e igarapés (LIMA; TOURINHO, 1994; LIMA et al., 2000; REIS, 2008; REIS; ALMEIDA, 2012).

As inundações periódicas fazem da várzea uma paisagem “anfíbia” com condições ecológicas muito peculiares (SIOLI, 1984), com ecossistemas abertos, associados às planícies de inundações dos rios e igarapés de água branca, submetidos a um ciclo diário de enchentes e vazantes por água doce represada pelas marés (ALMEIDA et al., 2004).

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