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Da concentração objetiva à universalização simbólica da propriedade

O Código Civil de 1916 é contemporâneo da instituição, nos Estados Unidos, do zoneamento de Nova Iorque, que é considerado o primeiro zoneamento integral de uma cidade e contribuiu significativamente na construção paradigmática do urbanismo moderno (PINTO, 2011). O sistema jurídico-urbanístico norte-americano definido pelo zoneamento tem como elementos principais o Official Mapp e o Master Plan. O Official Mapp define a localização precisa das ruas e dos equipamentos públicos existentes e projetados: nada pode ser feito antes de constar desse mapa (nem uma instalação de esgoto). Não se pode construir em áreas consideradas de reserva no mapa oficial, nem em áreas que não façam divisa com rua nele projetada. O

Master Plan é um instrumento mais geral de planejamento urbano, contém

diretrizes de uso do solo diferenciadas por zonas. Ele é abrangente e de longo prazo e, de modo geral, é um documento técnico, sem valor jurídico, e trata

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essencialmente de questões urbanas territoriais (posteriormente, o Master Plan evoluiu para Comprehensive Plan, que englobava todas as questões públicas, inclusive os serviços sociais). É possível perceber uma influência do sistema jurídico norte-americano no paradigma da propriedade privada absoluta expresso no CC/1916. Esse sistema também influenciou alguns urbanistas que ocuparam cargos públicos municipais e ajudaram a definir os modelos jurídico- institucionais da atuação do Estado na reprodução do espaço. Entre eles, Rolnik (1997) destaca o caso de Victor Pereira, que conhecia profundamente o modelo americano, atuou no poder público municipal (São Paulo) durante as concepções e implementações de vários projetos e obras urbanas estratégicas, foi acionista em empresas envolvidas nas dinâmicas de urbanização e cliente de empreendimentos. Ele mesmo afirmava que, no sistema norte-americano, a criação de uma cultura popular consciente em relação ao planejamento urbano era condição para eficácia dos instrumentos de controle social, mas, assim como o zoneamento integral, entendia que essa parte do modelo também não era apropriada ao Brasil.

Por um lado, o modelo paradigmático da propriedade absoluta servia bem aos interesses envolvidos na produção da cidade moderna brasileira, por outro, o zoneamento integral, detalhado e de longo prazo, funcionaria como uma barreira ao movimento implicado nos ciclos de reprodução do espaço, que era definido pelas articulações entre agentes e interesses e nunca por um projeto global de cidade. O zoneamento não apenas deveria ser flexível como deveria também permitir o movimento de visibilidade ou invisibilidade de certas partes da problemática urbana, e da definição mais restrita de o quê estava ou não em questão. Além disso, a formação de uma ampla consciência urbana quanto ao planejamento e a constituição de mecanismos de controle social traria obstáculos aos objetivos pretendidos. Dessa forma, apenas parte do sistema foi aplicada no país, aquela parte que acomodava e fortalecia o processo já em andamento.

Os anos 1920 marcam também a realização dos congressos internacionais de arquitetura e urbanismo. Eles conformaram os (novos) modelos, bem como os discursos que buscaram justificá-los, a partir de aspectos sociais, políticos, econômicos, estéticos e tecnológicos. Os Congressos

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Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs) são exemplos paradigmáticos (FRAMPTON, 1997). No Brasil, os primeiros congressos de arquitetura e urbanismo aconteceram no mesmo período, e expressaram as particularidades da apropriação dos modelos internacionais (BONDUKI, 2002, SANTOS, 2008). A configuração dos modelos de problematização e de solução da problemática urbana pelos CIAMs não se articula apenas com especificidades do contexto geral de produção do espaço nos países centrais, ela também se articula com uma cultura urbana e um arcabouço jurídico-institucional que possibilita sua concepção e aplicação. O debate sobre a forma urbana e habitacional não se separa da base fundiária sobre a qual tais formas podem se estabelecer e da estrutura jurídica e institucional que cria e medeia tal possibilidade (ALOCHIO, 2005; PINTO, 2011). Algumas das ideias quanto à reestruturação do desenho urbano, com a constituição de amplos espaços verdes de uso público e a liberação dos andares térreos para os pedestres, como contrapartida para a verticalização e a destinação das vias à circulação de automóveis, só se concebem em uma estrutura “publicizada” de terra urbana ou em uma propriedade imobiliária urbana fortemente regulada (além disso, como sabemos, grande parte da aplicação desses modelos ocorrerá no contexto das amplas reconstruções do pós-guerra e nas construções de cidades-novas, e no contexto da ampliação dos direitos sociais, incluindo a realização de políticas habitacionais (FRAMPTOM, 1997; BENEVOLO, 1981, 1983, 1998)). Parte dessas noções se conceberam dentro de alguns modelos específicos de configuração jurídico-institucional, como o Town and Country Planning Act, Inglaterra, 1909, e a Lei Cornudet, França, 1919, que são marcos históricos (ALOCHIO, 2005; PINTO, 2011).

Além de uma definição comum quanto a o quê configura uma questão de planejamento, isto é, um certo recorte quanto a quais elementos devem ser previstos e regulados nos planos, um ponto fundamental nesses sistemas é a relação entre o direito de propriedade e o direito de construir. Os planos urbanísticos não restringem o direito de propriedade, eles o definem/conformam/qualificam. O direito de construir é criado pelo plano.

A concepção de propriedade imobiliária urbana como função social, constituída e regulada socialmente, se define no contexto de uma dinâmica

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urbana específica. Essa dinâmica e a sua constituição simbólica da cidade como problema levaram à (re)criação de um pacto socioterritorial que reconhece a dimensão coletiva da cidade e reconhece a legitimidade e a necessidade de uma intervenção articulada do Estado como condição de sua sobrevivência. É sobre essa base que as propostas do urbanismo modernista se constroem. Ainda que, em alguns casos, tais propostas levem a uma certa radicalização que pressupõe toda a terra urbana como pública, a constituição simbólica do sentido e do controle da propriedade imobiliária urbana é um ponto de partida importante.

No caso brasileiro, em que a dinâmica urbana está estruturada sobre a produção do espaço como meio privilegiado de reprodução ampliada do capital, tendo por base a concentração fundiária, esse tipo de modelo adquiriu outras nuances. A “perda da rua” para o modelo rodoviarista e a verticalização foram adotadas sem a contrapartida da ampla distribuição de espaços verdes de uso público, como exemplo. A constituição simbólica da propriedade privada individual é um elemento fundamental nesse processo.

Desde o final do século XIX e cada vez com mais ênfase, a propriedade privada individual vinha ganhando força no debate sobre o problema da moradia dos pobres. Inicialmente, o discurso era aquele do sanitarismo, que propunha a moradia unifamiliar, fora dos centros urbanos, como solução ideal. A necessidade dessa localização foi também justificada com um critério econômico: nessas áreas, o mercado conseguiria oferecer a habitação para compra a um valor de prestações semelhante ao valor pago como aluguel de uma moradia precária nas áreas centrais. A seguir, essa construção ganhou também um aspecto social, baseado na representação de uma certa dignidade do lar e da família69F

70.

A estratégia definida como solução para a moradia popular retiraria os pobres das áreas urbanas valorizadas, enfraqueceria sua cultura pré-moderna ou anti-moderna e seus processos de mobilização política (que poderia caminhar para a formação de uma cultura urbana crítica) e conformaria um agente social centrado na individualidade da vida no lar em família, o que era convergente com

70 Bonduki (2002), Ribeiro (1997) e Rolnik (1997) dão alguns exemplos de eventos

especializados e de discursos nesses eventos, nos jornais e nos meios políticos, que expressam essas nuances.

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o mundo moderno do trabalho que se buscava construir. A atividade de loteamentos para venda para as classes populares foi também uma parte significativa da articulação entre proprietários, investidores e industriais estrangeiros e poder público, como demonstram Ribeiro (1997) e Rolnik (1997). No entanto, como esses autores também mostram, esses loteamentos não foram imediatamente ocupados. Os lotes oferecidos fora dos centros urbanos não tinham acesso a infraestrutura e serviços urbanos (incluindo saneamento) e nem condições de mobilidade urbana suficientes.

Foi necessária uma intensificação da ação do poder público para garantir o sucesso do modelo. Ela envolveu um investimento em ações educativas, um sistemático desestímulo à oferta de moradias para aluguel nas áreas centrais, um investimento em um mínimo de melhoria das condições de mobilidade e a preocupação com as garantias para o comprador de lotes a prestações.

O agente financeiro – o banco, a sociedade de crédito ou o investidor particular – é um agente privilegiado nas articulações envolvidas na (re)produção do espaço urbano, como indicam as sucessivas regulações do sistema de hipotecas. Como estímulo à viabilização do acesso ao loteamento pelas camadas populares, necessária ao sucesso dos empreendimentos, a nova regulação do sistema incidiu na limitação da taxa de juros. O Decreto 22.626, de 1933, tratou da questão dos juros nos contratos(art. 1º, §1º).

O projeto educacional construía uma representação da vida na cidade a partir de uma lógica individual centrada na vida privada da família, no lar e no trabalho. A problemática do saneamento, ligada à saúde pública, se tornou uma questão de hábitos de higiene pessoal e de valorização do modelo de habitação unifamiliar, fora dos centros urbanos (e mesmo das áreas urbanas). A dignificação do trabalho dava nuances de alegria e gratidão e afastava a perspectiva crítica. Nesse modelo de família moderna do trabalhador, a propriedade privada da moradia era o símbolo que expressava a vitória, coroava o esforço da família e garantia sua segurança70F

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71 Rolnik (1997) aborda esse aspecto simbólico da propriedade privada da moradia como

conquista que justifica qualquer sacrifício e como instrumento de garantia de segurança da família.

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Essa construção envolveu também a formação de uma imagem negativa dos cortiços, das favelas e de qualquer outra forma de moradia coletiva e adensada dos pobres nos centros urbanos, expressa tanto na literatura quanto nos textos e relatórios técnicos, declarações de membros do poder público e matérias nos jornais. Enquanto isso, através desses mesmos meios, os elementos do novo modelo (os loteamentos populares periféricos) passaram a ser exaltados como solução, com vários tipos de ênfase às suas vantagens.71F

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Até a década de 1930, grande parte dos loteamentos da periferia ainda não estava ocupada, e as condições urbanas nessas áreas eram altamente precárias, gerando mobilizações e protestos dos moradores. As dinâmicas do espaço que se definiram desde o século XIX, com a chegada dos imigrantes europeus, associadas ao contexto econômico e sociopolítico nacional e internacional nesse período, produziram uma estratificação social e de conformação de conflitos particular. A complexificação da composição de agentes urbanos traz novos aspectos aos embates quanto às dinâmicas de desenvolvimento urbano em vários aspectos, incluindo a construção de outras noções sociopolíticas e a demanda pelo reconhecimento de direitos, também em articulação com os novos elementos do debate internacional.

Nesse contexto, a promulgação da Constituição de 1934 expressou diversos avanços na configuração de um pacto social nacional. Ela traz, pela primeira vez na legislação brasileira, a noção de que o exercício do direito de propriedade afeta o interesse coletivo:

“Art. 113, 17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar” (BRASIL, Constituição 1934).

Aqui, o interesse social ou coletivo aparece como elemento constitutivo do exercício do direito de propriedade, mas esse elemento, por sua vez, depende de definição legislativa. Não fica expresso qual é a lei que determinará essa “forma” nem que ente federativo pode fazê-lo. Disforme e sem conceito, o

72 Uma figura que sintetiza essa construção na literatura popular é o Jeca Tatu, personagem

principal do livro Urupês, de Monteiro Lobato, publicado pela primeira vez em 1910. É apresentado como um sujeito apático e enfraquecido pelas doenças que a sua vida sem higiene lhe causam. A redenção do Jeca é a sua inserção na modernidade, quando se torna saudável e arruma emprego. Esse personagem foi largamente utilizado na construção da (nova) cultura popular, desde a educação infantil (inclusive com uma versão exclusiva para esse público, o Jeca Tatuzinho) até a educação dos adultos.

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interesse social ou coletivo mencionado aqui não alcançará a cultura jurídica nem o imaginário social, que permanecem delineados pelo Código Civil de 1916.

A Constituição de 1934 cristalizou provisoriamente o embate de interesses em que novos agentes ganhavam força. Às tradicionais forças provenientes dos setores agrários e agentes de outros setores que deles derivavam, seja através de vínculos familiares seja através das tradicionais relações de conflito e aliança, se opunham agentes militares e classes médias urbanas, que se consolidavam e buscavam representatividade política e poder. Dessa forma, em um cenário em que, como ficou claro logo em seguida, as conquistas sociais dariam lugar ao populismo e a liberdade regrediria, a Constituição de 1934 expressa um ideário que inclui nuances liberais mais explícitas que a legislação anterior, no que se refere à importância da liberdade e à ação do Estado e sua mediação das relações civis/privadas. Ela estabelece o povo como origem do poder político, é mais explícita na distribuição das competências legislativas e afirma a autonomia municipal como princípio, apesar de o Município ainda não ser um ente federativo. Ela inclui também, por outro lado, nuances de cunho social, que expressaram as conquistas de movimentos socialistas na Europa e que começavam a ganhar força nas mobilizações urbanas no país. Ela traz a temática dos direitos sociais, dos direitos trabalhistas, da educação, da saúde, e a questão da seca no Nordeste. Há uma preocupação explícita com as condições de vida no campo e em controlar o chamado “êxodo rural”, a partir da fixação do homem no campo. A Constituição de 1934 também institui a preservação do patrimônio histórico como competência e obrigação de todos os entes federativos:

Art 148. Cabe à União, aos Estados e aos Municipios favorecer e animar o desenvolvimento das sciencias, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objectos de interesse historico e o patrimonio artistico do paiz, bem como prestar assistencia aotrabalhador intelectual (BRASIL, Constituição, 1934).

Além disso, estabelece a justiça e a igualdade de oportunidades como princípios da ordem econômica:

Art 115. A ordem economica deve ser organizada conforme os principios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existencia digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade economica. (BRASIL, Constituição, 1934).

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A Constituição de 1934 amplia os temas de tutela do Estado, mas avança pouco em relação à problemática urbana. Nesse sentido, ela institui a contribuição de melhoria como forma de receptação pelo poder público da valorização imobiliária privada gerada pelo investimento público. É significativo que a Lei crie o instrumento e que o deixe assim pairando no vazio, enquanto não estabelece, no rol de direitos sociais, os direitos urbanos, como aqueles referentes a moradia, mobilidade e infraestrutura. Essa ausência expressa aquelas articulações ligadas às maneiras como ideais modernos de urbanismo (e de direito urbanístico, tendo em mente ao menos o município) foram, nos processos de apropriação no Brasil, destituídas de suas dimensões ligadas à concepção mais restritiva do direito de construir, ao zoneamento integral e ao sistema de planos articulados e de longo prazo.

O papel do zoneamento (como cristalização do planejamento e da regulação) no Brasil não era apenas o de articular os ciclos de produção do espaço como atividade econômica em si, mas também o de estabelecer uma fronteira quanto àquilo que define questões de planejamento, deixando de fora os elementos que seriam necessários para o “funcionamento” da cidade produzida dessa forma, como distribuição geral de infraestrutura, equipamentos e serviços e sistemas de mobilidade urbana e sua integração às dinâmicas de desenvolvimento da cidade, e tratamento das áreas precárias que continuavam existindo nos centros urbanos (e mesmo proliferavam), como cortiços e favelas (com incidências diferentes em cada cidade, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belo Horizonte) e que se tornaram invisíveis, conquanto não estivessem “bloqueando” os eixos de valorização.

Apesar de sua curta vigência, a Constituição de 1934 foi expressiva como registro de um debate, cujas ideias seriam assimiladas de maneiras e em momentos diferentes, mas já tomavam forma no campo de lutas da produção da legislação. Três anos depois de sua instituição a democracia no país seria interrompida e a lógica da legislação seria, de fato, apropriada e reelaborada pelo novo regime. O “interesse social ou coletivo”, como exemplo, desapareceria da legislação antes mesmo de causar qualquer impacto significativo.

Algumas diferenças entre a Constituição de 1934 e a de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, que institui o seu governo totalitário, expressam disputas,

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contradições e ambiguidades que marcam a década de 1930 no Brasil e cujos desdobramentos definiram por muitas décadas os caminhos da atuação do Estado em aspectos da (re)produção do espaço urbano. A redução do público como do povo ao público como do Estado é, talvez, o exemplo mais significativo, por seu caráter estruturante. Essa redução do público ao estatal marca o desenvolvimento da cultura e da prática urbana no país, colocando-se como desafio ainda nos dias atuais. Ela marcou, naquele momento, o sufocamento da contradição através da pressuposição de que o povo, mediante um suposto risco muito grande, abdica totalmente de seu poder instituinte em nome de um Estado que há de lhe garantir paz e segurança:

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil:

Attendendo ás legitimas aspirações do povo brasileiro á paz politica e social, profundamente perturbada por conhecidos factores de desordem, resultantes da crescente aggravação dos dissídios partidarios, que uma notoria propaganda demagogica procura desnaturar em lucta de classes, e da extremação, de conflictos ideologicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violencia, collocando a Nação sob a funesta imminencia da guerra civil;

Attendendo ao estado de aprehensão creado no paiz pela infiltração communista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remedios, de caracter radical e permanente;

Attendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normaes de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem estar do povo;

Com o apoio das forças armadas e cedendo ás inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente aprehensivas deante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e politicas; Resolve assegurar á Nação a sua unidade, o respeito á sua honra e á sua independencia, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz politica e social, as condições necessarias á sua segurança, ao seu bem estar e á sua prosperidade;

Decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o paiz (BRASIL, Constituição, 1937).

Assim, no que se refere à definição do direito do direito de propriedade, enquanto, em 1934, a dimensão do interesse coletivo lhe era constitutiva, na nova Constituição, a sujeição desse direito a uma regulação continua em destaque, mas a parte que inscrevia tal regulação na conformação de uma função social perde força, dando lugar às noções de “bem público” e “bem estar”:

Art 122. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiz o direito á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

14 - o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade publica, mediante indemnização prévia. O seu conteudo e

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os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercicio;

Art. 123. A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclue outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos principios consignados na Constituição. O uso desses direitos

e garantias terá por limite o bem publico, as necessidades da defesa, do bem estar, da paz e da ordem collectiva, bem como as

exigencias da segurança da Nação e do Estado em nome della constituido e organizado nesta Constituição (BRASIL, Constituição, 1937, negritos nossos).

Nessa concepção, cabe realçar, em primeiro lugar, o papel de limitação pelo Estado que remete à caracterização do direito de propriedade tal como estabelecido anteriormente a 1934 e, em segundo lugar, a decorrente perda da clareza da dimensão coletiva do exercício da propriedade. Essa aparente contradição entre limitar o exercício do direito ao poder de regulação do Estado